Valor Econômico
Como explicar que os neoliberais do governo
atual estão fazendo a gastança, e os progressistas heterodoxos, se a oposição
ganhar a eleição, terão de propor a austeridade para equilibrar as contas a
partir de janeiro?
Numa tarde quente deste inverno paulistano,
um amigo pediu ao colunista do Valor que
explicasse o Brasil a um espanhol. Garcia, com interesses comerciais no Brasil,
havia acabado de chegar a São Paulo.
Explicar o Brasil? Tarefa ingrata!
Naquele dia, os jornais contavam que um
médico do Rio havia estuprado uma parturiente anestesiada em plena sala de
parto. O ato, filmado pelos colegas do próprio médico, revelou uma das cenas
mais estarrecedoras de abuso sexual das quais se tem notícia no país.
O ímpeto era de esquecer as explicações sobre a economia e dizer apenas que o Brasil é um país onde a violência e a barbárie são estimuladas pelo alto escalão do governo, que já sugeriu o fuzilamento de opositores, estimulou adultos e crianças a gostar de armas e defendeu tortura.
A vontade era de contar que o Brasil é um
país onde uma vereadora do Rio, de oposição, foi executada há três anos e até
hoje não são conhecidos os mandantes do crime. Que o Brasil é um país onde um
indigenista e um jornalista estrangeiro, defensores dos povos indígenas, foram
assassinados, esquartejados e enterrados na Amazônia. Onde um guarda municipal
de Foz do Iguaçu, petista, foi assassinado por um agente penitenciário federal
bolsonarista que invadiu sua festa de aniversário atirando e gritando “aqui é
Bolsonaro”. Um país onde o próprio presidente incentiva a violência e enxovalha
para o mundo as instituições democráticas e o processo eleitoral construídos
com sangue, suor, lágrimas e competência nas últimas quatro décadas. Um país
machista e racista, onde 3.878 mulheres foram mortas no ano passado, sendo
70,7% delas pretas.
Mas seria preciso falar de economia. O
espanhol queria isso, embora tenha se espantado com os dados da insegurança e
da violência. Então era preciso dizer que o Brasil é um país com 215 milhões de
habitantes, a sétima maior população do mundo, onde 33 milhões de pessoas
passam fome, 11 milhões estão desempregadas, 5 milhões desalentadas (não têm
mais nem ânimo para procurar emprego). Um país onde a pandemia da covid matou
quase 680 mil pessoas, tragédia que só não foi maior porque a sociedade
pressionou o governo a agir. Onde a distribuição de renda é uma das piores do
mundo, a inflação anual voltou a dois dígitos e há 66,6 milhões de
inadimplentes. Ou seja, cerca de um terço das pessoas não conseguem pagar suas
contas. Um país que foi um dos líderes do crescimento econômico global no
século 20, até 1980, mas enfrenta agora um longo período de semiestagnação
econômica - quatro décadas. Que teve no ano passado uma renda per capita igual à
de 2007 (US$ 7.500 anuais) e 43% abaixo do pico de 2011 (US$ 13.226).
Seria preciso dizer que o país sofreu um
processo acentuado de desindustrialização. Em meados dos anos 1980, a indústria
respondia por 35% do PIB nacional. Hoje, responde por 10% a 11%. Em 1980, o
país exportava US$ 9 bilhões por ano em manufaturados, mais que a China naquele
ano (US$ 8,7 bilhões). Agora, passados 40 anos, exporta US$ 60,7 bilhões e a
China, US$ 2,5 trilhões.
Para “explicar o Brasil”, seria necessário
dizer por que tudo isso aconteceu. Garcia gostaria de saber como, afinal, um
país que nunca deixou de ser pobre, mas que caminhava para a riqueza, sofreu
tamanha desconstrução.
Os economistas de esquerda, autoproclamados
progressistas, dizem que a origem de tudo está na dominação do pensamento
neoliberal na economia, a partir dos anos 1980. As receitas de austeridade,
Estado mínimo e privatizações, que podem ter funcionado para alguns países
desenvolvidos, não ajudaram o Brasil. Essas ideias levaram à imposição de
políticas equivocadas de juros sempre elevados e valorização cambial, não
adotada por nenhum dos países que se industrializaram - todos mantiveram câmbio
real competitivo.
O Brasil se tornou um país primitivo, um
“fazendão” extremamente dependente de exportações de produtos agrícolas, cuja
economia quase não cresce e nem cria empregos. Para o próximo governo, a
principal recomendação dos progressistas se refere à reindustrialização do
país, além de óbvias ações emergenciais para estancar a fome e a extrema
pobreza. E a receita para reindustrializar passa por fortalecer a ação do
Estado e estabelecer um projeto de desenvolvimento, com câmbio competitivo,
muito investimento público em energia verde, descarbonização da economia,
estímulo à pesquisa tecnológica e apoio maciço à educação.
Para os economistas liberais, mais
ortodoxos, o Brasil se perdeu por causa de suas políticas fiscais
irresponsáveis, que tiraram a credibilidade do país. Consideram que a
austeridade é condição essencial para que os agentes econômicos tomem decisões
de investir no país e, com isso, promover desenvolvimento. A receita, portanto,
seria continuar com as reformas para reduzir a interferência do Estado na
economia e privatizar estatais, inclusive a Petrobras. O papel do Estado
indutor de desenvolvimento foi abertamente menosprezado pelo neoliberalismo nas
últimas décadas, mas a ascensão da China e o impacto da pandemia mudaram um
pouco o discurso e até mesmo as economias mais avançadas passaram apoiar
intervenções estatais.
Garcia viu contradições nas explicações.
Mas os liberais não controlam a economia no governo atual? Como explicar seu
conservadorismo fiscal e, ao mesmo tempo, o festival de bondades que propuseram
e aprovaram no Congresso, com gastos estimados em R$ 41,2 bilhões em cinco
meses?
São gastos eleitorais, Garcia, porque o
presidente quer se reeleger e está atrás nas pesquisas. A legislação proíbe
esse tipo de gasto no período eleitoral, mas o Congresso aprovou um “estado de
emergência” para garantir que os benefícios não violem a legislação.
A oposição de esquerda, Garcia, ficou
encurralada. Não tinha como passar a defender austeridade, porque seria contra
seus princípios, principalmente num momento em que 33 milhões de brasileiros
passam fome. E aprovou a gastança, mesmo sabendo que a distribuição desses
bilhões é um estelionato eleitoral do atual presidente.
Se estou entendendo bem, perguntou Garcia,
os neoliberais do governo atual estão fazendo a gastança, e os progressistas
heterodoxos, se a oposição ganhar a eleição, terão de propor a austeridade para
equilibrar as contas a partir de 1º de janeiro? Como se explica isso?
O Brasil é inexplicável, Garcia.
4 comentários:
Muito fácil explicar o Brasil
de agora, um sadico ganha a presidência e escolhe seu auxiliares, esses ficam maravilhados com o sadismo do chefe e resolvem segui-lo fielmente. Descobrem que fazendo maldades é gostoso porque significa o poder, o resto o Viagra explica.
Se nós brasileiros fôssemos tão fracos exigiríamos um atestado comprovando a capacidade intelectual e psíquica comprovando que essa pretensão
de presidente que se elegeu em 2018 tem capacidade mental para ocupar o cargo. Não resolve tudo mas pelo menos prova a idiotice desse toglodita.
Não fossemos
Bolsonaro não passaria em nenhum teste psíquico para ser presidente de nada sobre nada.
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