sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Armando Castelar* - A política econômica em 2023

Valor Econômico

Inflação e juros devem seguir altos em 2023, independentemente de quem vencer as eleições de outubro

O ano de 2023 promete ser bastante desafiador, em que pese o recente otimismo do mercado financeiro com a possibilidade de se trazer a inflação nas economias avançadas, próxima de atingir os dois dígitos, de volta à meta de 2% ao ano sem um forte aperto monetário e sem uma recessão. A realidade é que, ou os bancos centrais (BCs) sobem os juros bem mais do que ora precificado nos mercados futuros, e os mantêm lá por mais tempo do que hoje se prevê, ou o mundo irá retornar a um período de estagflação.

No cenário mais provável em que os BCs, ainda que a contragosto, apertam bem mais a política monetária, o quadro que se colocará para as economias emergentes não será fácil, com o dólar se valorizando, a liquidez internacional diminuindo e o comércio internacional em queda. Isso significará inflação e juros mais altos e uma atividade econômica mais retraída nessas economias. Em alguns casos, isso resultará em instabilidade política e crises de financiamento externo. O que estamos vendo na Argentina atualmente já é, em parte, um resultado desse quadro global mais desafiador.

O Brasil apresenta alguns indicadores que vão ajudá-lo a navegar nesses mares revoltos, como o déficit em conta corrente relativamente pequeno e financiado pela entrada de investimentos externos, além de um câmbio já desvalorizado para padrões históricos. Mas isso não significa que não teremos um ano difícil pela frente.

Nossa inflação segue alta e trazê-la para baixo não será fácil, nem rápido. A política fiscal expansionista adotada pré-eleições é parte do problema, mas também contribuem para ele a inércia elevada, fruto de a inflação estar alta e disseminada há tanto tempo, e as expectativas desancoradas, com a perda de relevância das metas de inflação.

Isso significa que inflação e juros devem seguir altos em 2023 e, possivelmente, depois disso. Essa previsão, me parece, independe de quem vai vencer as eleições de outubro. O mesmo é provável em relação à esperada desaceleração da atividade econômica, não se podendo descartar uma recessão em 2023, e à piora das contas públicas, com a alta na despesa de juros sobre a dívida pública, a queda das receitas, fruto da atividade mais fraca, e a pressão por mais gastos públicos, típica de governos com viés populista.

Seja disfarçadamente, como tem feito o atual governo, seja ostensivamente, como promete o ex-presidente Lula, também deve se acabar com o teto de gastos introduzido pela Emenda Constitucional 95, de 2016. Com isso os juros longos devem seguir altos, encorajando um certo encurtamento dos prazos da dívida pública.

Por outro lado, uma área em que o resultado da eleição fará diferença diz respeito ao nível e à forma de intervenção do Estado na economia. O atual governo manteve reformas importantes aprovadas no governo Temer, como a trabalhista e a redução dos subsídios de crédito dados pelo BNDES, com a substituição da TJLP pela TLP, que são criticadas pelo PT.

Em termos de privatização, ainda que os resultados tenham ficado bem aquém das promessas iniciais, é inquestionável que o atual governo registrou avanços relevantes. A operação de maior destaque foi a transferência da Eletrobrás para a iniciativa privada, mas há outros exemplos importantes, como as vendas de várias subsidiárias de empresas estatais. Além disso, se avançou bastante nas concessões para a iniciativa privada na área de infraestrutura. Mais operações como essas devem ocorrer em caso de reeleição do atual presidente, destacando-se as companhias Docas e, possivelmente, a Petrobras.

O ex-presidente Lula fala pouco de seus planos para a política econômica caso seja eleito. Porém, a julgar pelos documentos publicados pela Fundação Perseu Abramo e assinados por algumas das principais lideranças do PT, a tendência seria voltar às práticas do segundo governo Lula e da administração Dilma, com a farta distribuição de subsídios públicos.

Por exemplo, em documento publicado três meses atrás (Frente de Expansão da Renda, do Emprego e do Investimento), defende-se que "[p]ara a construção dessa nova indústria são fundamentais instrumentos como conteúdo local, compras governamentais, crédito direcionado, investimentos públicos, financiamento de clusters e start-ups, além de outras políticas industriais, comerciais, de CT&I e de desenvolvimento regional, compondo um complexo que impõe a necessidade de atuação do Estado e coordenação do governo central" (pag. 25). Em documentos de dois anos atrás se propõe, mesmo, a reversão de algumas privatizações.

Obviamente, o que prevalecerá, na prática, vai depender de bem mais do que só os planos e desejos de quem vencer as eleições de outubro. A necessidade de lidar com o cenário externo desafiador, a inflação elevada e a economia retraída, além de um quadro fiscal em deterioração, vai forçar a nova administração a ser mais ortodoxa do que talvez estivesse nos planos. Por outro lado, a tendência é que a atual polarização política siga forte em 2023, o que aumentará a tentação por soluções simples e rápidas, mas erradas. Em síntese, apertem os cintos!

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

O articulista conseguiu ver positividade na política econômica do governo Bozo!