O Globo
Alguém consegue imaginar Fernando
Henrique Cardoso chorando copiosamente diante de pastores evangélicos e dizendo
que conduziria o país na direção que eles desejassem? Ou Lula? Ou Michel Temer?
Não, jamais. Trata-se de cenário impensável até três anos atrás. Agora, com
Bolsonaro, um episódio desse não apenas é possível como de fato aconteceu. O
presidente ofereceu a Nação brasileira a líderes evangélicos em cerimônia no
Palácio do Planalto na terça-feira passada. E o que se viu? O Congresso reagiu
com a força que a situação exigia? Não. O Supremo reagiu? Nada, ninguém se
mexeu. Bolsonaro confrontou um dos princípios fundamentais da Constituição, que
estabelece a laicidade do Estado, e ninguém se abalou.
Claro que Bolsonaro é um oportunista, estava fazendo campanha no horário de expediente e jamais conseguiria submeter o Estado brasileiro à vontade do grupo religioso que o abençoava com promessa de votos. Mas a simples intenção de terceirizar o poder concedido pelo eleitor é um absurdo que merecia a mais ampla desaprovação de todos. Não houve admoestação porque ninguém mais dá bola para as seguidas infrações ao bom senso e à ética e aos inúmeros crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente. O fato, contudo, escancara uma linha de ação que Bolsonaro vem seguindo desde a sua posse e será mantida no caso da sua reeleição. E se constitui em grande problema a ser enfrentado.
Ninguém tem dúvida de que o
presidente fará novas concessões a igrejas evangélicas se for reeleito, o que
não significa entregar o Estado aos seus desígnios, como ele afirmou na
cerimônia no Planalto. Mas estas concessões são importantes e se apresentam na
forma de isenções fiscais, que enriquecem igrejas, bispos e pastores, como
projetos de lei moldados à semelhança do conservadorismo religioso da turma, ou
vetos igual ao prometido para o projeto que libera jogos no Brasil. Poucos as
consideram adequadas e moralmente aceitáveis. Mesmo aqueles mais devotos, mas
que conseguem discernir o certo do errado, entendem o equívoco deste
alinhamento automático.
Os evangélicos somam 31% da
população brasileira, segundo o Datafolha. São quase um terço do total, o que
não é pouca coisa. Muitos fiéis agem como verdadeiros rebanhos e seguem
cegamente as orientações de seus pastores, inclusive as políticas. Por isso,
eles têm tanto valor em época de campanha eleitoral. Por isso também, Bolsonaro
promete entregar aos seus líderes o que não lhe pertence. Apenas entre os
evangélicos o presidente bate Lula nas intenções de voto, segundo as mais
recentes pesquisas eleitorais. Lula ganha em todos os segmentos e perde com dez
pontos de diferença para o seu rival entre os evangélicos. Diante disso, é
fácil entender a promessa e as lágrimas do presidente.
Lula também conversa com líderes
evangélicos, embora sua tática seja tentar ganhar o apoio diretamente do fiel,
falando com ele, na sua linguagem. Da mesma forma ele faz promessas, mas não
oferece o comando da Nação, como Bolsonaro. O PT perdeu sua base evangélica
ainda no governo de Dilma Rousseff, que esticou a corda a favor de valores que
considerava corretos e modernos, mas sem fazer o necessário cálculo político.
De lá para cá, a bancada evangélica no Congresso foi gradualmente se alinhando
com as pautas mais conservadoras e hoje faz coro com os extremistas de direita
que apoiam Bolsonaro incondicionalmente.
Essa bancada é formada por
bispos e pastores das mais importantes e ricas igrejas evangélicas do país. No
governo, na Esplanada dos Ministérios, entre as autarquias e estatais, o
presidente assentou outro bom número de líderes religiosos em cargos do
primeiro e do segundo escalões. No Supremo, como prometido, Bolsonaro estacionou
o “terrivelmente evangélico” André Mendonça. São esses homens, deputados,
senadores, ministros, presidentes e diretores de empresas públicas e juízes
evangélicos que conduzem os fiéis. São líderes incontestáveis em suas igrejas.
Cargos e funções importantes causam impacto entre os fiéis mais simples,
pagadores de dízimos, que creem em Deus e temem o juízo final. A estes,
Bolsonaro promete o céu.
O que mudou?
O Tribunal de Contas da União revelou esta
semana que conseguiu economizar para os cofres da União R$ 54 bilhões em 2021.
Um valor extraordinário, considerando que cabe ao TCU evitar erros
administrativos, impedir e punir crimes contra o patrimônio público. No ano
anterior, informou o tribunal, a economia gerada foi de R$ 13 bilhões, ou R$ 41
bi a menos. O que você acha que aconteceu de um ano para o outro? Das duas,
uma: ou o governo Bolsonaro errou mais e tentou cometer mais crimes do que no passado,
ou o TCU melhorou seus processos de fiscalização. Em qual você aposta?
Vai que cola
O presidente do Senado anunciou que não
será candidato a presidente da República porque a campanha seria incompatível
com a presidência do Congresso. Bonito, mas não é bem assim. Rodrigo Pacheco
estava na sobra, lançado pelo presidente de seu partido, Gilberto Kassab, esperando uma brecha, que
não apareceu. Se tivesse aparecido, por ela entraria na disputa. Disse que
nunca afirmou que seria candidato. Mas também não disse o contrário. Deixou
rolar o “vai que cola”. Poderia ter sido um bom candidato.
Mourão em campanha
O vice-presidente apareceu esta semana com
uma novidade. Trocou o eterno
escudo do Flamengo da sua máscara preta pela bandeira do
Rio Grande do Sul. Mais explícito, impossível.
As caras de bolso
Tem algumas pessoas que conseguem mudar em
segundos seu semblante, indo de uma estampa de alegria imensa a outra de
tristeza infinita. São atores que melhor desempenham este papel, treinados em
muitos anos diante das câmeras e nos palcos. Eles dizem que trazem cada um dos
seus personagens no bolso, que é da sua natureza profissional fazer rapidamente
a troca. É disso que vivem. No Palácio do Planalto viu-se na terça-feira, dia
8, um desempenho memorável de nosso
presidente dublê de artista. Numa reunião com evangélicos,
quando disse que entregaria a eles os destinos da Nação, chorou copiosamente.
Pouco depois, numa homenagem ao Dia Internacional da Mulher, na qual afirmou
que as mulheres “estão praticamente integradas à sociedade”, riu desbragadamente,
como se tivesse ouvido a piada mais incrível do anedotário nacional. Ele com
cara de bolso, e nós com cara de bobos.
Vergonha
Augusto Aras, francamente, que vergonha, igualou-se a Bolsonaro e Paulo Guedes no quesito desrespeito às mulheres. Os dois as medem pela beleza, lembra-se do episódio da mulher de Emmanuel Macron? Aras as dimensionou pelo esmalte e pelos sapatos. Deve um pedido de desculpas. Não adianta dizer que foi mal-entendido. Melhor pedir desculpas, mesmo que sejam esfarrapadas.
Tsunami
Levantamento feito pelo jornal “O Estado de
S. Paulo” mostra que 31 cadeiras nos tribunais superiores, sendo duas do STF e
quatro no STJ, deverão ser preenchidas pelo presidente que for eleito em
outubro. Se Bolsonaro for reeleito, poderemos ter uma avalanche de kassios e mendonças. Caso
Lula vença, poderemos assistir a um vendaval de toffolis e fachins. Caberá ao
eleitor escolher entre o tsunami e o furacão.
Garimpo oportunista
Não há limite para o oportunismo do governo
e seus aliados no Congresso. O projeto para a abertura de mineração em terra
indígena sob a alegação de que vai faltar potássio para a fabricação de
fertilizantes em razão da invasão da Ucrânia é abusivo e cínico. Há diversas
lavras em estudo, em processo de implementação ou já liberadas e que não são
exploradas. Em janeiro do ano passado, o Ministério das Minas e Energia
anunciou no site oficial do governo que o Serviço Geológico do Brasil havia
identificado potássio na Bacia do Amazonas com reservas de 3,2 bilhões de
toneladas. O Brasil importou 10,45 milhões de toneladas de potássio em 2019, o
que dá uma ideia do potencial da reserva. Ocorre que parte das áreas onde
identificou-se o minério é terra indígena, como a de Autazes (AM). Lá, a
mineradora Potássio do Brasil, subsidiária do banco canadense Forbes & Manhattan, já
estava fazendo prospecções desde a década passada e acabou tendo que suspender
a exploração quando entrou em território indígena. A canadense será a maior
beneficiária se o projeto de Bolsonaro prosperar, além dos garimpeiros que
degradam terras e rios em busca de ouro e pedras preciosas.
Polônia e poloneses
Merece um destaque a espetacular acolhida
que a Polônia e os poloneses têm dado aos refugiados ucranianos. Além de
remédios, comida, roupas, transporte, abrigo e flores, os poloneses emocionaram
o mundo ao oferecer brinquedos
e carrinhos de bebês aos meninos e meninas fugitivos da
invasão bárbara, que alguns insistem em chamar de guerra.
Nosso Rio
A nossa querida capital provou mais uma vez que está à frente de seu tempo. Na terça-feira, o prefeito Eduardo Paes anunciou o fim do uso obrigatório de máscaras em qualquer ambiente, aberto ou fechado. Saiu na frente de São Paulo, vejam só. Mas, esperto, o governador João Doria anunciou no dia seguinte medida semelhante, mas apenas para ambientes abertos, mantendo o uso de máscaras obrigatório em bares, restaurantes, cinemas, táxis, ônibus, etc. Até o presidente da França seguiu o exemplo do nosso intrépido prefeito. Emmanuel Macron autorizou o fim da máscara também em ambientes fechados, mas apenas para quem apresentar comprovante de vacinação completa. Aqui, não, “sem hipocrisia”, aqui, vale tudo.
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