sábado, 1 de outubro de 2022

Maria Cristina Fernandes - O desmonte da propaganda bolsonarista

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Concebida para a desconstrução de agendas e valores, a propaganda bolsonarista se mostrou ineficaz na divulgação do governo e acabou por reforçar a agenda de seu principal adversário

A duas semanas do primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro apareceu no horário eleitoral para falar do GraphoGame, um aplicativo para auxiliar na alfabetização de crianças. A fala do presidente-candidato foi seguida por uma criança que falava como aprendeu a formar palavras com o aplicativo. Sugeria uma solução para recuperar o atraso da educação das crianças na pandemia que poderia ter sido adotada dois anos atrás não fosse a incúria governamental. Foi uma das poucas propostas surgidas numa campanha marcada pelos valores que o bolsonarismo acredita professar e pela desconstrução daqueles de seus adversários.

O atraso não era sinal, mas sintoma. Revelava o ruído da comunicação de um grupo político que não chegou ao poder para governar, mas para desfazer. Num dos programas de sua reta final de campanha, Bolsonaro surgiu orgulhoso para apresentar como feito a retirada de 4 mil radares das estradas brasileiras. Na tentativa de pautar a agenda pública com propostas ou feitos do seu governo, reforçou a agenda alheia. Foi isso que aconteceu com o Auxílio Brasil, por exemplo. Mesmo que as peças publicitárias deixassem claro que o programa tinha chegado para substituir o Bolsa Família, a ênfase só reforçou a agenda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que permaneceu à frente, em todas as pesquisas, no público que recebe o benefício.

Por isso, nos últimos dias, restou à campanha bolsonarista voltar à sua zona de conforto, a desconstrução, especialmente de reputações. Numa das mais virulentas peças da campanha, um casal discute um tratamento de fertilização. A mulher fala de Roger Abdelmassih e o marido reage: “Mas ele foi condenado em várias instâncias, com um monte de testemunhas, a não sei quantos anos de prisão por ter estuprado umas 50 mulheres”. A mulher contesta: “A verdade é que ele não deve mais nada à Justiça, foi tudo anulado”. A mulher desafia o marido que, àquela altura, já mostrava a camiseta estampada com um Lula barbudo por baixo do casaco: “Eu realmente não seria capaz de confiar num homem como esse”.

Ao publicar o comercial, o senador Flavio Bolsonaro (PL-RJ) comentou: “Você escolheria para cuidar de sua esposa, mãe ou filha um estuprador que foi ‘descondenado’? Não? Então não vote num ‘descondenado’ por roubar, porque ele vai te estuprar de novo!”. O vídeo teve um pouco mais de 70 mil “curtidas” no Instagram do filho mais velho do presidente, desempenho aquém das peças publicitárias do grupo - seja pela duração (2 minutos), longa para seu público, seja pela mensagem subliminar demais para os fins a que se destinava.

Parecia improvável quatro anos antes que o fenômeno do marketing político mundial, capaz de arrancar 57 milhões de votos valendo-se de redes sociais, fosse se perder quando passou a dispor de dinheiro e tempo de TV. Mas foi isso que aconteceu. Do dia em que começou a propaganda eleitoral até a eleição, a intenção de votos de Bolsonaro não se mexeu. A de Lula também não, mas era o presidente quem, por estar atrás, precisava ter se alavancado.

No desajuste entre meio e mensagem, ficou evidente que aquele casamento de 2018, de uma campanha que furou a intermediação de partidos, associações, sindicatos e lideranças, simplesmente não tinha como se reproduzir. Em “O ovo da serpente - Nova direita e bolsonarismo: seus bastidores, personagens e a chegada ao poder” (Cia das Letras, 2022), a jornalista Consuelo Dieguez descreve os primórdios da ascensão de Bolsonaro ao poder. Fica claro que a fórmula estava fadada a não se repetir.

A jornalista escolhe um ícone do bolsonarismo raiz, Alex Melo, um pequeno fabricante de painéis de sinalização de Fortaleza, para mostrar como tudo começou. Melo havia acordado para a política em 2013, na esteira das manifestações que desaguaram no antipetismo. Formou um grupo (“Brasil Indignado”) de pessoas que pensavam parecido e, com elas, passou a trocar mensagens pelo WhatsApp. Em julho de 2015 recebeu uma mensagem de voz em seu celular. Era Jair Bolsonaro.

O então deputado federal havia entrado no grupo e estava acompanhando as discussões quando resolveu mandar uma mensagem diretamente para o empresário: “Estou vendo que você tá com o coração aberto para o Brasil. É o meu caso (...) Quero vir para presidente. Eu não posso dizer mais do que isso aqui porque a multa da esquerda é pesada (...) Vou continuar te ouvindo aqui. Um dia a gente pode se conhecer”.

Esse dia chegou. Alex, que ficou em êxtase com a mensagem, achando que havia recebido um sinal de Deus de que sua mobilização estava no rumo certo, acabaria recebendo um telefonema do próprio Bolsonaro numa tarde de sábado - “Ô Alex, estou na estrada. Meu carro quebrou e eu resolvi te ligar pra gente falar de política”. A partir daí a comunhão de valores anticomunistas, a favor da ordem, da família tradicional, da liberação de armas, dos militares e da defesa da propriedade privada só cresceu.

Alex se transformaria num ativista bolsonarista. Reuniria uma comitiva para aguardar o pré-candidato no aeroporto de Fortaleza e passaria a viajar para as cidades que Bolsonaro visitava para reproduzir suas táticas de mobilização. Fracassou em suas próprias campanhas, quando tentou se eleger vereador e deputado estadual, mas deu, ao bolsonarismo, esse caráter “raiz” de mobilização que, durante muito tempo, passou batido pelo resto da política e pela imprensa.

Um outro entrevistado do livro, não identificado pela jornalista porque rompido com o bolsonarismo, conta que corroborou para a falta de compreensão do fenômeno a ideia de que se tratava de um movimento de robôs: “O robô só manda a informação. O que gera ativismo é o compartilhamento e, para isso, é preciso que os seguidores interajam com as redes. E não se interage com robôs”.

Foi essa interação que provocou um dos fenômenos da campanha de 2018. A uma semana do primeiro turno, o movimento “EleNão” tomou as ruas do país num momento em que Fernando Haddad aparecia à frente de Bolsonaro em simulação de segundo turno das pesquisas. Até o começo da tarde, 90% das redes apontavam uma interação mais positiva para o candidato do PT. No início da noite, a coisa virou. A campanha bolsonarista já tinha um material pronto antes mesmo de a manifestação ter início e começou a inundar as redes com cenas de mulheres nuas em defesa do aborto antes que as ruas se esvaziassem.

A mesma tática foi usada este ano com o debate da TV Bandeirantes. Quando o debate acabou, os melhores momentos de Bolsonaro já estavam todos editados e foram ao ar de imediato. A campanha de Lula, que teve ali seu pior desempenho televisivo, demoraria horas para reagir e só soltaria os primeiros vídeos quando a campanha bolsonarista já havia consolidado a narrativa de seu fracasso no embate.

Sem conseguir superar a agilidade da campanha bolsonarista nas redes, mesmo com mais gastos de impulsionamento de conteúdo, o lulismo tomaria a dianteira em outros momentos. Um exemplo foi quando, copiando a tática do adversário, o candidato petista mandou uma mensagem para a cantora Anitta, que a colocou no ar durante entrevista a um podcast. Se Bolsonaro, em 2018, “mitou” entre jovens com uma estética da “zoação”, Lula flertou com o mesmo caminho, principalmente no Tik Tok.

Alex Melo continua na estrada, mais uma vez como candidato a uma vaga na Assembleia Legislativa pelo PL. O presidente ganhou um candidato competitivo ao governo do estado, capitão Wagner (União), que, apesar de ter ascendido na esteira do bolsonarismo, mantém uma distância regulamentar da campanha presidencial. Nenhuma pesquisa indica que Bolsonaro tenha vantagem no Ceará ou em qualquer estado do Nordeste, região em que a miséria cresceu mais no que na média do país. Pesou contra não apenas a dificuldade de dar autenticidade à estética mambembe que tanto legitimou a propaganda bolsonarista entre seus apoiadores “raiz”, quanto a validade do produto em questão.

A Secretaria de Comunicação da Presidência se engajou na propaganda via grupos de WhatsApp formatando a divulgação de programas de governo, mas não apenas. Denominados “Saiba tudo!”, grupos criados pela Secom, de até 200 participantes, proliferaram, no 7 de setembro, mensagens sobre a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, em 1964, e a derrota da Intentona Comunista em 1935.

Ao longo de todo o governo, Bolsonaro fez dos cercadinhos a matriz de sua propaganda com assessores que transmitem ao vivo suas falas. No penúltimo debate da campanha, no SBT, quando, na ausência de Lula, foi o mais atacado, foi abordado na saída do estúdio pelos jornalistas e valeu-se do tenente-coronel Mauro Cid, seu ajudante de ordens com farda militar, a segurar um celular com transmissão ao vivo, para dar sua versão sobre o debate. Foi este ajudante de ordens que, na reta final da campanha, acabaria como investigado da Polícia Federal por transferências suspeitas no gabinete do presidente.

O maior sinal de desnorteio da reta final da propaganda bolsonarista foi a tentativa de censura à história dos 51 imóveis da família comprados com dinheiro vivo, dos jornalistas Juliana Dal Piva e Thiago Herdy, do Uol. A polêmica gerada pela censura determinada por um desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal acabou por divulgá-la ainda mais, atingindo o coração do discurso anticorrupção do bolsonarismo.

Ao longo do governo, Bolsonaro valeu-se do sigilo de 100 anos para barrar a repercussão de notícias negativas - da corrupção à incúria com a pandemia. Na campanha já não teve como segurar a porteira. Enquanto esteve restrito a remediar a família, o “Negócio do Jair”, que deu título do livro de Juliana Dal Piva (Zahar, 2022), trouxe-lhe um bom retorno. Mas nenhuma propaganda seria capaz de dar alma ao prejuízo que a expansão deste negócio causou ao país. Radicalizou seu séquito, mas não foi capaz de ampliá-lo.

4 comentários:

Anônimo disse...

"a propaganda bolsonarista se mostrou ineficaz na divulgação do governo" do bozo

A verdade, sra, é q o governo bozo NADA tem a mostrar de realizações simplesmente porque NAO REALIZOU NADA!
O astronauta fez o q? NADA
Os vários ministros da educação fizeram o q, além das bíblias, do ouro, dos pneus? NADA
Guedes fez o q na economia? Este fez? Trabalha insensantemente pra reeleger o bozo às custas do país, q teve inflação e desemprego e miséria mais elevados do q os demais países.

O gado pode escrever neste blog as realizações do desgoverno bozo é provar q aou injusto - fica aqui o desafio. Ah, não vale dizer q bozo acabou com a corrupção sem explicar a propina das vacinas, do ouro, dos pneus, das rachadinhas; do Bolsolão, do orçamento secreto etc.

Anônimo disse...

"Por isso (POR NAO TER REALIZAÇÕESA MOSTRAR), nos últimos dias, restou à campanha bolsonarista voltar à sua zona de conforto, a desconstrução, especialmente de reputações"

Exato. Restou, ao bozo, mentir. Nisso o desgoverno bozo é craque.

Anônimo disse...

A colunista tem razão! Os papagaios bolsonaristas estão descontrolados, batendo cabeça uns nos outros, enquanto o genocida atira pro chão e acerta seguidamente as próprias patas. E pensar que essa cambada de milicianos mentirosos e incompetentes nos governou nos últimos 45 meses... Cadeia pro genocida!

ADEMAR AMANCIO disse...

Misericórdia!