quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Cristovam Buarque* - Lula: três pontes

Correio Braziliense,01/11/22

Lula está na história do Brasil como o líder sindical de origem pobre, que chega à Presidência e se afirma como um dos grandes presidentes da nossa República. Com sua eleição para o terceiro mandato, ele se transforma no maior sucesso eleitoral entre todos os políticos brasileiros, até hoje e por muitas décadas no futuro. Pode ser também o maior de nossos presidentes ao construir três pontes de que o Brasil carece.

A primeira ponte é para recuperar a unidade política e emocional entre os brasileiros e construir coesão nacional. Estamos divididos regionalmente, religiosamente, racialmente e até na preferência musical. Um país dividido em partes que se rechaçam e até se odeiam. Lula tem o desejo, a responsabilidade e a competência de reunificar o Brasil. Seu discurso na hora da vitória foi no sentido de voltar o diálogo, fazer com que famílias e amigos conversem sobre política e futuro sem rancor e sem distanciamento; que católicos e evangélicos se sintam igualmente cristãos e respeitem judeus, muçulmanos, espíritas, umbandistas, budistas e ateus; que nenhum brasileiro deixe de respeitar a outro por causa de seu gênero ou sua orientação sexual, seu partido político ou o líder de sua preferência; todos solidários na brasilidade e no humanismo.

A segunda ponte é social, entre as partes historicamente apartadas, que sempre dividiram o país entre escravos e libertos, índios e europeus, brancos e negros, sobretudo entre pobres e ricos, no sistema de apartheid social, nossa apartação brasileira. Por suas políticas sociais em favor dos pobres, Lula é chamado de Mandela do Brasil. Ainda mais por ter saído da prisão para ser eleito presidente, sem rancor e com discurso de unidade. Ele é o único brasileiro com condições de ser o condutor da "desapartação": abolir a segregação social que joga 100 milhões de pessoas na pobreza e aprisiona centenas de milhares em condomínios cercados, deixando outros sem saber de que lado ou em que Brasil viverão seus filhos. Tudo indica que a ponte social virá da escola de qualidade igual para todos.

Nos dois governos anteriores, Lula implantou programas que permitiram aumentar o número de universitários, muitos que antes nem sonhavam com essa chance. Agora, Lula é o único que tem condições de implantar a grande reforma capaz de eliminar o analfabetismo de adultos e garantir que todo brasileiro tenha chance de concluir o ensino médio com qualidade, fazendo um país alfabetizado para a contemporaneidade. Nenhum outro político brasileiro tem liderança para assegurar um sistema escolar com a mesma qualidade, independentemente da renda e do endereço da família: não mais escolas senzala e escolas casa grande. A educação de base deve ser uma questão nacional e federal, de responsabilidade do presidente, independentemente do município da criança. A ponte social deve eliminar todos os deficits sociais, fazendo com que nenhum brasileiro seja condenado a sobreviver abaixo de um piso da pobreza. Além do pilar da educação de base, a ponte social requer reajuste do salário mínimo acima da inflação, a retomada do crescimento, um grande programa de emprego para aqueles que a economia formal não absorve, a garantia de água e esgoto em todas as moradias, o financiamento para a construção de casas.

A terceira ponte é em direção ao desenvolvimento eficiente, justo, sustentável, para o Brasil ser uma nação rica, protagonista no mundo, conforme nosso tamanho geográfico, demográfico e econômico. Lula tem vocação, legitimidade e competência para trazer coesão no presente e orientar o rumo ao futuro. Definir as bases necessárias para termos uma economia eficiente, graças à previsibilidade e à confiabilidade que ele mesmo cita como os fundamentos da economia. Para isso, certamente repetirá a responsabilidade fiscal que caracterizou seus dois governos, investirá para aproveitarmos a janela de oportunidade que a crise ecológica oferece, e a grande janela de oportunidade que surgirá de uma população educada para os tempos atuais, com produtividade econômica, capacidade de inovação, competitividade internacional e participação social e política, além de criação cultural. Lula pode trazer o entendimento para um novo tipo de desenvolvimento, onde a superação da pobreza, o fortalecimento da democracia e a conservação da natureza, especialmente a Amazônia, sejam vistos como propósitos. Lula tem o preparo para aproveitar a terceira eleição e construir as três pontes de que o Brasil precisa.

*Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)

8 comentários:

Anônimo disse...

Excelente texto do professor Cristovam! Tomara que Lula consiga construir as 3 pontes apontadas pelo colunista!

ADEMAR AMANCIO disse...

Pontes para o futuro onde Bolsonaro só construiu muros.

Anônimo disse...

Educar, politicamente, o povo para que possam avaliar e exigir politicas públicas que o País necessita.

Anônimo disse...

Importante análise Cristóvão, país poderia ser melhor se vc não tivesse contribuído para a interrupção do projeto em 2015, aliando as piores forças políticas do país.

Lúcio Flávio disse...

Muito bem Cristovam! É isso aí. Três pontes que podem tornar o Brasil no país que sonhávamos ainda na década de 70. Seu alinhamento, desde a primeira hora, com a candidatura de Lula para derrotar o fascismo de Bolsonaro me fez lembrar, com algumas adaptações, da parábola do filho pródigo, Grande abraço

Anônimo disse...

Leio todos os textos do Professor Cristovam em sua defesa da Educação no Brasil. Tenho esperança que seja o próximo Ministro da Educação para implantar sua corretíssima pregação para salvar milhões da miséria da baixa qualidade de nossa educação. Que adianta viabilizar um curso de Direito para que nunca aprendeu nossa Gramática ou Engenharia para quem nunca aprendeu Matemática?

Paulo Bezerra disse...

Utopias à parte, este é o comentário de um dos grandes pensadores brasileiros que sempre admirei.
Parabéns, mestre Cristóvão.

Aylê-Salassié disse...

Prezado,
Meus parabéns. Acho que temos aí, no seu artigo, algo de lucidez, objetivo. Darcy Ribeiro dizia, ao falar da consciência crítica: "Nosso caminho não será soviético, nem o japonês, nem o canadense. Ninguém revive a história alheia". Temos massa crítica suficiente para conduzir este País. O que tem faltado é ética, honestidade e bom senso. Vamos torcer para que encontremos o caminho do Brasil. Não é bem encontrar algo novo (uma aventura: seja do espírito, da ideologia ou do capital), mas algo novo naquilo que todo mundo conhece (Shopenhaeur).