Correio Braziliense
Os grandes novos problemas são planetários,
mas a solução para cada um deles requer decisões que se chocam com os
propósitos e prazos dos eleitores nacionais
Na COP15, em Copenhague, o presidente Obama
disse que "não há presidente do mundo". Mostrava a dificuldade para
cuidar do problema planetário das mudanças climáticas, usando políticos
comprometidos com suas respectivas nações para atender desejos imediatos e
individuais de seus eleitores.
As revoluções científica, tecnológica e geopolítica
integraram os países e suas populações e criaram problemas que se tornaram
planetários e de longo prazo, mas a política continua restrita a cada país e ao
prazo da próxima eleição.
Não há presidente do mundo, nem diplomata planetário. Os diálogos entre nações continuam sem visão do conjunto dos seres humanos e seu futuro comum. Os grandes novos problemas são planetários, mas a solução para cada um deles requer decisões que se chocam com os propósitos e prazos dos eleitores nacionais.
Mudanças climáticas exigem sacrifícios
nacionais no consumo presente; a pobreza requer decisões, programas e
financiamentos mundiais, que se chocam com a riqueza de cada país; migrações em
massa ferem interesses nacionais em países ricos; os crimes e tráficos são organizados
internacionalmente, mas combatidos nacionalmente.
O mundo deixou de ser a soma de países,
para cada país se transformar em parte do mundo, mas a política continua feita
nacionalmente, com reuniões do tipo COP, onde as nações se reúnem conforme os
interesses de cada uma, representadas por diplomatas treinados para defenderem
seus países. Fracassam porque reúnem presidentes dos países, eleitos por seus
eleitores nacionais olhando para a próxima eleição, não por líderes mundiais
comprometidos com o futuro de longo prazo da humanidade.
Obama alertou que o mundo precisa de
soluções globais, mas a política e os políticos estão presos aos desejos de
seus respectivos eleitores. A Terra e a humanidade não são mais conceitos
apenas de geógrafos e filósofos, mas ainda não são objetos das decisões de
políticos.
O discurso do presidente eleito Luiz Inácio
Lula da Silva na COP27 apresenta a esperança de um estadismo pensando na
humanidade. Ele despontou como um político diferente dos populistas
nacionalistas que se interessam apenas por seus respectivos países e foi além
daqueles que têm o sentimento do mundo, mas continuam presos às fronteiras
nacionais e ao horizonte temporal da próxima eleição. Desponta como candidato a
líder global por seu carisma e seu sentimento humanista, mas sobretudo por ser
presidente de um país síntese: o Brasil é o melhor retrato do planeta e da
humanidade.
Os outros países são mais ricos ou mais
pobres, nossa renda per capita é equivalente à do conjunto dos países, nossa
concentração de renda é tão grave quanto a concentração em escala mundial, e
temos uma massa crítica capaz de pensar e influir no mundo e seu futuro.
Os eleitores e presidentes de pequenas
ilhas que desaparecerão por causa das mudanças climáticas têm a percepção dos
riscos da humanidade inteira para o futuro, mas seus presidentes não têm a
representatividade do nosso país: florestas, população, território, economia,
riqueza e pobreza.
Com sua agenda em Sharm El-Sheikh, Lula
mostrou que as relações internacionais precisam ser complementadas por
paradiplomacia nem governamental, nem nacional representando temas e grupos,
como os povos originários, os pobres, as crianças e as gerações futuras.
A biografia de Lula, a história e geografia
do Brasil permitem que desponte como candidato a estadista planetário. Para de
fato assumir essa posição, é preciso entender que no mundo contemporâneo cada
país é parte do mundo, diferentemente da visão tradicional de que o mundo é a
soma de países.
Formular doutrina de paz não apenas entre
países no planeta, mas dos países com o planeta, não apenas em benefício da
geração atual, mas em benefício também das gerações futuras. Precisa ter
propostas para os problemas do mundo, executá-los com sucesso dentro do Brasil
e dispor de plataformas em organismos e fóruns internacionais que permitam
divulgá-las no mundo.
Obama teve razão quando disse que não há
presidente do mundo, teve razão também quando em outro momento disse:
"Este é o cara!". Falta Lula e nós brasileiros provarmos que o cara é
um estadista planetário capaz de enfrentar nacionalmente os grandes problemas
da humanidade e levar soluções brasileiras para o planeta.
*Professor emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação
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