Valor Econômico
Em Sharm El-Sheikh, elogios a Lula e
críticas ao número exagerado de brasileiros pelos corredores
Tuvalu, no Pacífico sul, é uma nação de nove ilhas. Fica perto de Kiribati, das Ilhas Salomão, de Fiji, daqueles lados do mundo de lá, na perspectiva brasileira. No pequenino país polinésio vivem 12 mil pessoas. Um dado importante: a altura máxima das ilhas é de sete metros. Fica fácil entender por que Tuvalu, Maldivas, Vanuatu e todo o grupo de pequenas nações insulares do Pacífico e do Caribe se tornam estridentes a cada conferência do clima das Nações Unidas. São territórios condenados a serem engolidos pelo mar - se as previsões científicas dos impactos climáticos estiverem, infelizmente, certas - e populações sem futuro em um mundo que aqueça além de 1,5°C neste século.
Nações insulares e outros países
vulneráveis estão na linha de frente da crise do clima e é por isso que um
fundo de “Perdas e Danos” é tão fundamental para os que correm o risco de
perder tudo, não emitem quase gases-estufa, não contribuiram nada para o
problema e são os primeiros a sofrer danos irreversíveis. A decisão de se criar
um fundo para essas situações foi tomada em Sharm El-Sheikh (Egito), na COP27,
um trunfo histórico mesmo se quem colocará dinheiro, quanto e quais os
critérios para acessá-lo é um debate que nem sequer começou.
O drama das pequenas ilhas é só o começo:
excedendo o limite de 1,5°C, o mundo verá surgirem Tuvalus por toda parte. Não
haverá dinheiro que dê conta. Neste quesito, a COP27 não avançou, ao contrário.
O texto final fracassou em não falar explicitamente que o mundo tem que deixar
de usar combustíveis fósseis e deve fazer isso rapidamente. Abrir novas frentes
de exploração de petróleo é colocar em risco tanto o investimento quanto o
planeta.
A Índia fez na COP27 a proposta de o texto
final mencionar uma frase sinalizando “o fim do uso de todos os combustíveis
fósseis” - carvão, gás e petróleo. Os outros não deram bola. A guerra na
Ucrânia tornou a Europa complacente com o maior consumo de gás, uma necessidade
de sobrevivência ao inverno. Os Estados Unidos nem sequer se manifestaram.
O texto final de Sharm não poderia ser mais
esquisito. Diz que o mundo pode ter energias renováveis ao lado de fontes de
energia de “baixas emissões”. O que isso quer dizer, não se sabe. O que está
claro, contudo, é que escrito desta forma o texto deixa uma brecha para
justificar a exploração de combustíveis fósseis, o que vai na contramão da
recomendação dos cientistas do IPCC e da própria Agência Internacional de
Energia. No Egito, as delegações de lobistas de combustíveis fósseis superaram
as dos países-ilha - eram 636, um número 25% superior ao de Glasgow, em 2021.
Só os Emirados Árabes, país que sedia a próxima COP, tinha mais delegados que
essa turma que bloqueia a transição energética, compromete o papel do setor
privado nas COPs e, ao que tudo indica, o próprio resultado das conferências.
A COP27 pode ser conhecida como a
conferência que enterrou politicamente a meta de que o mundo limite o
aquecimento a 1,5°C, diz o cientista Johan Rockström, um dos mais famosos
climatologistas do mundo e diretor do Potsdam Institute for Climate Impact
Research (PIK). Ele apresentou na conferência os dez novos insights da ciência
climática em relatório feito por várias instituições. Ali se lê que o potencial
de adaptação à mudança climática tem limites e que mais de 3 bilhões de pessoas
viverão em “hotspots de vulnerabilidade” em 2050, o dobro do número atual. Nos
dias de hoje pessoas e ecossistemas já sofrem com os enormes impactos
climáticos, com apenas 1,2°C de aumento.
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Na COP do Egito havia delegações de 195
governos totalizando 16.118 pessoas, fora ambientalistas, jornalistas e
pesquisadores que não fazem parte de representações oficiais. O Brasil
registrou 570 pessoas como parte de sua delegação oficial, número que superou o
do próprio país-anfitrião, o Egito, e ficou atrás apenas dos Emirados Árabes
Unidos. A delegação da Argentina tinha 45 pessoas. A do México, 29; a dos EUA,
137, sendo um deles o presidente Joe Biden. No pelotão de “delegados”
brasileiros, os cientistas eram poucos, assim como representantes da sociedade
civil. Os negociadores mesmo não passavam de 20.
Aqui é preciso dar um passo atrás: o Brasil
tinha a tradição de dar crachás a ambientalistas, cientistas, políticos e
empresários que solicitassem, desde que tivessem relação com a agenda. Este
espírito democrático, por assim dizer, de estimular gente engajada no debate
climático, fez com que na COP15, em Copenhague, em 2009, a delegação brasileira
tivesse 725 pessoas. Era um batalhão ruidoso de gente de posse de crachás que
permitiam acesso a áreas de negociação. Os outros países nunca entenderam isso
direito. O carnaval climático brasileiro não pegava bem nem quando era formado
por gente comprometida com a pauta.
Nesta edição, a participação brasileira
gerou comentários conflitantes do resto do mundo. De um lado, a ida do
presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva foi um tremendo sucesso registrado
pela imprensa global. Lula ocupou um vácuo de liderança e deu esperança ao
mundo ao afirmar que seu governo vai combater o desmatamento. Os eventos no
pavilhão da sociedade civil, o Brazil Climate Hub, foram êxito de conteúdo e de
público. O estande do consórcio dos governadores da Amazônia Legal ficou
congestionado. O que despertou críticas, contudo, foi o número inacreditável da
“delegação” brasileira.
O espírito democrático da delegação foi
ceifado nos anos Bolsonaro, que seguiu distribuindo centenas de crachás a
empresários e políticos próximos ao governo e praticamente nada à sociedade
civil, ambientalistas, indígenas e jovens. Se o tamanho da “delegação”
brasileira fazia pouco sentido antes, na COP do Egito não fez nenhum. Na lista
oficial havia esposas, assessores e curiosos, mas nenhum constrangimento.
Isso sem falar nas dezenas de brasileiros
que vão à COP sem agenda, para “ver o que rola”. Ou ainda: é provinciano e sem
sentido lançar uma iniciativa, um projeto ou um estudo em uma COP com a
intenção de se falar com o público doméstico. Não se emitem toneladas de CO2
para falar, no exterior, com o cidadão do próprio país. Conferências do clima
existem para salvar o planeta, não o ego.
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