EDITORIAIS
Não se equilibra o mercado de petróleo no
improviso
O Globo
A guerra da Ucrânia afeta o preço do
petróleo e a inflação no mundo todo, mas cada país reage a seu modo. A Europa
debate como reduzir a dependência da energia russa. Estados Unidos e outros
países liberam seus estoques estratégicos, mas ao mesmo tempo discutem até que
ponto é razoável ampliar subsídios e isenções de impostos a combustíveis
fósseis — de quase US$ 1 milhão por minuto no planeta. No Brasil, a questão é
outra.
Pelas postagens de políticos nas redes
sociais, parece que vivemos num planeta à parte, e nosso problema se resume à
política de preços da Petrobras. Depois de semanas segurando aumentos, a
estatal enfim reajustou os preços nesta semana, mesmo assim aquém do patamar do
mercado internacional.
Não importa. Do governista Arthur Lira ao oposicionista Luiz Inácio Lula da Silva, passando pelo presidente Jair Bolsonaro, todos os matizes do espectro ideológico parecem encarar a empresa como responsável pelos aumentos, apenas porque ela pratica os preços de mercado. É como se o histórico desastrado de intervenções e desabastecimento nada tivesse ensinado ao país.
Só por evitarem demagogias à custa do caixa
e do acionista da Petrobras, os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Bento
Albuquerque, de Minas e Energia, são dignos de reconhecimento. A aprovação
emergencial no Congresso de dois projetos de lei que, segundo o governo,
permitirão reduzir o preço nas bombas e aliviar o impacto da alta do petróleo
na inflação (ontem o IPCA bateu novo recorde) é uma resposta que revela algum
grau de amadurecimento diante do problema.
Há uma constatação óbvia, frequentemente
esquecida, quando se fala no assunto: no Brasil, por mais que também haja
subsídios e isenções a combustíveis fósseis, o governo na verdade é o principal
sócio da alta da gasolina, do diesel e do gás via maior arrecadação de
impostos. Nada mais razoável, portanto, que sacrificar parte desses impostos em
benefício do consumidor.
O primeiro projeto faz isso mudando as
regras do ICMS, principal tributo que afeta o preço nas bombas. O segundo usa um
artifício engenhoso — um fundo de estabilização com recursos de dividendos da
Petrobras, royalties, participações especiais e bônus arrecadados em leilões —
para compensar as distribuidoras e segurar os preços. Em especial, destina
vales diretamente àqueles cujo trabalho depende do uso dos combustíveis, como
taxistas, motoboys ou motoristas de aplicativos.
Mesmo que os projetos caminhem na direção
certa para mitigar o efeito da alta do petróleo na inflação, também precisam
ser vistos com reservas. Primeiro, porque qualquer mudança em impostos tem
impacto fiscal. Os principais afetados pelas regras do ICMS — governos
estaduais cuja arrecadação tem aliviado as contas públicas — já prometem levar
o tema aos tribunais. É incerto o impacto fiscal no futuro.
A segunda ressalva está nas regras do fundo
de estabilização, que não estão claras. O mundo dispõe de exemplos
bem-sucedidos de como esse mecanismo pode compensar a flutuação na cotação de
recursos naturais, caso dos fundos do cobre no Chile e do petróleo na Noruega.
Mas nenhum deles saiu no improviso. Quando o pré-sal foi descoberto, o Brasil
teve a oportunidade de elaborar um fundo consistente que hoje poderia aliviar o
impacto do choque do petróleo. Em vez disso, o governo preferiu mexer nos
preços da Petrobras. E continuamos atrás do prejuízo.
Empossado como presidente no Chile, Boric
sofrerá um choque de realidade
O Globo
A posse ontem do esquerdista Gabriel Boric
como presidente do Chile marcou o início de um novo capítulo na História do
país. Desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet, há três décadas, é a
primeira vez que um político não pertencente aos partidos tradicionais chega ao
Palácio de La Moneda. O desenrolar de seu governo será acompanhado por chilenos
e observadores de toda a região. O desafio é gigantesco. Durante a campanha,
ele prometeu mudanças radicais na economia e na área social, enquanto seu
opositor José Antonio Kast, de extrema direita, falava em ordem. Se quiser
fazer um governo de união nacional, Boric terá de promover transformações sem
esquecer de manter a ordem.
Ele dispõe de um capital político
sintonizado com seu tempo. Ex-líder estudantil de apenas 36 anos, parece
incorporar os anseios de um Chile jovem, preocupado com a desigualdade social,
sensível à pauta feminista e em busca do desenvolvimento ambientalmente
sustentável. A escolha de seu ministério, em que as mulheres são maioria, é
prova disso. Aparentemente, Boric está aberto ao diálogo e entende que seu
sucesso dependerá da capacidade de ouvir quem também é crítico a suas ideias.
Ficou em segundo lugar no primeiro turno. Acabou vencendo na reta final com o
apoio de uma parcela não desprezível de eleitores mais anti-Kast do que
pró-Boric.
No Congresso, o novo governo enfrentará
dificuldades. Não há apoio automático da maioria para nenhuma das suas
principais propostas. Pelo menos no começo, a gestão de políticas públicas será
penosa. A Aprovo Dignidade, coalizão formada por Frente Ampla, Partido
Comunista e outros partidos que o elegeram, não tem quadros preparados para
ocupar todas as posições. Como boa parte dos eleitores não se preocupa com
ideologia, mas com melhoria de serviços públicos, essa deficiência torna-se
preocupante.
Acima de tudo, o novo presidente terá de
gerenciar expectativas. As coalizões que dominaram a política chilena —
Concertação, de centro-esquerda, e Aliança pelo Chile, de centro-direita — não
chegaram ao segundo turno nas eleições do ano passado, reflexo da profunda
crise de representatividade da classe política. Essa insatisfação já se tornara
explícita com os protestos de rua a partir de 2019. Boric simboliza a esperança
de um novo início. Sua meta é reformar o país para elevar o bem-estar e
combater a desigualdade. Só atingirá seus objetivos se atrair investimentos
para manter o crescimento econômico.
Foi um bom começo a escolha de Mario
Marcel, que ocupou a presidência do banco central por cinco anos, para a pasta
da Fazenda. Mas temores entre empresários e investidores persistem. A
Assembleia Constituinte, dominada pela esquerda radical e independentes,
discute, entre outras maluquices, a nacionalização do setor de mineração. O
caminho à frente de Boric não será fácil. O Brasil e o resto da América Latina
deveriam acompanhá-lo com atenção.
Choque na bomba
Folha de S. Paulo
Encarecimento dos combustíveis não pode ser
enfrentado com controle de preços
Os
novos e expressivos reajustes de preços da Petrobras, que compensam apenas
parte da defasagem ante as cotações internacionais, deram impulso a medidas
compensatórias que já estavam em debate no Congresso e no Executivo.
Os aumentos de 25% para o óleo diesel, 16%
para a gasolina e 9% para o GLP são corretos e necessários para preservar a
política da empresa e evitar artificialismos populistas —muito mais custosos
para a economia a longo prazo.
Como o mundo político já deveria ter
aprendido com os muitos erros do passado, o represamento de tarifas públicas
pode até agradar de imediato ao eleitorado, mas com o tempo provoca
desequilíbrios crescentes nas finanças públicas e nos mercados. A conta é
cobrada depois, com juros e correção.
Neste momento, petróleo e derivados
encarecem no mundo em razão da guerra na Ucrânia e das sanções impostas pelos
EUA à Rússia. Os preços sinalizam que é preciso consumir menos. Controlá-los
significaria um benefício indiscriminado aos consumidores à custa dos cofres da
Petrobras.
É inegável, de todo modo, que os reajustes
provocarão danos sociais e econômicos, concentrados, como de costume, na
população mais pobre. Haverá aumento da inflação, que precisará ser combatido
com juros do Banco Central. Mais juros levam a menos crédito, investimento e
emprego.
O risco em tal cenário, sobretudo em ano
eleitoral, é que se adotem medidas apressadas e enganosamente fáceis para
enfrentar o problema —como a imposição de preços artificialmente baixos.
Podem-se considerar, porém, medidas de
caráter temporário que tirem partido dos ganhos extraordinários de arrecadação
produzidos pela alta dos combustíveis.
No Congresso, avançaram dois projetos. O
primeiro, que
segue para sanção presidencial, abre espaço para redução de tributos sobre
os combustíveis, com renúncia fiscal estimada em R$ 19 bilhões para a União e
R$ 16 bilhões para os governos estaduais.
O outro texto, aprovado pelo Senado, traz
dispositivos temerários, como a possibilidade de interferência na Petrobras e a
criação de um fundo de estabilização de preços com recursos públicos.
Além dessas iniciativas, está em debate
algum benefício social temporário, provavelmente custeado por dividendos pagos
pela Petrobras ao Tesouro e por parte dos royalties do pré-sal. Em tal
hipótese, seria crucial assegurar que o subsídio tenha prazo limitado à duração
das excepcionalidades da guerra e foco na população carente.
O que não se pode permitir é que a crise
sirva de pretexto para uma nova rodada de gastos públicos e benesses
indiscriminadas, a prolongar o longo ciclo de quase estagnação da economia
brasileira.
Selvageria esportiva
Folha de S. Paulo
Acumulam-se casos graves de violência de
torcedores, estimulados pela impunidade
Episódios de violência envolvendo
torcedores de futebol, dentro ou fora das arenas esportivas, são uma antiga e
deplorável rotina no Brasil. Brigas organizadas pela internet, confrontos no
transporte público e agressões variadas se sucedem, não raro provocando mortes.
Foi o que aconteceu em Belo Horizonte no
último dia 6, um domingo em que as duas principais agremiações mineiras
disputaram uma partida pelo campeonato estadual.
Horas antes do jogo, cerca de 50 pessoas,
segundo a Polícia Militar, promoveram um espetáculo de selvageria no bairro Boa
Vista, na região leste da capital. Resultado da barbárie, um homem morreu após
ser alvejado por um disparo de arma de fogo. Tinha 25 anos e era pai de um
menino de 5.
Não foi o único enfrentamento deste ano,
que vai acumulando uma série preocupante de casos em diferentes localidades.
Desde 12 de fevereiro, quando um torcedor do Palmeiras morreu nas imediações do
Allianz Parque, em São Paulo, após a derrota de seu time na final do Mundial de
Clubes, contam-se pelo menos outros nove episódios.
Entre eles, ganhou justificado destaque um
ataque a bomba ao ônibus que conduzia jogadores do Bahia para uma partida no
estádio Fonte Nova, em Salvador.
Diante de tal realidade, cabe perguntar por
que dirigentes da área esportiva e autoridades da segurança pública não tomam
as medidas necessárias para encerrar ou pelo menos conter esses torneios de
estupidez agressiva.
Especialistas ouvidos por esta Folha, como o ex-secretário nacional
de Segurança Pública José Vicente da Silva, consideram que o problema
está diretamente
ligado à sensação de impunidade. É preciso penalizar os infratores.
O mais exasperante é que depois de
experiências bem-sucedidas na Europa, em especial no Reino Unido, o Brasil
conseguiu avançar na aprovação de leis voltadas para a violência no esporte.
Lamentavelmente, o Estatuto do Torcedor,
que prevê punições severas, não é aplicado. Essa é a diferença entre o que
acontece no Brasil e em países europeus.
Não é aceitável que esse estado de coisas
perdure. Nada justifica que os responsáveis pela organização do futebol e pelas
instituições públicas abordem o assunto de modo negligente, como se esse tipo
de truculência fosse parte de uma realidade imutável.
Combustível para a demagogia
O Estado de S. Paulo
A alta dos combustíveis dá pretexto para que populistas ignorem o histórico desastroso da intervenção em preços e se apresentem como defensores dos consumidores
O agravamento da crise dos combustíveis no
Brasil por causa da guerra da Ucrânia tem servido de pretexto para que
populistas exerçam sua especialidade, que é criar soluções simples, e erradas,
para problemas complexos. Contra a alta da gasolina, do gás de cozinha e do
diesel, políticos de diferentes credos ideológicos apresentam-se como
voluntariosos salvadores do povo, propondo e aprovando medidas que, além de
pouco eficazes ou completamente inúteis, podem se provar desastrosas.
O presidente Jair Bolsonaro, o mais
destacado desses demagogos, tem insistido obsessivamente em impor alguma forma
de controle desses preços, muito antes que o primeiro soldado russo pusesse os
pés na Ucrânia. A guerra é, portanto, apenas o pretexto mais recente para que –
a título de conter a inflação, que costuma tirar votos – se articule alguma
forma de controle de preços, tiro que quase sempre sai pela culatra.
Não é à toa que Bolsonaro tem como
associados dessa articulação os demonizados petistas – que, quando estiveram no
poder, seguraram o preço dos combustíveis para conter a inflação e reduzir os
danos eleitorais, causando estragos na Petrobras, em particular, e na economia,
em geral.
Não faltou nem a fingida indignação que tão
bem caracteriza o populismo. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foi
às redes sociais para declarar que o reajuste dos preços dos combustíveis
anunciado pela Petrobras “foi um tapa na cara de um país que luta para voltar a
crescer”. Ora, há tempos o referido “país que luta para crescer” vem sendo
estapeado pelo grupo político que está no poder, que sistematicamente atropela
a responsabilidade fiscal.
A questão dos combustíveis é séria.
Correções de 18% a 25% de uma só vez impõem ônus imediatos e severos sobre
donos de automóveis e caminhoneiros e sobre o orçamento das empresas de
transportes.
Há efeitos não tão imediatos, mas de
extensão maior. Aumento nos transportes resulta em outras correções de preços,
da matéria-prima da indústria ao feijão trazido do campo até a mesa do
consumidor. Assim, afeta também os orçamentos dos que não são consumidores
diretos de combustíveis, mas precisam consumir para se manter. Estes são, em
geral, os consumidores de renda menor e mais vulneráveis às altas de preços. Ademais,
variações tão expressivas nos combustíveis afetam a programação orçamentária
das empresas e podem prejudicar decisões essenciais. Será inevitável que o
aumento dos combustíveis impulsione a inflação, que já alcança 10,54% no
acumulado de 12 meses.
Logo, o problema é realmente sério em
muitos sentidos e precisa ser enfrentado, mas jamais com as comprovadamente
ineficazes e danosas tentativas de controle de preços nem com renúncia fiscal
num cenário já desafiador para as contas públicas.
A alta dos combustíveis agora anunciada,
das mais expressivas em muitos anos, é apenas parcialmente justificada pela
guerra da Ucrânia, pois os preços estavam parados havia quase dois meses, desde
bem antes, portanto, do início do conflito. Não estão claras as razões para
represamento de preços por período tão longo, e não se pode condenar quem veja
nisso o resultado das pressões do presidente Bolsonaro sobre a Petrobras.
Medidas como as aprovadas ou em tramitação
no Congresso, como a mudança da regra de cobrança do ICMS sobre combustíveis, a
criação de um fundo de amortecimento das oscilações de preços ou ainda a
instituição de uma espécie de auxílio-gasolina, terão impacto pouco
significativo sobre o preço final dos combustíveis, mas poderão gerar desastres
fiscais e sofrer contestação judicial. São bilhões de reais que não chegarão
aos cofres públicos ou que deles serão retirados como subsídio, sem que haja
compensação suficiente do lado das despesas. O problema não será apenas do
Tesouro Nacional. Estados e municípios serão também prejudicados.
Controlar preços sempre foi a tentação dos
populistas. Isso nunca funcionou. Mas a turma em Brasília, sobretudo em ano
eleitoral, não costuma se preocupar muito com as consequências do que faz.
Visão privada, miopia pública
O Estado de S. Paulo.
Na questão da mobilidade, companhias
privadas e lideranças empresariais têm olhos voltados para o futuro, mas a ação
pública mantém vícios do passado
Há um notório descompasso entre o papel
cada vez menos relevante da indústria de transformação na economia brasileira e
a evolução da mentalidade de parte de empresários e executivos do setor. Há
dirigentes industriais, inclusive em associações empresariais, como a Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), preocupados com as
transformações por que passa o mundo, exigindo soluções que, ao mesmo tempo,
assegurem o progresso dos negócios e sejam, sobretudo, condizentes com as novas
exigências ambientais e sociais.
A ampliação desse descompasso, como vêm
comprovando as estatísticas da produção industrial, que definha há muitos anos,
e a modernidade de número crescente de gestores do setor privado, porém,
parecem sugerir que o Brasil está perdendo a corrida para reconquistar alguma
relevância no mercado mundial de bens industriais, no qual só tem peso em
segmentos muito restritos. A aparência pode, felizmente, ser falsa.
Visões pertinentes sobre as necessidades
presentes e, especialmente, futuras, disposição de atender às novas e mutantes
demandas e preocupação com inovação e tecnologia fundamentam programas de
investimentos de empresas do segmento de transportes. São essas as marcas que
perpassam os planos de dirigentes ouvidos pelo Estadão para o caderno especial
Estadão Mobilidade Insights, que circulou com a edição de 9 de março. Lá estão
caminhos para a sustentação e o crescimento da produção, em ambiente com muitos
e novos desafios, mas que podem e estão sendo trilhados. É assim caminhando que
a indústria pode recuperar seu papel transformador na estrutura produtiva do País.
A ambientalmente inevitável transformação
dos padrões de consumo de energia, com o objetivo vital de reduzir a emissão de
carbono, está no centro das preocupações de empresários e executivos ouvidos
pelo jornal. Eletrificação, por exemplo, é uma meta praticamente universal. Há
quem vá adiante, ao dizer que a eletrificação é um caminho, mas não o único,
para algo mais abrangente, que é a descarbonização, a redução dos lançamentos
de gás carbônico na atmosfera para conter o efeito estufa. Isso implica outras
mudanças no padrão energético mundial, para a substituição, no menor prazo
possível, da utilização de combustíveis fósseis, por exemplo. Biogás e gás
natural somam-se à eletricidade para acelerar e estimular as transformações.
Há avanços nessa direção. A filial
brasileira da sueca Volvo, por exemplo, é a segunda unidade desse grupo
industrial em todo o mundo a ter toda sua linha de produtos eletrificada.
Estudos da associação representativa do setor, a Anfavea, mostram que carros
elétricos poderão ser produzidos localmente, fortalecendo a estrutura
industrial do País.
Aos desafios de prazo mais longo, somam-se
outros típicos do mercado brasileiro – como a idade excessiva da frota, que
agrava sua ineficiência, e a incapacidade do produto brasileiro de alcançar
mercados mais exigentes – e os trazidos por eventos recentes de alcance
planetário. A pandemia e a invasão da Ucrânia pela Rússia afetaram vários
segmentos da economia mundial e a extensão e a duração de seu impacto global
ainda não podem ser aferidas com precisão.
Devem ser acrescentados a esses outros
problemas que prejudicam a mobilidade de mercadorias e pessoas. São
dificuldades estruturais que o Brasil enfrenta há muitas décadas e que vêm
sendo mitigadas, quando o são, com muita lentidão. A persistente precariedade
da malha rodoviária num país em que o modal rodoviário responde por mais de 60%
de toda a carga movimentada é uma das mais óbvias. A ineficiência das operações
portuárias é outra. O desprezo histórico por modais economicamente mais adequados,
como as ferrovias e as hidrovias, piora o quadro. Tudo isso depende de ação
pública, não de investimentos diretos, mas de programas e regras adequadas que
abram espaço para a gestão privada desses setores. Também aqui há descompasso,
entre objetivos reais e concretos da iniciativa privada e a lentidão das ações
do poder público.
Propaganda ilegal e imoral
O Estado de S. Paulo.
Bolsonaro não inventou o uso do Estado para fins pessoais, mas inventou ser o estadista que acabaria com a desfaçatez
O presidente Jair Bolsonaro nunca escondeu
que vê os assuntos de Estado, de governo e os seus interesses particulares como
uma coisa só. Em sua visão deturpada da democracia e do exercício do poder,
Bolsonaro se sente legitimado a pensar e agir dessa forma pelos mais de 57
milhões de votos que recebeu em 2018. Neste ano eleitoral, a mixórdia chega ao
paroxismo.
O presidente da República mobilizou a
Advocacia-geral da União (AGU) para recorrer de uma decisão judicial que
simplesmente o obrigou a respeitar a Constituição, como ele jurou fazer ao
tomar posse. Por determinação da 3.ª Vara da Justiça Federal do Distrito
Federal (DF), o governo foi proibido de promover autoridades federais
associando seu nome e sua imagem a políticas e obras públicas, em campanhas que
deveriam servir como informação à sociedade.
A Constituição dispõe que “a publicidade
dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter
caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo
constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de
autoridades ou servidores públicos” (art. 37, § 1o). Qualquer brasileiro
alfabetizado é capaz de compreender essa vedação.
O governo, no entanto, alega que a decisão
da Justiça Federal do DF “limita” a divulgação de políticas públicas e ações
federais. O Palácio do Planalto fala em “ativismo judicial”. Estranho
“ativismo” esse que obriga o governo a tão somente cumprir um dispositivo
constitucional redigido em português cristalino.
Para os beneficiários de uma ação
governamental, não faz qualquer diferença se na peça de divulgação consta o
nome ou a imagem de determinada autoridade. É evidente que o interesse
primordial de Bolsonaro, alguns de seus ministros e outras autoridades que têm
pretensões eleitorais em 2022 é fazer propaganda pessoal à custa do aparato do
Estado. E isso é inadmissível.
A ação foi proposta em março do ano passado
pelo Ministério Público Federal do DF com base em “diversas publicações em
contas oficiais do governo em redes sociais, que traziam, como conteúdo
principal, informações e imagens que fomentavam a imagem pessoal do presidente
da República” ou de ministros. Em uma delas, divulgada pela Secom no mesmo dia
em que a juíza Kátia Balbino de Carvalho Ferreira proferiu sua decisão, o
ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, aparece em vídeo de três
minutos dizendo que “a água chegou ao sertão nordestino” e que isso só foi
possível porque “nós temos hoje na Presidência da República alguém que serve ao
povo brasileiro, e não se serve dele”. Com trilha sonora dramática tocando ao
fundo, Bolsonaro passa a criticar “o partido de esquerda”.
Bolsonaro não inventou a apropriação do Estado para fins pessoais. Lula da Silva, o chefão do “partido de esquerda” a que ele aludiu no vídeo, foi useiro e vezeiro da prática. Mas foi Bolsonaro quem vendeu aos incautos ser a encarnação do estadista que poria fim à desfaçatez. Foi só mais uma de suas mentiras.
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