sábado, 28 de maio de 2022

Demétrio Magnoli: Poluição verde

Folha de S. Paulo

Veto alemão à mais limpa das fontes tradicionais prende a UE numa camisa de força

"A mais recente estratégia da Comissão Europeia entrega com uma mão o que tira com a outra", reclamou Eilidh Robb, da organização ambientalista Friends of the Earth, criticando os planos de construção ou expansão de mais de meia centena de usinas baseadas em combustíveis fósseis. O erro clamoroso da nova estratégia de transição energética da União Europeia (UE) encontra-se na ausência de qualquer referência à fonte nuclear. A responsabilidade é dos ambientalistas.

Antes da invasão russa da Ucrânia, o chamado Green Deal europeu previa uma longa evolução para energias renováveis amparada no uso transitório de gás natural russo. Todo o conceito repousava sobre políticas definidas pela Alemanha.

De 713 Mt (milhões de toneladas) de CO2 em 2011, a Alemanha passou a emitir 625 Mt em 2019, às custas de multibilionários investimentos em fontes renováveis. Já a França reduziu suas emissões de 321 Mt para 287 Mt. A diminuição foi praticamente a mesma, em termos relativos, nos dois países –mas a França emite 4,25 Mt por milhão de habitantes, contra 7,50 Mt da Alemanha. A diferença abismal deve-se ao papel da energia nuclear: na França, a fonte supre 42% do consumo energético, enquanto na Alemanha supre apenas 6%.

O acidente de Fukushima, em 2011, foi o beijo de morte no programa nuclear alemão, que já se encontrava em declínio. A decisão de desligar as usinas nucleares derivou da força política do Partido Verde. Resultado: a intensificação da dependência do gás russo, obtido por meio de gasodutos que cortam a Belarus, a Polônia e o Mar Báltico. De lá para cá, as importações de gás russo saltaram de cerca de 35% do total para quase 50%.

O imperativo geopolítico de escapar à "armadilha russa" força a Alemanha a uma brusca mudança de rumo. Mas o dogma antinuclear não arrefeceu, ainda mais com o retorno dos Verdes à coalizão governista. O veto alemão à mais limpa das fontes tradicionais prende a UE numa camisa de força, impondo a expansão do uso de centrais térmicas que queimam combustíveis fósseis, inclusive carvão.

Usinas a carvão emitem, em média, 802 toneladas de CO2 por GW/hora de eletricidade gerada, contra 720 em usinas a óleo e 490 nas movidas a gás. As nucleares provocam emissões indiretas de 3 toneladas, menos que as eólicas e solares (4 ou 5), as hídricas (34) e as de biomassa (78). O movimento ecologista rediscutia a opção nuclear antes de Fukushima, mas o acidente causado pela combinação de um tsunami com um erro crasso de projeto propiciou o triunfo dos ideólogos intransigentes.

A poluição produzida pela queima de carvão mata, globalmente, meio milhão de pessoas por ano. Os acidentes nucleares de Three Mile Island (1979) e de Fukushima não provocaram mortes. O de Chernobyl (1986) matou 31 e, talvez, vários milhares, de câncer, ao longo do tempo, algo comparável aos mortos por emissões poluentes de carvão num só dia.

Nunca, desde a central pioneira, de 1962, a França registrou um único acidente nuclear. Os rejeitos nucleares acumulados em 60 anos nos EUA caberiam num grande hipermercado. A campanha contra a fonte mais limpa extrai sua persuasão de fatores psicossociais: a memória de Hiroshima e a deliberada confusão entre usinas termonucleares e armas de destruição em massa.

A Rússia fornece 40% do gás e 27% do petróleo importados pela UE, o que lhe rende 40 bilhões de euros por ano e assegura os meios para a guerra de agressão na Ucrânia. O plano europeu para cortar as importações de combustíveis da Rússia, que consumirá 210 bilhões de euros em cinco anos, tem dois sólidos pilares: investimentos em eficiência energética e em fontes renováveis. O terceiro pilar, o aumento da geração em térmicas convencionais, representa um passo atrás no Green Deal. Dito de outro modo, é o imposto cobrado pela obsessão ideológica dos verdes contra a energia nuclear.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Demétrio é sempre polêmico,ou polemista,sei lá.