Presidente usa novamente inquérito da PF sem conclusão para desacreditar sistema eleitoral brasileiro
Cézar Feitoza, Mariana Holanda, Matheus Teixeira / Folha de S. Paulo
BRASÍLIA
- O presidente Jair Bolsonaro (PL) fez uma apresentação nesta
segunda-feira (18) a dezenas de embaixadores estrangeiros no Palácio da
Alvorada para repetir teorias da conspiração sobre urnas eletrônicas,
desacreditar o sistema eleitoral, promover novas ameaças golpistas e atacar
ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
O
chefe do Executivo concentrou suas críticas nos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.
Fachin
é o atual presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Barroso presidiu a corte
eleitoral, e Moraes deve comandar o tribunal durante as eleições.
O
mandatário acusou o grupo de querer trazer instabilidade ao país, por desconsiderar as sugestões das Forças Armadas para
modificações no sistema, a menos de três meses da disputa.
"Por
que um grupo de três pessoas apenas quer trazer instabilidade para o nosso
país, não aceita nada das sugestões das Forças Armadas, que foram
convidadas?", disse.
Em
mais de um momento, Bolsonaro tentou desacreditar os ministros, relacionando
especialmente Fachin e Barroso ao PT e ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O petista lidera as pesquisas de intenção de voto,
a menos de 80 dias do pleito. Bolsonaro está em segundo lugar, com 19 pontos de
diferença, segundo o Datafolha.
Inicialmente,
o evento estava fora da agenda, apesar de o próprio presidente já ter falado
dele publicamente em mais de uma ocasião. Entrou à noite na agenda pública como
"Encontro com chefes de Missão Diplomática", sem a relação de quem
estava presente.
Apenas o chefe do Executivo falou. Ele levou aos representantes diplomáticos
críticas e ataques que já vem repetindo internamente desde o ano passado.
No
início do encontro, Bolsonaro disse que basearia a apresentação em um inquérito
da PF (Polícia Federal) sobre o suposto ataque hacker ao TSE durante as eleições de 2018.
Trata-se do mesmo inquérito divulgado pelo presidente em entrevista à rádio Jovem Pan, em 4 agosto de 2021, quando ele leu trechos da investigação da PF. Um outro inquérito foi aberto pelo STF para investigar o vazamento da apuração, com Bolsonaro e o deputado bolsonarista Filipe Barros (PL-PR) entre os alvos.
"Segundo
o TSE, os hackers ficaram por oito meses dentro do computador do TSE, com
código-fonte, senhas —muito à vontade dentro do TSE. E [a Polícia Federal] diz,
ao longo do inquérito, que eles poderiam alterar nome de candidatos, tirar voto
de um e mandar para o outro", disse Bolsonaro.
Na
fala aos embaixadores, Bolsonaro adotou um tom manso, como se buscasse dar um
verniz de seriedade a mais um punhado de ilações sem provas ou indícios ao
sistema eleitoral, no momento em que aparece distante do ex-presidente Lula nas pesquisas de intenção de voto.
No
Brasil, nunca houve registro de fraude nas urnas eletrônicas, em uso desde
1996.
Bolsonaro
também voltou a atacar os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin,
presidente do TSE, e Alexandre de Moraes, que assumirá o comando da corte
Eleitoral em 16 de agosto.
"O
senhor Barroso, também como o senhor Fachin, começaram a andar pelo mundo me
criticando, como se eu estivesse preparando um golpe por ocasião das eleições.
É o contrário o que está acontecendo."
O
presidente ainda sugeriu que os ministros atuariam no TSE para barrar medidas
de transparência. O objetivo, segundo Bolsonaro, seria eleger "o outro
lado".
"Eu
ando o Brasil todo, sou bem recebido em qualquer lugar. Ando no meio do povo. O
outro lado, não. Sequer come no restaurante do hotel, porque não tem aceitação.
Pessoas que devem favores a eles não querem um sistema eleitoral transparente.
Pregam o tempo todo que, após anunciar o resultado das eleições, os chefes de
Estado dos senhores devem reconhecer o resultado das eleições", disse.
Antes
de a apresentação do presidente começar, o telão passava imagens de motociatas
dele com seus apoiadores pelo país. O encontro durou cerca de 50 minutos.
Durante
o discurso, Bolsonaro fez novas insinuações golpistas e disse que o Brasil só
terá "paz" caso o TSE adote medidas para alterar o funcionamento das
urnas eletrônicas.
O
presidente também se utilizou das Forças Armadas, que sugeriram mudanças no
sistema eleitoral ao TSE, para se contrapor ao TSE.
"Nem
um sistema informatizado pode dar garantia de 100% de segurança. As Forças
Armadas, das quais sou comandante supremo: ninguém mais do que nós quer
estabilidade em nosso país."
O
chefe do Executivo comentou que os observadores internacionais que acompanham
as eleições não poderão analisar a integridade do sistema, porque não há voto
impresso.
A
respeito disso, o TSE já disse que organismos internacionais especializados em
observação, como OEA e IFES, já iniciaram análise técnica sobre a urna
eletrônica, com peritos em informática, acesso ao código-fonte e todos os
elementos necessários para avaliarem a transparência e integridade do sistema
eletrônico de votação.
Até
maio, estavam confirmadas as participações de missões de observação eleitoral
da OEA, do Parlamento do Mercosul (Parlasul) e da Rede Eleitoral da Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
As
declarações de Bolsonaro, em ataque ao sistema eleitoral e a ministros do TSE e
STF, foram transmitidas pela TV Brasil. Apesar de o encontro ter sido anunciado
como uma reunião, nenhum embaixador ou ministro do governo teve oportunidade de
discursar.
Estiveram
presentes os ministros Augusto Heleno (GSI), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral),
Ciro Nogueira (Casa Civil), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Célio Faria
(Secretaria de Governo) e Wagner Rosário (CGU).
Ex-ministro
da Defesa e provável vice de Bolsonaro na chapa que busca reeleição, Walter
Braga Netto também acompanhou a fala do chefe do Executivo. Tanto ele, quanto
Nogueira atuam na campanha do presidente.
Aos
embaixadores Bolsonaro voltou a reproduzir teorias contadas sobre o
funcionamento das urnas em 2018. Ele citou que muitas pessoas queriam votar no
17, mas as urnas indicavam voto no 13, número de seu adversário, Fernando
Haddad (PT).
A
história foi alimentada por vídeos que circularam nas redes sociais no dia da
eleição, um deles reproduzido pelo ex-deputado estadual Fernando Francischini
(União-PR), aliado de Bolsonaro que foi cassado pelo TSE no ano passado por ter
espalhado desinformação sobre as urnas eletrônicas.
O
TSE demonstrou que o problema apontado nos vídeos ocorreu por causa de um erro
cometido pelos eleitores que gravaram as imagens, e não por causa da urna. Eles
usaram o número de Bolsonaro para votar para governador, num estado em que o
partido de Bolsonaro não tinha candidato, antes de votar para presidente.
As
declarações de Bolsonaro sobre a não confiabilidade das urnas têm sido
contestadas pelo TSE desde o ano passado.
A
corte já disse que o inquérito a que o presidente se refere não concluiu que
houve fraude no sistema eleitoral em 2018 ou que poderia ter havido adulteração
dos resultados, ao contrário do que disse o mandatário.
De
acordo com nota do tribunal de agosto do ano passado, "o próprio TSE
encaminhou à Polícia Federal as informações necessárias à apuração dos fatos e
prestou as informações disponíveis. A investigação corre de forma sigilosa e
nunca se comunicou ao TSE qualquer elemento indicativo de fraude".
O
texto disse ainda que o episódio da invasão do hacker, que ocorreu em 2018, "foi
divulgado à época em veículos de comunicação diversos. Embora objeto de inquérito sigiloso, não se trata de informação nova".
O
TSE disse que o acesso dos hackers "não representou qualquer risco à
integridade das eleições de 2018", porque o código fonte dos programas
passa por sucessivas verificações e testes, identificando possíveis
manipulações. "Nada de anormal ocorreu", disse à época.
O
presidente repetiu ainda, nesta segunda, que apenas outros dois países no mundo
teriam sistema de urnas eletrônicas sem voto impresso, Bangladesh e Butão.
De
acordo com uma nota do TSE no ano passado, esses equipamentos são utilizados em
outros países, como em parte da França e dos Estados Unidos.
Bolsonaro
nunca apresentou provas ou indícios sobre as urnas, mas repete o discurso
golpista como uma forma de esconder os problemas de seu governo, a alta
reprovação e as recentes pesquisas.
Por
meio de uma profusão de mentiras, Bolsonaro vem
fomentando a descrença nas urnas. No entanto, ao invés de ser barrado por aqueles
ao seu redor, o mandatário tem contado com o respaldo de
militares, membros do alto escalão do governo e seu partido em
sua cruzada contra a Justiça Eleitoral.
As
Forças Armadas têm repetido o discurso de Bolsonaro. Em ofício recente,
solicitaram ao TSE todos os arquivos das eleições de 2014 e 2018,
justamente os anos que fazem parte da retórica de fraude do presidente.
Antes
de ser eleito em 2018, Bolsonaro já dizia que só não ganharia se houvesse
fraude.
O
discurso aparenta assim funcionar como um plano B para o caso de perder o
pleito. Também funcionou como uma tentativa de pressionar o Congresso pela
aprovação do voto impresso.
No
ano passado, veio a mais forte ameaça golpista ligada ao tema. Em conversa com
apoiadores, Bolsonaro disse que "a fraude está no TSE" e
ainda atacou o então presidente da corte eleitoral e ministro do STF, Luís
Roberto Barroso, a quem chamou de "idiota" e "imbecil".
"Não
tenho medo de eleições, entrego a faixa para quem ganhar, no voto auditável e
confiável. Dessa forma [atual], corremos o risco de não termos eleição no ano
que vem", disse.
A
fala ocorreu após uma sequência. No dia anterior, também ao falar com
apoiadores, o mandatário fez outra ameaça semelhante: "Ou fazemos
eleições limpas no Brasil ou não temos eleições".
Pesquisa Datafolha mostrou que, em meio à ofensiva feita por Bolsonaro, o percentual de eleitores que confiam nas urnas eletrônicas passou de 82%, em março, para 73%, em maio.
Um comentário:
''O outro lado não sai às ruas'' porque os bolsonaristas andam armados e são muito violentos,simples assim.
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