Editoriais / Opiniões
Quando é necessário dizer o óbvio
O Estado de S. Paulo
A campanha de Bolsonaro contra as urnas é gravíssima. Mas, como lembrou o presidente do Senado, quem for eleito em outubro tomará posse em 2023. A democracia prevalecerá
Perante a campanha golpista de Jair
Bolsonaro contra as urnas eletrônicas e a Justiça Eleitoral, é muito oportuno
que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, recorde a realidade. “No dia 1.º
de janeiro, aqui estaremos, no Congresso Nacional, a dar posse ao presidente da
República eleito pelas urnas eletrônicas do nosso país, seja qual for o
eleito”, disse o senador na abertura dos trabalhos legislativos no segundo
semestre.
É desalentador que as circunstâncias
políticas atuais exijam dizer um aspecto óbvio do regime democrático – quem
vencer nas urnas tomará posse –, mas o fato é que, perante a insistência do
presidente da República em desacreditar o sistema eleitoral, é necessário que o
País tenha a tranquilidade de saber que o resultado das eleições será respeitado.
O presidente do Senado faz muito bem em transmitir essa segurança à população.
As ações de Jair Bolsonaro contra a Justiça Eleitoral são gravíssimas, podendo ser enquadradas como crimes de responsabilidade e crimes eleitorais. Para piorar, em sua campanha contra a realização pacífica das eleições, o presidente da República tenta envolver o bom nome das Forças Armadas. A Lei 1.079/50 lista, entre os crimes de responsabilidade contra os direitos políticos (art. 7.º), “utilizar o poder federal para impedir a livre execução da lei eleitoral” (inciso 4), “incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina” (inciso 7) e “provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis” (inciso 8). De toda forma, sem minimizar em nada a gravidade das ações de Jair Bolsonaro, é preciso reconhecer o que Rodrigo Pacheco destacou: o presidente da República eleito pelas urnas, seja quem for, tomará posse no dia 1.º de janeiro de 2023.
A loucura bolsonarista precisa continuar
sendo o que sempre foi: a loucura de Jair Bolsonaro. Ele pode até fazer
reuniões absurdas com embaixadores estrangeiros e difamar a democracia
brasileira, mas a realidade se impõe: as urnas eletrônicas brasileiras são
referência mundial, como asseguraram, entre outros países, os Estados Unidos e
a Inglaterra. “As urnas eletrônicas têm sido motivo de orgulho nacional e
trouxeram, nestes 26 anos de uso no Brasil, transparência, confiabilidade e
velocidade na apuração do resultado das eleições. Elas têm-se constituído em
ferramenta poderosa contra vícios eleitorais muito frequentes na época do voto
em papel. Representam, portanto, um verdadeiro aperfeiçoamento institucional”,
lembrou o presidente do Senado.
Nesse abissal isolamento de Jair Bolsonaro
– similar ao dos tempos em que ameaçava explodir bombas em quartéis do Exército
–, desvela-se uma vez mais a falta de autoridade de suas palavras. Em razão do
cargo que Jair Bolsonaro ocupa, o que ele fala tem peso e produz particulares
consequências jurídicas – por exemplo, suas ações são aptas a serem enquadradas
como crime de responsabilidade –, mas isso não significa que a sua vontade de
causar confusão nas eleições se imponha por si só.
Se o bolsonarismo destampou a triste
realidade de que uma parcela da população flerta e transige com o autoritarismo
populista, ele também mostrou que a imensa maioria da população está do lado do
regime democrático, da realização pacífica das eleições e da aceitação do
resultado das urnas. Mesmo lideranças políticas alinhadas com Jair Bolsonaro,
que se beneficiam diretamente do desgoverno bolsonarista, têm reiterado sua
confiança nas urnas. “Sempre fui a favor da democracia e de eleições
transparentes e confio no sistema eleitoral”, disse, na semana passada, o presidente
da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Eis o panorama atual. Não há como reduzir a
gravidade de tudo o que Jair Bolsonaro vem fazendo contra as eleições, assim
como não há como ele ficar impune depois de tudo o que já fez. Ao mesmo tempo,
sem nenhuma transigência e sem deixar de estar alerta, é preciso reafirmar que
as eleições ocorrerão pacificamente e que o eleito tomará posse. O clima de
tensão só interessa aos bolsonaristas.
O arrocho contra o legado inflacionário
O Estado de S. Paulo
Juros básicos devem chegar a 14%, maior patamar desde 2016, e deverão descer lentamente a partir de 2023, pois novo governo provavelmente sofrerá pressões inflacionárias ainda fortes
Permanece o risco de inflação elevada em
2023, mesmo com a possível instalação, em janeiro, de um governo menos
incompetente e menos irresponsável que o atual. O novo governo terá de lidar
com a desastrosa herança deixada pelo presidente Jair Bolsonaro e seus
companheiros. Não se deve esperar, portanto, uma redução veloz dos juros nos
próximos 12 meses, se o Banco Central (BC) for fiel ao compromisso de levar a
inflação à meta, ou à sua vizinhança, no “horizonte relevante”, isto é, até o
começo de 2024. Diante de pressões inflacionárias ainda fortes no Brasil e de
um quadro internacional mais incerto, a estratégia impõe, agora, um aperto
maior das condições de financiamento. Depois de elevar os juros básicos de
13,25% para 13,75% ao ano, na quarta-feira, o Copom, Comitê de Política
Monetária do BC, já alertou para mais um provável aumento, “de menor
magnitude”, em setembro.
A alta recém-anunciada foi a 12.ª a partir
do nível de 2%, em vigor em março de 2021. Com o próximo ajuste, a taxa básica
de juros, a Selic, deverá chegar a 14%, retornando ao patamar de outubro de
2016, quando começava a recuar a inflação deixada pela administração da
presidente Dilma Rousseff. A diferença, agora, é a tentativa do Copom de
avançar no conserto enquanto o presidente da República e seus associados
cometem os desmandos.
Ganham maior peso, neste momento, as
advertências costumeiras do Copom sobre a insegurança das contas públicas,
prejudicadas pelo excesso de gastos e por benefícios tributários improvisados.
O desarranjo das finanças federais, importante fator da alta de preços, é
também notado, no dia a dia, como causa de fuga de capitais e de valorização do
dólar. Segundo a nota do BC, é preciso levar em conta, além da “incerteza sobre
o futuro do arcabouço fiscal”, certos “estímulos fiscais adicionais”.
O alerta, nesse caso, aponta para jogadas
eleitoreiras, como o aumento do Auxílio Brasil – por enquanto válido até o fim
do ano, isto é, até pouco depois da eleição – e para medidas de improviso para
atenuar a alta de preços dos combustíveis. Mas o aumento do Auxílio
dificilmente será revertido em 2023, seja quem for o presidente eleito. Essas e
outras bondades continuarão pesando nas contas federais e, em alguns casos,
também nas estaduais e municipais.
Ninguém nega os desmandos, embora alguns
tentem justificá-los. O ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu a violação
do teto de gastos, necessária, segundo ele, para uma ajuda aos mais vulneráveis
num momento de emergência. Mas o argumento da emergência é uma invenção para facilitar
benefícios oportunistas nesta fase pré-eleitoral.
Não se pode falar de novo surto de
covid-19, embora a doença ainda ameace os brasileiros, nem de uma piora
repentina das condições econômicas, apesar do quadro internacional
desfavorável. O desemprego continua alto, mas diminuiu nos últimos meses, e os
desajustes econômicos já estavam presentes no primeiro semestre e, em grande
parte, no ano passado. O poder federal continua sendo o aliado principal da
inflação e é absolutamente falacioso, portanto, o argumento da emergência para
justificar o manejo irresponsável das contas públicas.
Talvez se possa qualificar a gestão do
presidente Jair Bolsonaro como emergência nacional, mas essa emergência já dura
quase quatro anos. Em vez de buscar pretextos para disfarçar desatinos, o
ministro da Economia deveria – se estivesse disposto, de repente, a servir mais
ao País do que ao chefe – tentar evitar, nos próximos meses, novas imprudências
na área fiscal. Dificilmente poderá reduzir ou compensar os danos já provocados,
mas qualquer cuidado no exercício de sua função, até o fim do ano, será um
ganho para os brasileiros. Ou, mais precisamente, para a maioria deles, porque
há, no mercado, quem considere um sucesso um crescimento econômico próximo de
2%, com inflação vizinha de 7% no fim do ano e desemprego em torno de 9%. O
mercado, no entanto, tem elevado as projeções de inflação para 2023, um desafio
já incluído na pauta do Copom.
Trocando ciência por sucata
O Estado de S. Paulo
Em mais uma descarada compra de votos, governo retira recursos de ciência e tecnologia para comprar caminhões velhos
Não é novidade que o governo Jair Bolsonaro
não apoia a ciência e a tecnologia. Iniciativas para contingenciar o principal
instrumento de fomento da área, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (FNDCT), foram reiteradamente defendidas pelo Executivo e, após
intensa mobilização do setor, rejeitadas pelo Congresso. Parecia que os
parlamentares estavam convencidos da importância do setor para o futuro do
País, mas qualquer ilusão dessa natureza cai por terra quando a sociedade
assiste à aprovação, pela Câmara e pelo Senado, de uma proposta que retira
recursos de pesquisa e desenvolvimento para, literalmente, comprar sucata.
Fruto de uma medida provisória (MP), a
iniciativa não surpreende pelas intenções, mas pela desfaçatez dos argumentos em
sua defesa. O texto institui o Programa de Aumento da Produtividade da Frota
Rodoviária (Renovar), cujo objetivo é diminuir o custo Brasil e incrementar a
produtividade, a competitividade e a eficiência da logística no País. São todos
problemas crônicos da economia brasileira e, para eles, o governo apresenta sua
solução: retirar de circulação caminhões velhos, incentivando a entrega de
veículos em pontos autorizados de desmanche e reciclagem. Por esse singelo
gesto em favor do desenvolvimento nacional, os motoristas vão receber o valor
de mercado dos caminhões e da sucata. Parece piada, mas é só compra de votos.
Para bancar o custo do programa, o
Executivo se superou. Incluiu o Renovar entre as atividades aptas a obter
recursos destinados à pesquisa, desenvolvimento e inovação recolhidos por
empresas de óleo e gás. Por lei, elas são obrigadas a contribuir com até 1% da
receita bruta em projetos como a produção de tecnologias para a transição
energética e a descarbonização; agora, até 2027, poderão financiar a compra de
sucata. Os valores arrecadados com a cobrança atingiram a marca de R$ 3 bilhões
em 2021. Pelo texto aprovado, caberá ao governo disciplinar a utilização dessa
verba. A depender do desespero eleitoral do presidente, o Renovar poderá
receber 100% do dinheiro.
Em carta ao Congresso, oito entidades, entre elas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC), criticaram o que consideram ser a destruição de uma política pública exitosa e que garantiu a construção de 150 laboratórios, além de convênios e contratos com mais de 200 universidades. Interessada em impulsionar a produção de caminhões, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) obviamente apoiou a proposta. Governo e Congresso, por sua vez, ignoraram os resultados de um projeto semelhante criado nas gestões lulopetistas, que não resolveu o problema e ainda criou outro pior. A medida custou R$ 34 bilhões ao Tesouro, aumentou a frota circulante, derrubou o valor dos fretes e foi apontada como a principal causa da greve de caminhoneiros que paralisou o País em 2018. Nada mais simbólico que a versão bolsonarista do programa troque ciência por sucata.
Fim de ciclo
Folha de S. Paulo
BC anuncia que elevação dos juros acabará
logo; redução das taxas dependerá do próximo governo
Em decisão unânime, o Comitê de Política
Monetária do Banco Central elevou
novamente a taxa básica
de juros em 0,5 ponto porcentual, para 13,75%. A informação mais
importante foi a indicação de que o ciclo de alta iniciado em março de 2021,
quando a Selic estava
em 2%, está em vias de encerramento.
O BC deixou espaço em seu comunicado para
um ajuste residual em setembro, mas o movimento dependerá de novos dados sobre
a inflação e a atividade econômica e poderá não
ocorrer.
Com um cenário mais incerto do que o usual,
o comitê continua a alertar para riscos
inflacionários. Um dos principais é a continuidade da expansão de
gastos públicos, que pode ampliar pressões na demanda, que já se mostram
fortes.
Entram nessa conta a decisão do governo de
aumentar despesas para melhorar as chances eleitorais de Jair Bolsonaro (PL) e
as sinalizações duvidosas para o próximo ciclo presidencial. A falta de
confiança na gestão prudente do Orçamento dificulta a ação da política
monetária.
O crescimento da atividade e a redução do
desemprego nos últimos meses são boas notícias, e justamente por isso é
importante dosar estímulos fiscais adicionais.
Num contexto em que a inflação
ainda se mostra elevada, sem clara evidência de inflexão nas medidas
que capturam melhor seus efeitos inerciais, é preciso cuidado para que não seja
necessário apertar ainda mais o torniquete dos juros, o que impediria manter a
economia em trajetória de crescimento.
Com a redução dos impostos sobre
combustíveis, o BC baixou de 8,8% para 6,8% sua projeção para o principal
índice de preços, o IPCA, neste ano. Em contrapartida, elevou a previsão de 4%
para 4,6% em 2023, quando parte dos cortes de tributos poderá ser revertida.
A expectativa para o próximo ano está muito
acima da meta fixada pelo governo para o período (3,25%), mas o BC adotou
postura mais flexível, estendendo o horizonte de referência para o primeiro
trimestre de 2024 —quando se espera que a inflação acumulada em 12 meses esteja
mais próxima do patamar desejado.
À luz da alta acumulada nos juros desde o
ano passado, o BC faz bem agora em indicar paciência. Alguns efeitos da
política monetária tendem a ser percebidos mais tarde, desacelerando
a atividade econômica até o ano que vem, e faz mais sentido
aguardá-los sem impor sacrifício adicional à economia.
Os próximos passos dependerão
principalmente de informações sobre a política econômica do futuro governo,
seja quem for o vencedor das eleições de
outubro. Primar pela responsabilidade nos gastos públicos e na
gestão da dívida será o caminho para viabilizar taxas de juros menores adiante.
Crimes impunes
Folha de S. Paulo
Mau desempenho dos estados no
esclarecimento de homicídios tende a reforçar ciclos de violência
Na legislação penal brasileira, a punição mais
rigorosa, 30 anos de cadeia, é com razão reservada aos homicídios. Os efeitos
pretendidos com a pena severa, contudo, terminam atenuados quando se constata
que, na prática, o Estado vem falhando muito na tarefa de aplicá-la.
Uma nova pesquisa do Instituto Sou da Paz mostra que somente 37% dos
assassinatos cometidos no país em 2019 foram esclarecidos até o fim de 2020. O
desempenho foi pior que o do ano anterior, quando a taxa foi de 44%.
Em termos mundiais, segundo a Organização
das Nações Unidas, a elucidação dos homicídios alcança em média 63% dos casos.
Em países europeus, ela chega a 92%.
Se o resultado nacional segue
decepcionante, a quinta edição da pesquisa ao menos mostra algum avanço na
coleta dos dados dos estados, provenientes dos Tribunais de Justiça e do
Ministério Público.
Pela primeira vez, todos os órgãos
procurados responderam às solicitações do instituto. Somente oito estados
enviaram dados incompletos, que não foram contabilizados nos resultados do
levantamento.
O estudo mostra grande disparidade regional
na resolução dos crimes. Rondônia (com taxa de 90%), Mato Grosso do Sul (86%) e
Santa Catarina (78%) destacaram-se como os estados de maior eficiência. Na
outra ponta figuram Pará (24%), Amapá (19%) e Rio de Janeiro (16%).
A impunidade de tantos homicídios veda o
acesso à Justiça para familiares das vítimas dos crimes —em geral homens jovens
e negros das periferias das grandes cidades.
A baixa capacidade de investigação e
responsabilização tende a reforçar ciclos de
violência, corrói a confiança da população nas leis e dificulta a
adoção de estratégias mais efetivas para prevenção dos crimes.
Chama especial atenção o mau
desempenho de São Paulo. O estado mais rico do país, que já chegou a
ostentar 54% de homicídios esclarecidos, aparece na pesquisa mais recente com
taxa de 34%, abaixo da média nacional.
A Secretaria da Segurança Pública contesta
a metodologia do estudo e diz que a taxa foi maior, de 51%. Seu cálculo
considera casos dados como esclarecidos pela polícia, mesmo que não tenham
chegado ao sistema judicial em tempo razoável.
Envernizar estatísticas dificilmente
contribuirá para diminuir o problema, como atestam os casos frequentes de pessoas inocentes processadas
após reconhecimentos mal feitos e outras falhas cometidas pelos investigadores.
É inaceitável atraso na regulação do
mercado de carbono
O Globo
Relatório de deputada bolsonarista
desfigura projeto original e amplia atraso do Brasil na agenda ambiental
O projeto que regulamenta o mercado de
carbono no Brasil deveria ter sido aprovado logo. Mas, mesmo tramitando em
regime de urgência na Câmara, foi retirado da pauta depois de alterações
descabidas feitas pela relatora, a deputada governista Carla Zambelli (PL-SP).
As mudanças, às vésperas da campanha eleitoral, tornam improvável que a
discussão seja retomada tão cedo. Trata-se de erro gravíssimo num país que é o
quinto maior poluidor do planeta, responsável por lançar na atmosfera o
equivalente a 2 bilhões de toneladas de gás carbônico por ano.
A compra e venda de créditos de carbono
entre empresas que não emitem e outras que precisam compensar suas emissões é
um instrumento poderoso para diminuir a liberação de gases. As transações
também geram recursos para projetos que reduzem a poluição. Mas hoje são feitas
apenas por meio de um mecanismo voluntário. A regulamentação do mercado local
de carbono obrigaria as empresas ainda reticentes diante da questão climática a
prestar atenção aos riscos para seus negócios e também às oportunidades.
Quem polui teria de pagar; quem ajuda a
despoluir teria a receber. Isso incentivaria a transição rumo à economia limpa
e tornaria mais fácil a adesão brasileira ao mercado global de carbono.
Trata-se de setor em que o Brasil tem uma oportunidade econômica gigantesca.
Pela estimativa da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, seria
possível somar R$ 2,8 trilhões ao PIB e gerar 2 milhões de empregos até 2030
regulando o mercado interno de carbono e assumindo compromissos maiores de
corte nas emissões.
O Mercado Brasileiro de Redução de Emissões
(MBRE) já era previsto na Política Nacional sobre Mudança do Clima, criada por
lei em 2009. Passaram 13 anos até o Congresso enfim começar a instaurá-lo. Mas
o relatório de Zambelli desfigurou o projeto original do deputado Marcelo Ramos
(PSD-AM). Na versão dela, compensar emissões passaria a ser “ato voluntário”, e
não um dever imposto a quem emitir carbono em grandes volumes. Além de não
avançar nada em relação ao que já existe, isso significaria um retrocesso em
relação aos compromissos assumidos na COP26, a reunião da ONU para o clima, em
Glasgow, na Escócia.
A posição do governo, expressa no
relatório, demonstra um desconhecimento inaceitável da relevância do tema para
o futuro do Brasil e do planeta. De acordo com o Banco Mundial, havia até maio
32 sistemas de emissão de créditos de carbono. Depois que o levantamento foi
divulgado, surgiram mais quatro: no Uruguai, em Ontário (Canadá), no Oregon e
em Brunswick (Estados Unidos). Também já anunciaram que criarão suas bolsas de
carbono Israel, Malásia e Botsuana. No final do ano passado, mais de 21% das
emissões mundiais eram cobertas por alguma forma de precificação do carbono,
salto de 15% em comparação a 2020. O volume negociado aumentou 164% em 2021 em
relação a 2020 e alcançou US$ 897 bilhões — isso antes mesmo de ter sido
fechado o acordo com regras globais para as transações.
Tudo isso só demonstra que o projeto na
versão da deputada bolsonarista amplia o atraso do Brasil na agenda ambiental,
na adoção das políticas necessárias à transição para uma economia limpa e para
a preservação do planeta. Não havia motivo para alterar o projeto do deputado
amazonense, nem para postergar sua votação.
Não tem cabimento anulação de júri do
incêndio na Boate Kiss
O Globo
Caso que deveria ter sido exemplo no
combate à negligência se tornou mais um a comprovar deficiência da Justiça
Se investigar crimes no Brasil já é
difícil, puni-los parece uma quimera mesmo nos casos de maior repercussão. Não
há evidência maior que a decisão da segunda instância da Justiça gaúcha
anulando o júri da Boate Kiss, tribunal que condenou no ano passado os quatro
responsáveis pelo incêndio que matou 242 pessoas e feriu 636 em janeiro de 2013
no município de Santa Maria. Quase dez anos depois da tragédia que chocou o
país, eles serão soltos. Continuarão livres pelo menos até que seja convocado
novo júri — ou até que a decisão seja revista nos tribunais superiores.
Os argumentos da defesa para pleitear a
anulação do julgamento se basearam em filigranas processuais. Dois dos
desembargadores da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul os acataram, contra o voto do presidente da sessão. Não foi a primeira vez
que juízes cederam à pressão dos advogados dos réus. Logo depois da condenação
pelo júri, o juiz de primeira instância suspendeu a execução da sentença. Os
quatro só foram presos por intervenção do Supremo Tribunal Federal. Ficaram
pouco mais de seis meses na cadeia.
O incêndio foi resultado de negligência
criminosa. As investigações demonstraram que um dos réus comprou um rojão,
outro apontou-o em direção ao teto de espuma, revestimento inflamável que
jamais deveria ter sido instalado numa boate. O fogo liberou gases tóxicos
asfixiando o público. Não havia saídas de emergência nem extintores. As poucas
portas estavam obstruídas. A mando dos donos — também condenados pelo júri —, seguranças
impediam que as vítimas deixassem o local sem pagar a conta. Banheiros foram
confundidos com áreas de escape e se converteram em câmaras mortuárias.
Não há caso mais eloquente de crime que
deveria ser punido de modo exemplar. Sobretudo num país em que a impunidade
contribui para manter a cultura de leniência com as normas de segurança que
leva ao acúmulo de desastres. Apesar disso, a Justiça brasileira levou quase
nove anos apenas para marcar o julgamento, adiado sob toda sorte de pretexto.
Depois da condenação, os réus ficaram fora da cadeia e agora estarão novamente
livres.
É preciso que os tribunais superiores
revertam quanto antes a decisão dos desembargadores e restituam a autoridade
dos jurados. Mas, mesmo que isso aconteça, o caso que deveria ter se tornado um
paradigma no combate à negligência já é mais um entre tantos exemplos a
demonstrar como a morosidade e a ineficiência da Justiça incentivam a
irresponsabilidade e o crime. A Boate Kiss estará gravada para sempre na
interminável lista de tragédias — Andraus, Joelma, Andorinha, Bateau Mouche,
Brumadinho… — que de tempos em tempos comprovam o desdém do brasileiro pela
segurança e pela própria vida.
Copom prevê que juro real continuará alto
até 2024
Valor Econômico
Forte aperto já realizado levará a economia
brasileira a mais um crescimento raquítico, ou até mesmo à recessão
O Banco Central indicou, ao fazer a 12ª
alta consecutiva da taxa básica de juros, que tem a intenção de encerrar o
ciclo de aperto monetário, mas deixou espaço aberto para novas altas quando
isso for necessário. O Copom registrou que avaliará em sua próxima reunião um
“ajuste residual” de menor magnitude, ou seja, 0,25 ponto percentual, mas
advertiu que “os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados”
para garantir a convergência da inflação para a meta.
O comunicado do Copom se adapta ao que
parece ser uma fase de transição para uma inflação mais baixa, ainda que dura
na queda. Em primeiro lugar, as medidas fiscais de estímulo à demanda, como a
redução do IPI e do ICMS sobre energia, telecomunicações, transportes e
combustíveis, acentuarão a redução do índice de preços. Por isso, a inflação,
que continuava “surpreendendo negativamente” no comunicado anterior, deu lugar
a uma inflação que “continua elevada”.
O balanço de riscos, por sua vez, não se
alterou significativamente e continua equilibrado. Uma redução dos preços das
commodities em reais e uma desaceleração da atividade econômica mais acentuada
que a prevista poderão jogar o IPCA para baixo. Os riscos de alta são a maior
persistência das “pressões inflacionárias globais” e as incertezas sobre o
arcabouço fiscal podem elevar o índice de preço. Neste último ponto, há
ponderação nova. O BC acredita que existe a possibilidade de que as medidas de
incentivo à demanda se tornem permanentes acentuando riscos para inflação.
Ainda assim, há um contraponto: uma desaceleração maior da economia global
pressionaria a variação dos preços domésticos para baixo.
O cenário do Banco Central tem um movimento
semelhante ao do Focus, embora divirjam significativamente na projeção de
inflação para 2024. Os estímulos fiscais reduzem bastante a inflação do ano
corrente, e elevam a do ano que vem. O efeito principal das medidas oficiais
agiram sobre os preços administrados, que saíram de uma alta de 7% no
comunicado da reunião anterior, para uma deflação de 1,3% agora.
O Copom fez suas projeções com taxa de
câmbio de 5,3%, 7,5% superior ao da reunião anterior, usando os dados do Focus
no restante. Com isso, vê um IPCA de 6,8% este ano, 4,6% em 2023 (projeção
anterior de 4%), encostando no teto superior da meta, e 2,7% em 2024, abaixo da
meta de 3%. Já para o Focus, a inflação fecha 2022 em 7,2%, estoura o teto da
meta novamente em 2023, em 5,3% e se afasta aos poucos da meta em 2024, em
3,3%.
O BC fez um exercício adicional de mostrar
sua projeção móvel de inflação em 12 meses para o primeiro trimestre de 2024,
ano que começou a entrar no horizonte relevante para a política monetária. O
objetivo do exercício foi suavizar impactos “elevados” das medidas tributárias
tomadas, ao mesmo tempo que captar plenamente seus efeitos secundários. O
resultado foi um IPCA de 3,5%. Fica em aberto se a novidade mais confundiu do
que esclareceu, mas ela mostra que o BC crê que o IPCA entra em 2024 com novas
quedas - ele prevê 4,6% em 2023 - e assim poderia fechar aquele ano abaixo da meta.
Ou seja, a carga de juros projetada, se os cenários se materializarem, torna-se
maior do que a necessária para garantir a meta de 3%.
Para que isso ocorra, os juros ficarão
altos por mais tempo. Segundo o cenário de referência, seriam de 11% no ano que
vem, com alta de um ponto percentual em relação ao cenário da reunião anterior,
e de 8% em 2024 (era 7,5%). Nos três anos, os juros reais permaneceriam ainda
em terreno bem contracionista, embora em queda ao longo do tempo, superando o
juro real neutro, reavaliado em 4%. A taxa real será de quase 7 pontos
percentuais este ano, de 6,4 pontos no próximo e de 5,3 pontos em 2024.
Como as incertezas permanecem acima da
usual, essas projeções são exercícios de futurologia informados. No cenário
externo, crescem as expectativas de recessão nos EUA e na Europa, e um
crescimento fraco e incomum na China. No campo doméstico, as incertezas são
ainda maiores. Há uma eleição a caminho, em que tanto o atual presidente como o
favorito na disputa até agora, Luiz Inácio Lula da Silva, demonstram desprezo
pelo teto de gastos. A política fiscal do próximo governo será diferente, mas
não se sabe qual. O consenso parece residir em que resta pouco mais a fazer na
política monetária e que o forte aperto já realizado levará a economia
brasileira a mais um crescimento raquítico, ou até mesmo à recessão.
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