sábado, 24 de setembro de 2022

Pablo Ortellado - ‘Marte Um’ é antídoto contra a cultura do ódio

O Globo

Filme argumenta que os choques de valores podem ser resolvidos com respeito

Se ainda estiver em cartaz na sua cidade, não deixe de assistir no cinema ao belo filme de Gabriel Martins “Marte Um”. Agora que caminhamos para a última semana da campanha eleitoral, essa narrativa terna sobre as dificuldades de uma família de classe média baixa pode ajudar a reacender a esperança na concórdia e no diálogo nestes tempos sombrios de polarização. Contém spoiler.

Num primeiro olhar, o filme parece apenas indiretamente político. Logo na primeira cena ouvimos pessoas ao fundo comemorando a vitória de Jair Bolsonaro e, numa cena passada alguns meses depois, uma TV ligada num refeitório anuncia a posse do atual presidente enquanto trabalhadores almoçam, desatentos ao noticiário. Nada sugere que os conflitos e desafios que a família protagonista atravessa possam ser explicados pela posse de Bolsonaro. Mas a maneira fraterna e compreensiva como ela resolve os seus antagonismos contrasta com a cultura do ódio que nos tem sido oferecida pela política.

 “Marte Um” apresenta, em tom realista, uma família negra que vive na periferia de Belo Horizonte. Cada um dos quatro integrantes enfrenta um conflito. A filha Eunice, estudante de Direito, quer sair de casa e assumir para a família a relação homoafetiva com a namorada, Joana, moça de classe média filha de pais liberais. O filho Deivinho se sente dividido entre, de um lado, a expectativa do pai de que seja jogador de futebol e, de outro, sua paixão pela ciência e o sonho impraticável de participar da missão Marte Um, que pretende colonizar o planeta.

A mãe, Tércia, é diarista e adquire distúrbios psicológicos após ser alvo de uma pegadinha num programa de TV. O pai, Wellington, trabalha como zelador num edifício de luxo e luta, de um lado, para manter a sobriedade vencendo o alcoolismo e, de outro, sustentar a família com um orçamento apertado.

Essa teia de conflitos se organiza num antagonismo entre as aspirações e demandas dos filhos e a posição dos pais, sobretudo de Wellington. Eunice quer convencê-los de que está na hora de sair de casa e tenta fazê-los aceitar que tem uma namorada. Deivinho tenta fazer o pai compreender que, para ele, a ciência é mais importante que o futebol.

Há, no fundo, um conflito entre os novos valores trazidos pela educação e a ascensão social e o modo de vida tradicional dos mais velhos. Isso é bem marcado em duas cenas bonitas que mostram os filhos em sala de aula. Eunice assiste a uma aula sobre o sistema carcerário brasileiro; Deivinho, a uma sobre como nascem os vulcões. As aulas passam longe da panfletagem progressista, mas abrem os horizontes daqueles filhos da classe trabalhadora.

É o modo como a família enfrenta esses conflitos tão atuais que enternece o espectador e acende a esperança. Eunice expressa para a mãe o desconforto porque ela não pede a ajuda do filho homem para lavar a louça. A mãe diz que não se importa. A filha discorda, mas elas seguem trabalhando e conversando.

Eunice traz a namorada para conhecer os pais, que, a princípio, pensam se tratar de uma amiga. Quando elas dão as mãos, os pais se assustam, mas um gol do Atlético funciona como pretexto para o pai cruzeirense sair bravo da sala. Eles não voltam a conversar sobre o tema, mas os pais aos poucos aceitam o fato novo. Deivinho precisa quebrar a perna para conseguir escapar da seleção de jogadores do Cruzeiro, mas, depois disso, Wellington vai entendendo e apreciando o amor do filho pela ciência.

Existe, no fundo, um conflito de visões morais de mundo entre, de um lado, a honestidade rigorosa e disciplinada do pai e, de outro, a experimentação e a busca de novos caminhos pelos filhos. O carinho e o respeito que prevalecem na família são uma aula de civismo. Não há nenhuma ocultação dos conflitos, eles estão todos lá, explícitos. Mas não são resolvidos com um confronto intolerante, e sim com adequação e aceitação mútua.

Uma resenha na revista “Variety” diz que falta pegada ao filme e que é desorientador que, quando se espera um soco no estômago, ele ofereça um abraço. Isso, porém, não é um defeito, mas a sua própria virtude. Bolsonaro não aparece ali como um marcador temporal, mas como contraponto. O filme argumenta que os choques de valores entre conservadores e progressistas podem ser resolvidos com decência e respeito, que a saída odiosa oferecida por certos políticos não é o único caminho possível.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

"Os choques de valores entre conservadores e progressistas podem ser resolvidos com decência e respeito", mas os bolsonaristas não são conservadores! São fascistoides ou fascistas mesmo, antidemocratas e violentos por natureza, defensores da tortura e dos torturadores, utilizam a mentira e a violência como método! Não há decência ou respeito nestas posições...

Anônimo disse...

Tudo piorou com o bozo! TUDO.
MISÉRIA, DESEMPREGO, ÓDIO ETC.
O Brasil piorou com o pior presidente q este país já teve.

Paulo dos Santos Andion disse...

CONTINUAM TRATANDO NOVOS PROBLEMAS COM VELHOS REMÉDIOS