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É cedo para dizer que não haverá segundo
turno
O Globo
A pesquisa Datafolha divulgada nesta semana
confirmou a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato do PT à
Presidência, com 48% das intenções de voto, seguido pelo presidente Jair
Bolsonaro, do PL (27%). O resultado deu a Lula 54% dos votos válidos e levou os
mais apressados a especular se a eleição estaria definida já no primeiro turno,
no dia 2 de outubro.
É, claro, um cenário possível. Mas longe de
ser provável, muito menos certo. Faltando mais de quatro meses para o pleito,
ainda antes do início oficial da campanha, é impossível fazer qualquer aposta
com base numa única pesquisa. Pesquisa não é previsão. Representa apenas um
retrato do momento em que ela é feita. Os dados e fatos disponíveis até aqui
sugerem justamente o contrário: o cenário mais provável é haver segundo turno
em 30 de outubro para definir o vencedor. E é melhor que seja assim.
Quando a disputa se afunila nos dois finalistas, os candidatos são forçados a expor mais suas ideias, e os eleitores têm chance de avaliá-las melhor. É na reta final da campanha que costumam ser seladas alianças que darão base à formação dos futuros governos. Elas tornam as plataformas dos candidatos mais representativas da maioria da população. Ainda que o voto no segundo turno possa ser sustentado pelo sentimento de barrar a vitória deste ou daquele candidato, ele traz inerentemente mais legitimidade aos planos que o vencedor apresenta ao país.
É incontestável que 2022 tem suas
peculiaridades. Desde a redemocratização, é a primeira disputa em que um dos
candidatos é um presidente com extenso histórico de agressões às instituições
democráticas, que ameaça não aceitar o resultado caso seja derrotado, insuflar
apoiadores a protestar ou, pior ainda, tentar dar um golpe. É por isso que
alguns cientistas políticos, como Steven Levitsky, da Universidade Harvard,
defendem que populistas da estirpe de Bolsonaro precisam ser derrotados logo no
primeiro turno, para não dar margem a choradeiras ou loucuras.
Mas esse é um raciocínio falho, por supor
necessariamente o pior cenário. E certamente favorece o candidato de oposição
mais bem colocado nas pesquisas: Lula. Petistas investem na vitória no primeiro
turno como se tentassem obter uma espécie de cheque em branco para implantar
sua agenda mais radical — e equivocada —, em particular nos temas econômicos.
Naturalmente, esse movimento desperta reações e faz reavivar o sentimento
antipetista, forte em setores da sociedade.
Ao mesmo tempo, a desistência do tucano
João Doria aos poucos aglutina uma candidatura de terceira via em torno da
emedebista Simone Tebet. A viabilidade eleitoral dela começará a ser testada
para valer só agora que as dúvidas se dissipam. É o momento em que muitos
eleitores que estão com Lula ou Bolsonaro por falta de opção poderão refletir e
escolher outra alternativa.
Para evitar deserções e liquidar a fatura
no primeiro turno, Lula precisa fazer acenos ao centro. Seu movimento tem de ir
além da mera indicação de um ex-tucano como vice. Até agora, porém, ele tem
sido ambivalente e preferido eletrizar sua base à esquerda. Bolsonaro também
tem mantido a estratégia de pregar para o público fiel. Só que ele, em
contrapartida, tem interesse na ascensão de Tebet para garantir que haja
segundo turno. O terreno ainda é movediço, e o jogo que parece consolidado pode
trazer surpresas.
Decisão do STF de manter Lei Seca é alento
contra insensatez no trânsito
O Globo
A decisão unânime do Supremo Tribunal Federal
(STF) de manter a Lei Seca e a punição para motoristas que se recusam a
soprar o bafômetro contribui enormemente para aumentar a
segurança nas estradas — ou, ao menos, para não deixar que ela se deteriore
ainda mais. A Lei Seca se mostrou bem-sucedida em desestimular a perigosa
combinação entre direção e álcool, fórmula propícia a tragédias. Não se poderia
jogar fora uma experiência que vem dando certo, apesar das resistências de
alguns condutores.
Um dos argumentos de quem é contra a
obrigatoriedade do bafômetro é que o cidadão não pode produzir provas contra si
mesmo. Os ministros do Supremo entenderam, porém, que as punições previstas na
lei de trânsito são apenas administrativas, e não penais. Portanto, para quem
se recusar a fazer o teste, ficam mantidas a multa de R$ 2.934,70, a suspensão
do direito de dirigir e a apreensão do veículo.
Os ministros fizeram bem em manter a
tolerância zero com motoristas que bebem. O presidente do STF, Luiz Fux,
afirmou que “não existem quantidades objetivamente seguras para o consumo do
álcool”. É acertada também a decisão de manter a proibição da venda de bebidas
alcoólicas nas estradas federais— apenas o ministro Nunes Marques votou contra.
Obviamente, a restrição não impede que o motorista leve bebida de casa ou que
procure bares nas imediações das rodovias, mas pelo menos desestimula o
consumo.
A embriaguez ao volante ainda é problema
sério não só nas estradas federais e estaduais, mas também nas vias municipais.
Cerca de 40% dos acidentes estão relacionados à bebida alcoólica, segundo o
Instituto de Segurança no Trânsito. Apesar das restrições, há motoristas que
insistem na prática criminosa. No domingo, um deles, segundo a polícia
embriagado e sem habilitação, atropelou cinco crianças que atravessavam na
faixa de pedestres em Ceilândia, Distrito Federal. Ao menos três continuavam
ontem na UTI.
Esse tipo de aberração não será reprimido
sem o rigor da lei, feita para reduzir os índices absurdos de mortes nas
estradas. A Lei Seca presta um serviço inestimável à sociedade. Foi graças a
essas operações que o Rio conseguiu estancar as mortes de jovens após as
baladas do fim de semana. As ruas da cidade guardam as marcas desse tempo:
estão cheias de pequenos santuários em memória das vítimas. A mudança de
comportamento é visível.
A decisão do Supremo terá repercussão geral
e será adotada nos demais tribunais. Claro que a Lei Seca por si só não resolve
o problema da embriaguez ao dirigir. Mas ajuda, principalmente num momento em
que o presidente Jair Bolsonaro tenta flexibilizar o Código de Trânsito e
retirar radares das estradas. Quis até acabar com a obrigatoriedade de
cadeirinhas infantis, medida estapafúrdia anunciada na posse. Quem pode ser
contra maior segurança no trânsito? O atropelamento de crianças no Distrito
Federal mostra de forma dolorosa que não está na hora de afrouxar regras,
tampouco de aliviar punição a motoristas que põem em risco a própria vida e a
dos outros.
Embate federativo
Folha de S. Paulo
No afã de baixar preços, governo e Câmara
agravam conflito com estados e cidades
Em ano eleitoral, cresce a pressão política
por soluções casuísticas para problemas reais da população. A mais nova
investida é a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de um projeto
de lei complementar destinado a tributação estadual sobre
combustíveis, energia elétrica, gás natural, comunicações e transporte
coletivo.
A peça, que vai ao Senado, elenca tais
itens como essenciais, o que resultará na redução da alíquota do ICMS, conforme
jurisprudência já estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal. Em vez da
incidência atual, que pode superar 30% do preço em vários estados, a taxa
passaria a 17%, reduzindo preços aos consumidores.
Segundo estimativas do Comsefaz, que reúne
secretários estaduais da Fazenda, a queda anual de receita ficaria entre R$
64,2 bilhões e R$ 83,5 bilhões. O impacto no litro da gasolina seria próximo a
R$ 0,70 em média, mas dependerá da alíquota atual em cada estado.
Como sempre ocorre, a forte oposição dos
governadores ameaça jogar parte da conta para o governo federal, que terá de
compensar neste ano as perdas que superarem 5% da arrecadação.
Para ampliar a controvérsia, o presidente
Jair Bolsonaro (PL) sinaliza que pode vetar o impacto para a União, por
considerar que estaria sobrando dinheiro nos cofres dos demais entes
federativos.
É inegável que a tributação sobre bens e
serviços em geral é excessiva no país. Os setores ora atingidos são de fácil
cobrança e podem representar mais de metade da coleta de impostos dos estados.
Não é surpresa, assim, que governadores se ancorem nesses poucos produtos e
resistam a qualquer tentativa de corte das alíquotas.
Entretanto o problema não pode ser
resolvido com medidas apressadas que exacerbam o já agudo conflito federativo.
Como de costume no governo Bolsonaro, e também por causa da liderança afoita
que não raro resulta em legislação de má qualidade na Câmara, a opção é pelo improviso.
Um debate abalizado sobre os limites da
autonomia tributária estadual, de um lado, e das responsabilidades da União, de
outro, é fundamental —e se torna mais urgente no contexto atual, em que deixou
de existir disciplina de análise e prudência na ação.
Tamanho embate entre União, estados e
municípios, que não aceitarão a redução de sua cota de repasses do ICMS, é
desproporcional ao impacto nos preços, que pode ser diluído rapidamente —em
especial no caso dos combustíveis, que seguem cotações internacionais.
A aflição da população não pode ser
desconsiderada, mas as soluções passam por boa gestão econômica e entendimento
político, que não foram vistos no episódio.
Truculência e inépcia
Folha de S. Paulo
Morte por asfixia expõe despreparo de
polícia que ganhou impulso com Bolsonaro
Os agentes que detonaram uma bomba de gás
lacrimogêneo dentro de uma viatura e mataram Genivaldo de Jesus Santos por
asfixia sabiam o que queriam quando o jogaram no porta-malas do veículo.
Imagens produzidas por testemunhas que
filmaram a cena com seus celulares mostram que o homem se agitava enquanto
ficava sufocado com a fumaça e os policiais o forçavam a recolher as pernas.
É possível ouvir os gritos da vítima com
nitidez em um dos vídeos, que registra sua agonia até o momento em que o corpo
inerte deixou de opor resistência e os agentes fecharam a porta traseira.
Santos,
38, morreu na última quarta (25) em Umbaúba (SE), a 100 quilômetros de
Aracaju, após ser parado pela Polícia Rodoviária Federal por dirigir uma
motocicleta sem o capacete obrigatório.
Três agentes participaram da brutalidade, e
caberá agora à Polícia Federal apurar responsabilidades. Não faltam testemunhas
do episódio, e há fartas evidências para confrontar as canhestras explicações
oferecidas pelas autoridades nas primeiras horas.
Os policiais disseram que o uso da força e
o gás lacrimogêneo foram necessários para conter Santos após a abordagem. As
imagens mostram que ele foi revistado sem reagir. Antes de ser jogado na
viatura, foi imobilizado no chão e teve mãos e pés amarrados.
Os agentes afirmaram que o homem sofreu um
possível mal súbito quando era conduzido à delegacia e por isso o levaram ao
hospital. Médicos que receberam Santos disseram que ele chegou morto. O laudo
oficial apontou asfixia mecânica como causa da morte.
Chocante, o amadorismo dos policiais
envolvidos na ação torna-se alarmante quando se constata que sua corporação
ganhou impulso significativo após a chegada de Jair Bolsonaro (PL) ao poder.
Criada com a missão de patrulhar as
rodovias federais, ela passou a fazer barulho com apreensões de drogas e
produtos contrabandeados e teve suas atribuições ampliadas, recebendo recursos
para participar de operações ostensivas e investigações ao lado de outras
forças de segurança.
A mais recente dessas ações ocorreu na
terça (24), quando membros do batalhão de elite da Polícia Militar do Rio e
agentes da PRF foram a uma comunidade da cidade, a Vila Cruzeiro, supostamente
à procura de traficantes, e 23
pessoas morreram. O despreparo profissional anda junto com a truculência.
Selvageria institucional
O Estado de S. Paulo
Pior do que a transformação de uma viatura em câmara de gás é a tentativa da polícia de justificar essa atrocidade
“A escravidão permanecerá por muito tempo
como a característica nacional do Brasil”, disse Joaquim Nabuco. Parafraseando-o,
pode-se dizer que os porões da ditadura permanecerão por muito tempo como um
traço persistente de parte do aparato de segurança do Estado brasileiro. Muito
além da selvageria de três policiais, gravada em chocantes imagens que rodaram
o mundo, o assassinato de Genivaldo de Jesus Santos em uma câmara de gás
improvisada em uma viatura da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Sergipe expõe
a conivência de estruturas de poder, até o seu topo, com o desprezo pela lei e
pela humanidade.
Já imobilizado – depois de, segundo os
policiais, ter reagido agressivamente à abordagem –, Santos, que estava
desarmado, foi jogado na parte de trás da viatura e asfixiado com gás
lacrimogêneo.
O episódio em si já é suficientemente
revoltante, mas a reação da PRF conseguiu ser ainda pior. Em lugar de
reconhecer a barbárie registrada em incontestáveis imagens e de pedir desculpas
à família da vítima e ao País, a autoridade policial entendeu que era o caso de
justificar a ação de seus agentes. Num misto de crueldade e escárnio, a PRF
declarou, em nota oficial, que “foram empregadas técnicas de imobilização e
instrumentos de menor potencial ofensivo”.
A menos que o superintendente da PRF aponte
em que seção dos manuais da corporação constam essas “técnicas” desumanas, ele
deve ser imediatamente afastado. Os policiais “transformaram um instrumento de
contenção em área aberta (gás
lacrimogêneo) em uma prática que pode ser classificada como
tortura, porque (Santos)
já estava contido”, disse ao Estadão Renato
Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nem era preciso a
opinião de um especialista. As imagens falam por si.
Santos não oferecia nenhum risco real aos
policiais. Ademais, sofria de transtorno mental e tentou dizer isso aos
policiais, mas foi ignorado. No entanto, mesmo que fosse um perigoso criminoso
a ameaçar a integridade dos agentes, Santos não poderia ter sido tratado
daquela maneira. O Estado não pode simplesmente assassinar suspeitos desarmados
e rendidos; sua tarefa é prendê-los e levá-los a julgamento. É isso o que diz a
lei.
Essa mesma lei havia sido ignorada no dia
anterior, quando uma operação policial na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro,
deixou 25 mortos – nenhum deles da polícia. Mesmo que todos fossem bandidos – o
que, já se sabe, não era o caso –, o morticínio já seria, por si só, evidência
de que a operação foi malsucedida.
Mas esse caso do Rio, como o de Sergipe,
confirma que o valor da vida caiu drasticamente com o triunfo da necropolítica
bolsonarista. O presidente Jair Bolsonaro tratou logo de congratular os
“guerreiros” da polícia por sua ação na Vila Cruzeiro. Das 197 palavras de sua
mensagem radiante no Twitter, dedicou apenas quatro à família da mulher morta
por um tiro de fuzil dentro de casa. Como não há imagens dessa ação, será a
palavra da corporação policial contra a dos poucos cidadãos comuns que ousarem
questionar os procedimentos da polícia.
Ou seja, não fosse pelas imagens
registradas pela população local, o assassinato de Genivaldo de Jesus Santos já
teria se dissolvido nas estatísticas como mais uma morte em “confronto”. Não é
à toa que bolsonaristas defendem o fim das câmeras nos uniformes policiais,
como as adotadas em São Paulo, pois esse equipamento obriga a polícia a agir
dentro da lei. Sem elas, os cidadãos ficam à mercê do arbítrio de policiais nem
sempre comprometidos com padrões mínimos de civilidade.
“Existem dois currículos nas forças de
segurança”, disse à Rádio
Eldorado Adilson Paes de Souza, tenente-coronel aposentado da
PM de São Paulo. “Um, oficial, escrito pelas normas (...) que tutelam os
direitos humanos, as garantias constitucionais e a preservação da vida. E
existe um outro ‘currículo oculto’ e cultural, que é o que existe no dia a dia,
que ensina aos alunos a promover a segurança pública dentro de uma lógica de
eliminação do inimigo.” É preciso impedir, de uma vez por todas, que esse
estímulo à barbárie, exatamente como nos piores momentos da ditadura militar,
continue a animar o guarda da esquina.
A guerra domina Davos
O Estado de S. Paulo
A tragédia humanitária e os efeitos internacionais da invasão da Ucrânia pela Rússia dominaram os debates em que a atuação brasileira foi marginal
Sem aparecer, Vladimir Putin, senhor das
armas, pautou e dominou a reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos. A guerra
foi o grande tema da semana. Políticos e especialistas discutiram a devastação
da Ucrânia, as novas ameaças à segurança internacional e seus efeitos
econômicos para dezenas de países. Uma guerra havia entrado na pauta em janeiro
de 2003, quando o secretário de Estado americano, Colin Powell, tentou explicar
e justificar o próximo grande lance de seu governo, a invasão do Iraque.
Naquela ocasião, o Fórum já se havia consagrado como templo da globalização e
da integração, com pouco espaço para discussão sobre armas. O autocrata russo
conseguiu unir os dois temas, o militar e o econômico, na programação de Davos.
A semana foi aberta com a participação
virtual do presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski. Ele agradeceu a ajuda
internacional e reafirmou a disposição de continuar, com os meios fornecidos
por outros países, combatendo as tropas invasoras. Foi como se o líder
ucraniano estivesse dando o tom a uma orquestra. A sequência foi uma série de
pronunciamentos sobre as necessidades impostas pelo conflito.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula
von der Leyen, acusou o governo russo de usar a fome e o controle de cereais
como armas de guerra. Pediu cooperação global contra a “chantagem da Rússia” e
defendeu maior investimento militar na Europa. Propôs também maior empenho na
transição para um padrão energético menos dependente de petróleo e gás e,
portanto, da importação de insumos de origem russa. União contra as novas
ameaças foi também a bandeira levantada pelo primeiro-ministro da Espanha,
Pedro Sánchez, e pelo secretário-geral do Tratado da Organização do Atlântico
Norte (Otan), Jens Stoltenberg.
O primeiro grande apelo a favor da ordem global
veio da equipe do Fundo Monetário Internacional (FMI), liderado pela
diretora-gerente da entidade, Kristalina Georgieva. Somada à pandemia da
covid-19, a invasão da Ucrânia combinou duas crises, “devastando vidas,
derrubando o crescimento econômico e aumentando a inflação”, alertou um
documento divulgado pouco antes de começar a reunião. A guerra agravou
problemas já presentes nos mercados e ampliou o risco de uma “fragmentação
geoeconômica”, segundo o texto apresentado pelo Fundo.
O alerta do FMI constituiu, talvez, a mais
articulada expressão das preocupações levadas ao Fórum por líderes nacionais,
economistas, empresários e representantes de organizações multilaterais. É
preciso evitar o desmonte das cadeias internacionais de suprimentos, evitar novos
entraves aos fluxos de mercadorias, de serviços e de capitais e conter as
tendências, já observadas em vários países, de ampliação de barreiras a
exportações e importações. Desde o começo da guerra na Ucrânia, informou o FMI,
cerca de 30 governos limitaram o comércio de alimentos, energia e de outros
itens básicos. Tudo isso agrava, seria fácil acrescentar, as tendências já
observadas de redução do crescimento econômico.
Do lado oficial, a contribuição brasileira
ao debate foi praticamente nula, como tem sido desde 2019, início do mandato do
atual presidente. Convidado naquele ano para uma apresentação especial, o
presidente Jair Bolsonaro foi incapaz de preencher dez minutos com uma
exposição sobre planos de governo, embora dispusesse de meia hora.
A administração federal foi representada no
Fórum, neste ano, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Como em outras
ocasiões, o ministro pouco se envolveu nos debates mais importantes,
limitando-se às bravatas habituais sobre o estado e as perspectivas da economia
brasileira.
Como Putin, Bolsonaro faltou à reunião, mas
foi muito menos lembrado que o autocrata russo. Sem representação de Moscou,
também sumiu do centro de Davos a Casa da Rússia, tradicionalmente montada
durante as sessões do Fórum. Como substituição, um empresário ucraniano
instalou uma exposição dos crimes de guerra atribuídos aos invasores. Com a
ausência de Putin, também a paisagem da cidade foi afetada.
O desafio da formação médica
O Estado de S. Paulo
Incapaz de definir política nacional, MEC autoriza acréscimo de cem vagas por curso e, uma semana depois, volta atrás
Não é de hoje que a formação de médicos
está no centro de uma disputa. De um lado, entidades como o Conselho Federal de
Medicina (CFM) denunciam a falta de qualidade de grande parte dos cursos de
graduação em funcionamento no País. Com razão, lembram que o exercício da
medicina lida diretamente com a vida de seres humanos − e que todo
recém-formado, com diploma na mão, já pode solicitar registro profissional e
atuar. De outro, instituições de ensino superior, notadamente no setor privado,
tendo à frente a Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior
(ABMES), demandam a criação de novos cursos e a expansão de vagas. Um dos
argumentos é que faltam médicos no Brasil.
Eis um debate que se arrasta faz tempo.
Entra ano e sai ano, repetem-se justificativas e estatísticas de ambos os
lados, sem que se chegue a um consenso mínimo capaz de dar rumo e transparência
a uma política pública que é literalmente vital para a população. Afinal, o que
está em jogo é a formação de quem vai cuidar da saúde de todos os habitantes do
País.
Na semana passada, o Estadão revelou mais um
capítulo dessa contenda: portaria do Ministério da Educação (MEC), publicada em
16 de maio, permitiu o acréscimo de 100 vagas ao total originalmente previsto
em cada curso criado por ocasião do Programa Mais Médicos. Sem maiores
explicações, como é de praxe no governo Bolsonaro, o novo ato alterou portaria
anterior, de 2018.
Em nota, o Conselho Federal de Medicina
destacou que a portaria poderia resultar na criação de até 37 mil novas vagas em
cursos já existentes, milhares delas em municípios sem o número exigido de
leitos hospitalares e de equipes do Programa Saúde da Família por estudante. O
CFM defendeu a revogação imediata da portaria. A Associação Médica Brasileira
(AMB), por sua vez, argumentou que o problema não é de falta de profissionais,
mas de má distribuição. Representantes de donos de universidades discordaram,
afirmando que a maior oferta de vagas contribuiria para combater o problema.
Em 2018, o então presidente Michel Temer anunciou
a suspensão da abertura de cursos de medicina por cinco anos, sob o argumento
de que a expansão nos anos anteriores teria sido suficiente. O foco, portanto,
passaria a ser a qualificação dos cursos já existentes. Na época, assim como
agora, as mesmas vozes falaram a favor e contra.
Ao Estadão, o pesquisador e docente Mario Scheffer, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), criticou a portaria do MEC. E classificou a suspensão anunciada por Temer como uma “moratória de araque”: “Do início do governo Bolsonaro até agora, o MEC liberou 37 novos cursos de medicina”, disse Scheffer. Diante da reação das entidades médicas, o ministério recuou da autorização para 100 vagas adicionais por curso, e uma nova portaria, publicada em 23 de maio, anulou a anterior. Enquanto isso, a formação de médicos no País segue à espera de uma solução capaz de garantir a qualidade e a transparência que o tema requer.
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