Pronunciamento de Bolsonaro traz sensação de alívio
O Globo
Ele demorou a se manifestar, mas aceitação
tácita do resultado das urnas deverá esvaziar atos golpistas
Mais de 44 horas depois de o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) anunciar a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva (PT) na corrida ao Planalto, o presidente Jair Bolsonaro fez ontem à
tarde um rápido pronunciamento em que legitimou o resultado. Agradeceu os 58
milhões de votos que recebeu no segundo turno e desautorizou manifestações que
restrinjam o direito de ir e vir —referência aos bloqueios de caminhoneiros que
fecharam estradas e provocaram transtorno nos últimos dias. “Somos pela ordem e
pelo progresso”, afirmou. “Enquanto presidente da República e cidadão,
continuarei cumprindo todos os mandamentos da nossa Constituição.”
Em nenhum momento Bolsonaro questionou o resultado nem fez menção a qualquer tentativa de contestação judicial. Ao contrário, fez em seguida uma visita ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde, pelo relato de ministros, disse que “acabou”. Em seu pronunciamento, Bolsonaro afirmara ainda que, apesar de rotulado como antidemocrático, sempre jogou “dentro das quatro linhas da Constituição”. Após o breve discurso, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, informou ter sido autorizado a conduzir a transição para o novo governo. Na prática, apesar da saída inusitada —derrotados nas urnas costumam dar parabéns aos vencedores —, foi um reconhecimento implícito de Bolsonaro de que perdeu e entregará o cargo a Lula.
A demora dele para se pronunciar acabou
insuflando o movimento dos caminhoneiros, repudiado por lideranças da categoria
e por entidades como a Confederação Nacional dos Transportes (CNT). O caráter
golpista dos atos ficou evidente nos vídeos publicados pelos manifestantes
pedindo intervenção militar e dando a entender que aguardavam apenas um sinal
do líder máximo para agir. Felizmente, o recado do presidente foi claro.
Espera-se agora que o movimento se esvazie.
É consenso entre cientistas políticos a importância da palavra do líder
populista para insuflar ou sufocar esse tipo de ato — como ficou claro nos
Estados Unidos com a mobilização trumpista em desafio ao resultado das urnas em
2020. Se os caminhoneiros esperavam apoio de Bolsonaro, ele deixou claro que só
está do lado de manifestações pacíficas que não violem a lei.
As autoridades não podem hesitar no combate
ao golpismo, sob pena de deixar o monstro crescer. Estradas não podem ser
bloqueadas, pois isso atenta contra o direito constitucional de ir e vir.
Diante da inação inicial, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal
Federal (STF), teve de determinar que a Polícia Rodoviária Federal (PRF)
desbloqueasse as vias e ontem autorizou as Polícias Militares a efetuar multas
e prisões mesmo nas vias federais. É lamentável que o Supremo tenha precisado
mandar a polícia fazer seu trabalho. Mas aos poucos vários pontos foram
desbloqueados. É preciso acelerar a liberação das pistas, pois há relatos de
desabastecimento em supermercados e postos de gasolina.
Além do desbloqueio das estradas, as
autoridades precisam investigar o movimento e desarticular as redes de
desinformação que o alimentam. Empresas como a Meta (dona do WhatsApp) e
instituições como STF e TSE dispõem de meios para isso. A votação no Brasil foi
limpa, e a maioria escolheu Lula para governar o país pelos próximos quatro
anos. A eleição acabou. O país tem de seguir adiante.
Governo faz bem em dar início à transição
ao novo mandato de Lula
O Globo
Quanto mais informada estiver a equipe do
presidente eleito, mais apta estará a tomar as melhores decisões
Quem tem mais a ganhar com uma transição de
governo ordeira e eficiente é o povo brasileiro. Quanto mais informada estiver
a equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva sobre a real situação
do país, mais apta estará para tomar as melhores decisões já nos primeiros dias
de janeiro. Por isso é bem-vindo o anúncio do ministro da Casa Civil, Ciro
Nogueira, de que o presidente Jair Bolsonaro o autorizou a dar início à
transição. Nogueira já havia conversado com a presidente do PT, deputada Gleisi
Hoffmann, na segunda-feira. Ontem ela anunciou que o vice-presidente eleito
Geraldo Alckmin será o coordenador da equipe de transição do próximo governo. A
própria Gleisi e o ex-ministro Aloizio Mercadante também farão parte do grupo.
Garantir a transparência para quem chega é
benéfico por acabar com o hiato dos primeiros meses em que um novo governo toma
pé da situação. No momento atual, isso é ainda mais urgente. No plano interno,
a incerteza orçamentária para 2023 exige máxima atenção. No exterior, é iminente
o risco de uma recessão afetar parte considerável da economia global. Não há
tempo para futricas, omissão de informações, comunicação truncada ou falta de
cooperação.
Os aumentos de despesas já aprovados e os
prometidos na campanha eleitoral furam o teto de gastos, instrumento usado para
impedir a alta do endividamento do país. De alguma forma, o Orçamento de 2023
terá de ser refeito pelo Congresso. Para controlar a dívida no médio e longo
prazos, o novo governo precisará encontrar uma nova âncora fiscal. Sem ela, o
câmbio não se estabilizará, e será mais complicado baixar a inflação e os
juros. Por isso é crucial que a nova equipe de governo conheça em detalhes os
números do Ministério da Economia.
Devido ao ambiente global, essa tarefa não
permite atrasos. Pelas previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI),
aproximadamente 30% da economia mundial atravessará pelo menos dois trimestres
consecutivos de contração neste ano ou em 2023 — o equivalente, tecnicamente, a
uma recessão. Nos próximos três anos, o PIB global poderá perder cerca de US$ 4
trilhões. Confirmado o cenário, seria como se uma economia comparável à alemã
virasse pó.
A lei que regulamentou a transição é de
2002. De lá para cá, o diálogo e a parceria entre as equipes de saída e prestes
a assumir se tornaram tradição na política nacional. Marcaram o final do
segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso depois da primeira vitória de Lula
e também o relacionamento entre os governos de Michel Temer e Bolsonaro após a
eleição de 2018.
A atual administração não tem apenas o dever de estabelecer altos padrões de civilidade com o campo aclamado pelas urnas no domingo. É preciso que permita um amplo e minucioso diálogo nos próximos dois meses. Fazer isso não é favor, mas obrigação legal. Além de um dever moral de quem diz buscar o melhor para o país.
Sem esperneio
Folha de S. Paulo
À falta de opção, Bolsonaro reconhece a
derrota na eleição e desencoraja arruaça
O
pronunciamento de Jair Bolsonaro (PL) sobre o resultado da
eleição deve ser compreendido como um reconhecimento tácito de que não existe
nada que ele possa fazer para reverter a derrota sofrida.
Ao quebrar quase dois dias de silêncio
nesta terça (1º), Bolsonaro agradeceu aos 58 milhões de eleitores que o
sufragaram, festejou o avanço de seus aliados no Congresso Nacional e destacou
o surgimento de novas lideranças da direita.
Não mencionou o adversário vitorioso, o
presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas prometeu cumprir a
Constituição como presidente da República e como cidadão. Com o anúncio do
processo de transição de governo, feito em seguida pelo ministro Ciro Nogueira,
da Casa Civil, a derrota estava reconhecida.
Ao mencionar os manifestantes
antidemocráticos que, inconformados com o resultado das urnas, bloquearam
estradas em vários pontos do país nos últimos dias, considerou sua indignação
justificada, mas repudiou o cerceamento imposto à liberdade de ir e vir.
A arruaça teve início na noite de domingo
(30), quando se conheceu a definição do segundo turno, e se alastrou com
intensidade no dia seguinte, causando
prejuízos e transtornos em toda parte.
No episódio, a atuação dos agentes federais
responsáveis pela segurança nas rodovias gerou não poucas dúvidas e críticas,
inclusive no Ministério Público Federal.
Por dois dias, o silêncio do presidente
alimentou boatos, fantasias golpistas e teorias conspiratórias de todo tipo,
talvez encorajando alguns seguidores mais fanáticos a engrossar os protestos
inúteis, como se o país estivesse à beira de uma conflagração.
Dada a omissão de autoridades, foi
necessário que a cúpula do Poder Judiciário impusesse a lei contra a baderna,
determinando a desobstrução imediata das estradas e autorizando o emprego das
polícias militares estaduais para tanto.
O plenário do Supremo Tribunal Federal
formou em minutos a maioria necessária para referendar a correta decisão do
ministro Alexandre de Moraes, que mandou agir contra os desordeiros na segunda
(31). A normalidade começou a voltar horas após a entrada das polícias
estaduais em ação.
Enquanto Bolsonaro se mantinha recluso no
Palácio da Alvorada, magistrados, líderes do Congresso, governadores e
empresários se mobilizaram para restaurar a ordem e convencê-lo a fazer seu
pronunciamento.
A demora do gesto decerto não engrandeceu a gestão de Bolsonaro, mas isso não importa mais.
Cores em jogo
Folha de S. Paulo
Infrações a direitos humanos no Qatar
causarão polêmica previsível na Copa
Quando, em 2010, o Qatar foi escolhido para
a sede da Copa do Mundo de futebol de 2022, o então presidente da Fifa, Joseph
Blatter, foi questionado sobre a repressão à comunidade LGBTQIA+ vigente
naquele país. Em tom de piada, respondeu: "Acredito que [homossexuais]
deveriam simplesmente abster-se de qualquer atividade sexual".
A declaração foi rechaçada, com razão, pela
comunidade gay internacional; logo em
seguida, Blatter voltou atrás e pediu desculpas.
Brincar sobre assunto tão sério já era um
indício de que a Fifa se recusava a ver o elefante no meio da sala que é a
escolha de países com governos autocratas, como a Rússia, ou teocratas, caso do
Qatar, para sediar o Mundial.
Na Rússia também havia, e ainda há, forte
preconceito contra homossexuais, inclusive com ações de Estado, como a lei que
proíbe o que o governo chama de "propaganda gay" para crianças.
Mas quase nada se compara ao Qatar. Na
península árabe de cerca de 3 milhões de habitantes, a relação entre pessoas do
mesmo sexo é crime punido pela Sharia, a lei do direito islâmico. As penas vão
de um a três anos de prisão, mesmo para estrangeiros.
Em abril, um dos dirigentes do comitê
organizador no país, general Abdulaziz Al Ansari, disse que as bandeiras com as
cores do arco-íris, símbolo LGBTQIA+, serão proibidas durante os jogos. O
argumento foi a proteção do torcedor: "Se eu não fizer isso, alguém poderá
atacá-lo. Não posso garantir o bom comportamento de todos".
Na semana passada, porém, a Fifa comunicou
que as bandeiras serão permitidas. Ao menos até agora, essa é a regra vigente.
Mesmo assim, como forma de protesto, oito
seleções europeias, entre elas a inglesa e a alemã, anunciaram no mês passado
que seus capitães
usarão braçadeiras com as cores do arco-íris em campo.
A escolha de Qatar e Rússia faz parte do
projeto da Fifa de divulgar a competição em regiões de menor tradição no
esporte. De fato, para o futebol, pouco importa o regime de governo e há
amantes do esporte em todo o mundo.
Entretanto seria ingenuidade desconsiderar
os efeitos simbólicos dessas escolhas. Sediar um evento de prestígio como a
Copa em lugares que infringem os direitos humanos pode ser visto como espécie
de chancela a esses regimes.
A confusão está criada, e o maior evento de futebol do planeta começa em 18 dias. Desta vez, cabe torcer não apenas para as seleções nacionais, mas também para que direitos humanos fundamentais sejam respeitados.
O esperneio dos arruaceiros
O Estado de S. Paulo
Bolsonaro enfim se pronuncia sobre a eleição – para se queixar de ‘injustiça’ e justificar a baderna de bolsonaristas; entrementes, Ciro Nogueira inicia transição com os petistas
O presidente Jair Bolsonaro afinal se
pronunciou, ontem, sobre as eleições em que perdeu para o petista Lula da
Silva, no domingo passado. Fiel a seu espírito antidemocrático, não cumprimentou
o vencedor. Ao contrário, sugeriu que foi derrotado pelo que chamou de
“sistema”, que teria reservado a ele um tratamento “injusto”. Em outras
palavras, não reconheceu a lisura do processo eleitoral – como, aliás, fez
durante toda a campanha, sem apresentar provas.
Pior: com isso, justificou a baderna dos
bolsonaristas golpistas que resolveram trancar estradas desde domingo para
protestar contra a vitória de Lula. Segundo Bolsonaro, esses arruaceiros estão
movidos por um “sentimento de indignação” – e se limitou a dizer que “os nossos
métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população”. Não
houve nenhum apelo explícito para que a baderna cessasse.
Esse pronunciamento tardio nem era
necessário, pois a legitimidade da vitória de Lula não dependia da aceitação
formal do presidente. E, a bem da verdade, Bolsonaro já havia se pronunciado
sobre o resultado da eleição – não por meio de palavras, mas por intermédio
desses camisas pardas que, com a omissão da Polícia Rodoviária Federal (PRF),
devidamente cooptada pelo bolsonarismo, resolveram infernizar a vida dos
brasileiros para manifestar sua insatisfação com a derrota de seu líder.
Essa crise foi diligentemente construída ao
longo dos últimos quatro anos. Enquanto se dizia um herói da liberdade e da
Constituição, farsa que só tapeou quem se deixou tapear, Bolsonaro disseminou
um discurso golpista segundo o qual a sua derrota só poderia ter como causa um
complô do tal “sistema” – isto é, as instituições que fizeram prevalecer a lei contra
seu golpismo. Disso adveio a desqualificação da imprensa profissional e
independente, das instituições republicanas e do sistema eleitoral. Aí estão as
consequências.
Mas o País, a despeito de Bolsonaro,
continua a ser um Estado Democrático de Direito, razão pela qual é
absolutamente inaceitável que a PRF não tenha agido com o devido rigor para
impedir que essa súcia de bolsonaristas bloqueasse estradas Brasil afora. Todos
os responsáveis por esse levante contra a vontade da maioria dos eleitores declarada
nas urnas devem ser severamente punidos na forma da lei, a começar pelo
diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, apoiador declarado do presidente da
República e, no mínimo, negligente em relação aos delinquentes.
Eis o grau de absurdo da situação: o Supremo
Tribunal Federal (STF) teve de ser acionado para autorizar que as Polícias
Militares nos Estados cumprissem a lei e liberassem as estradas, diante do que
o ministro Alexandre de Moraes classificou, corretamente, como “omissão e
inércia” da PRF.
Os bolsonaristas vivem a se queixar do
suposto “ativismo” do Poder Judiciário, mas o STF só foi chamado para intervir
na questão dos caminhoneiros porque o Poder Executivo se omitiu e porque o
diretor-geral da PRF se comporta como chefe de uma milícia a serviço de
Bolsonaro, e não como chefe de uma instituição armada do Estado brasileiro.
Por fim, mas não menos importante, o
procurador-geral da República, Augusto Aras, inerte diante das flagrantes
violações da ordem jurídica e dos direitos e garantias fundamentais ao longo do
trevoso período bolsonarista, só agiu contra os baderneiros depois de
notificado pelo STF, comprovando sua inaceitável subserviência ao
presidente.
Felizmente, ao que parece, noves fora a
pirraça de Bolsonaro e a baderna dos bolsonaristas, a transição seguirá seu
curso. Logo depois do brevíssimo pronunciamento de Bolsonaro, o ministro-chefe
da Casa Civil, Ciro Nogueira, anunciou aos jornalistas que já havia começado as
tratativas com a equipe do “presidente” (palavras dele) Lula. Desde domingo,
aliás, vários outros políticos ligados ao atual presidente já tratam
explicitamente o futuro governo como uma realidade. Ou seja, enquanto Bolsonaro
e seus camisas pardas esperneiam contra “injustiças” delirantes, a
transferência de poder, para quem interessa, já começou.
Ao vencedor, a armadilha fiscal
O Estado de S. Paulo
O presidente eleito e sua equipe terão de trabalhar rapidamente para atenuar o risco real de graves problemas nas contas públicas logo no primeiro ano de mandato
Encerrada a comemoração, o presidente
eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, tem menos de dois meses para preparar um
início de governo com alguma segurança, sem risco de afundar num enorme buraco
orçamentário. Um dos alertas aponta um desarranjo fiscal de R$ 280,3 bilhões,
em 2023, se a nova administração tentar cumprir todas as promessas penduradas
nas contas públicas. Essa estimativa é da consultoria Tendências. Projeções
diferentes podem ser apresentadas por outras fontes, mas nenhuma é
tranquilizadora. As bondades incluem a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600,
reajuste para os servidores e correção da tabela do Imposto de Renda, entre
outros compromissos. Em busca de popularidade, o presidente Jair Bolsonaro
multiplicou, neste semestre, os gastos sociais e os cortes de impostos, para
proporcionar, por exemplo, combustíveis mais baratos. A desoneração de combustíveis
deve custar ao Tesouro, no ano inicial do novo governo, R$ 52,9 bilhões,
segundo o levantamento da consultoria.
As bondades nem sequer cabem no Orçamento
já esboçado. No projeto enviado pelo Executivo ao Congresso está previsto
Auxílio Brasil de R$ 405. Mas os dois candidatos em confronto no segundo turno
prometeram preservar o valor de R$ 600. Não se espera um recuo do presidente
eleito. Além disso, o custo ainda aumentará, se o número de beneficiários for
ampliado. Qualquer corte de benefícios terá algum custo político. A mudança
menos custosa, por ser a mais fácil de justificar, talvez seja a eliminação ou
redução do benefício aos consumidores de combustíveis. Pelo menos parte dessa
desoneração favorece os proprietários de automóveis, em vez de se concentrar
nas pessoas mais necessitadas.
Além de estourar o Orçamento projetado, as
despesas e renúncias fiscais classificáveis como bondades são incompatíveis com
o respeito ao teto de gastos. O presidente eleito já havia indicado, durante a
campanha, a intenção de abandonar ou reformular o teto constitucional, mas sem
dizer com clareza como seria a nova âncora fiscal. Com esse ou com outro nome,
algum dispositivo é indispensável, no Brasil, para dar previsibilidade e
confiabilidade à gestão orçamentária.
Neste ano, nem sequer se respeitaram normas
básicas e de importância evidente, como a proibição de certas iniciativas em
semestre de eleição. Benefícios foram concedidos amplamente e usados, sem
disfarce, como jogadas eleitorais. Um retorno às normas elementares da
responsabilidade fiscal já será um ganho importante para a política brasileira
e para as condições de manejo das contas públicas.
O presidente eleito e seus auxiliares podem
iniciar seu trabalho acompanhando a tramitação do projeto de lei orçamentária
no Congresso e tentando negociar condições mais seguras para atuação do novo
governo em 2023. O esforço também poderá ser mais amplo e isso dependerá das
decisões estratégicas dos futuros gestores. Enfim, o trabalho de transição,
previsto em lei, poderá contribuir para a nova equipe de governo planejar sua
atuação a partir de janeiro.
O quadro de referências para o projeto de
Orçamento inclui previsões de crescimento econômico de 2,5%, inflação de 4,5% e
taxa básica de juros de 12,5% em 2023. No mercado há muito menos otimismo
quanto à expansão da economia. No último boletim Focus, a mediana das projeções
aponta crescimento de 0,64% para o Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano.
Se esse for o avanço do PIB, a receita tributária poderá aumentar menos do que
estimam os técnicos do Ministério da Economia.
As condições externas, com tensões
inflacionárias e alta de juros no mundo rico, também podem atrapalhar o
desempenho do Brasil. Menor dinamismo dos negócios prejudicará a receita, será
inevitável, e a gestão fiscal ficará muito complicada, especialmente por causa
dos benefícios prometidos na campanha eleitoral. A equipe do presidente eleito
terá de ser rápida e eficiente para garantir um início de mandato com entraves
fiscais menores que aqueles previsíveis neste momento.
O Brasil não é mais um pária
O Estado de S. Paulo
Anúncio da retomada da ajuda norueguesa para preservar a Amazônia simboliza o fim do isolamento do País
O anúncio de que a Noruega retomará a ajuda
financeira para a preservação da Amazônia é bem-vindo e carregado de
simbolismo. Não se trata apenas da perspectiva de liberação de verbas do
bilionário Fundo Amazônia, congelado desde o primeiro ano de governo do
presidente Jair Bolsonaro. O que começa a se delinear, na verdade, é o fim de
uma fase tenebrosa em que o Brasil virou pária ambiental perante o mundo.
Como noticiou o Estadão, foi o
ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Espen Barth Eide, quem anunciou a
intenção do país escandinavo de voltar a aportar recursos para a conservação da
Amazônia. Ele fez isso já no dia seguinte à eleição do petista Luiz Inácio Lula
da Silva para suceder a Bolsonaro a partir de 1.º de janeiro de 2023. Em
entrevista à agência de notícias AFP, o ministro norueguês declarou estar
ansioso para entrar em contato com a equipe do presidente eleito e retomar a
“relação historicamente positiva entre Brasil e Noruega”.
Tal “ansiedade” pela volta do Brasil à cena
internacional como interlocutor e protagonista no enfrentamento das mudanças
climáticas transpareceu na forma como diversos líderes mundiais saudaram a
eleição de Lula. Foi o caso, entre outros, do presidente dos Estados Unidos,
Joe Biden; do primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak; e do chanceler da
Alemanha, Olaf Scholz. A Alemanha, juntamente com a Noruega, é doadora do Fundo
Amazônia, iniciativa lançada em 2008 e cujos recursos já custearam ações de
fiscalização, por parte de órgãos ambientais brasileiros, contra a devastação
da Amazônia.
Em meio ao desmonte das políticas
ambientais iniciado em 2019, o governo Bolsonaro extinguiu o comitê orientador
do fundo, órgão responsável por definir as diretrizes e os critérios de
aplicação dos recursos. Fez isso sem consultar os governos da Noruega e da
Alemanha, que suspenderam as doações. Na época, com sua deselegância habitual,
o presidente Bolsonaro enviou, por intermédio da imprensa, o seguinte recado à
então chanceler alemã, Angela Merkel: “Pegue essa grana e refloreste a
Alemanha, ok? Lá está precisando muito mais do que aqui”.
O resultado é que cerca de R$ 3,5 bilhões
do fundo permanecem parados no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES). Enquanto isso, claro, o desmatamento aumentou. Sob Bolsonaro, o
governo não apenas abandonou políticas ambientais, como abriu mão até de
doações. Dinheiro que teria sido extremamente útil para projetos de conservação
e desenvolvimento sustentável, contribuindo para manter em pé a Floresta
Amazônica.
Não surpreende que a Noruega tenha anunciado a disposição de retomar a ajuda financeira ao Brasil no dia seguinte à eleição. Para marcar suas diferenças em relação a Bolsonaro na área ambiental, Lula da Silva sinalizou a disposição de ir à Conferência do Clima, a COP-27, nas próximas semanas, no Egito. O governo Bolsonaro ainda não acabou, mas a mera perspectiva de seu fim, em janeiro, já desanuviou o clima a respeito das atitudes do Brasil em relação às questões ambientais. O mundo agradece.
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