O Globo
É bom que haja vários candidatos no
primeiro turno. São várias oportunidades para o eleitor encontrar seu lugar
No tempo da ditadura, a gente podia votar
para deputado e senador. Eleições controladas, claro, a começar pela escolha
limitada aos dois partidos autorizados pelo regime: a Arena, governo, e o MDB,
oposição consentida. A cada eleição, as esquerdas encaravam dilemas: votar no
MDB, anular ou boicotar o pleito?
Argumentos pró e contra: votar no MDB
sedimentava o caminho da oposição, mas também legitimava o sistema.
Anular parecia bom, mas nem tanto, porque o
regime certamente impediria a divulgação do número e do teor desses votos.
Pregar o boicote total — não compactuar com
a farsa eleitoral — também parecia bom, mas arriscava ser um enorme fracasso,
mesmo porque era difícil fazer essa propaganda.
Finalmente, havia a regra não escrita de
que o MDB jamais poderia fazer a maioria, pois, se fizesse, haveria cassações
de mandatos em número suficiente para devolvê-lo à minoria.
Nas primeiras eleições, prevaleceu entre as
esquerdas a tese do voto nulo, com a palavra de ordem “abaixo a ditadura”
escrita na cédula. Sim, a cédula era de papel, e a gente tinha de escrever nome
ou número do candidato. Ou o protesto.
Nos debates nos grupos de esquerda, um colega sempre se colocava a favor do voto no MDB. Derrotado, dizia que seguiria a orientação central, mas manifestaria seu desacordo. Assim, escrevia na cédula: “abaixo a ditadura, mas sou contra o voto nulo”.
Conto essa história para dizer que toda
eleição propõe — ou deveria propor — diversas possibilidades, especialmente
quando o sistema é de dois turnos.
Aqui vale considerar o espírito francês: no
primeiro turno, vota-se com o coração; no segundo, com a razão.
Votar com o coração ou com a alma abre um
amplo leque. Pode-se votar no candidato que fala mais a suas ideias, mas também
a seus sentimentos, a sua história, a suas expectativas. Por isso é bom que
haja vários candidatos no primeiro turno. São várias oportunidades para o
eleitor encontrar seu lugar.
Daí, e já tratando desta eleição, é
fascista quem diz:
— Ou você vota no Lula ou é fascista.
E tem cabeça de ditador quem diz:
— Quem não vota no Bolsonaro é contra a
liberdade.
Não é preciso pensar mais que alguns minutos
para entender que eleitores de Ciro, Simone e D’Ávila obviamente não são nem
fascistas nem inimigos da liberdade.
Assim como quem escolhia votar no MDB não
fazia isso para endossar o regime, mas para apoiar os políticos que se
arriscavam a ficar na oposição. Ainda assim, o voto nulo ou o boicote também
eram opções legítimas, se o eleitor quisesse mostrar total desacordo com o
sistema e/ou com os candidatos.
Assim hoje, muito mais hoje. Quando se diz
que o eleitor é livre, isso quer dizer que ele tem todas as opções à sua
disposição, podendo escolher conforme o coração ou a razão.
Isso resolve o primeiro turno.
E no segundo? Claro que surge uma nova
alternativa: votar no menos ruim. Mas todas as outras opções continuam válidas,
mesmo quando o eleitor decide escolher pela razão. Ele pode racionalmente
entender que os dois candidatos não chegam nem perto de suas ideias e
sentimentos ou, pior, que se opõem frontalmente a sua visão política e
histórica. Nesse caso, anular o voto ou abster-se são opções legítimas, puro
exercício da liberdade num regime democrático.
Os maiores danos à liberdade individual e
ao direito democrático coletivo são causados por aqueles que colocam a faca no
pescoço do outro e exigem tal ou qual voto, tal ou qual comportamento. O que é
a ditadura se não isso, impor decisões ao outro?
Perguntaram a Tiago Leifert:
— Se colocarem o revólver na sua testa e
disserem “escolha um candidato”, quem você escolheria?
Ele disse:
—Pode atirar.
Resposta de quem preza a liberdade. A
pergunta é de ditador.
O debate da Globo confirmou: há muitas
opções para o voto deste domingo, muito além da polarização, muito além das
teses do candidato único. O coração e a razão têm muito o que dizer. Escutem.
Um comentário:
"É bom que haja vários candidatos no primeiro turno. São várias oportunidades para o eleitor encontrar seu lugar"
É bom q haja vários BONS candidatos.
Mas broxonazi e padre laranja são péssimos.
LULA PRESIDENTE AMANHÃ!
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