terça-feira, 29 de novembro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Novo ministro da Fazenda precisará ter tarimba política

O Globo

São preocupantes declarações recentes de Lula e Fernando Haddad sobre contexto econômico

O futuro ministro da Fazenda, cujo nome deverá ser anunciado nesta semana pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, precisa ter qualidades mínimas para que o governo tenha chance de sucesso. A primeira é entender os desafios. Na corrida das nações, o Brasil avança lentamente há várias décadas. Sem expansão sustentada do PIB, as oportunidades de emprego minguam, a renda cai, pobreza e fome se espalham.

Para colocar o país no rumo, o novo ministro terá primeiro de compreender os acertos e erros do passado. No lado positivo, vencemos a hiperinflação; criamos reservas cambiais para proteger a economia; melhoramos a capacidade da mão de obra graças a avanços na educação; promovemos uma reforma da Previdência e a reforma trabalhista que aperfeiçoou o mercado de trabalho; e demos independência ao Banco Central para que persiga as metas de inflação sem interferência política. Uma avaliação não ideológica dessas e de outras medidas benéficas será crucial para que não haja retrocesso.

É, por isso, preocupante que tanto Lula quanto o principal cotado para o cargo, o petista Fernando Haddad, tenham decepcionado em declarações recentes sobre a economia. Lula,é verdade, faz bem em pretender escolher um político para o cargo, que exigirá alta capacidade de articulação com os setores produtivos e negociação com o Congresso. Mas é preciso que seja um político com tarimba, disposição para o diálogo e uma atitude de aprendizado humilde diante dos desafios.

É essencial que o escolhido entenda, em particular, os erros de governos anteriores do PT. A lista é longa: políticas longevas para proteger empresas locais da competição internacional; distribuição de crédito barato a companhias selecionadas pelo Estado; represamento cambial; administração de preços públicos; desonerações tributárias em larga escala; desequilíbrio das contas públicas, com o consequente aumento da dívida; manutenção de um sistema tributário bizantino, que pune o empreendedor e distorce a alocação de capital; investimentos públicos em infraestrutura com falhas desde a fase de estudos até a da execução; e proteção de castas no serviço público, que, além de caras, são improdutivas.

O novo ministro da Fazenda também precisará ter capacidade de fazer uma leitura acertada do contexto internacional. O protecionismo hoje em voga nos Estados Unidos diante da crescente disputa com a China não pode servir de desculpa para uma política semelhante. Já trilhamos tal caminho com resultados pífios. A lição a aprender do novo contexto geopolítico é outra. Índia e Vietnã já começam a se beneficiar da decisão americana de diminuir a dependência da China. A guerra na Ucrânia torna países europeus menos propensos a ficar à mercê do mercado chinês. Fazer do Brasil um lugar mais atraente ao investimento estrangeiro deveria ser prioritário. Um país como o Brasil não se desenvolverá sem capital externo.

O novo ministro precisará ter o foco no que funciona, não em divisões estanques e nem sempre precisas sobre quem é liberal, social-democrata ou nacional-desenvolvimentista. Programas de transferência de renda são cruciais para aliviar a situação dos mais vulneráveis, mas pobreza e fome não serão erradicadas com ações emergenciais. A economia do Brasil precisa crescer de forma sustentada e com equidade. Esse é o objetivo.

Protestos na China revelam limite da repressão adotada pelos comunistas

O Globo

Estratégia ‘Covid zero’ virou pretexto para regime manter vigilância draconiana e restringir movimentos

Quando Xi Jinping foi ungido para o terceiro mandato como líder do Partido Comunista da China (PCC), há um mês, havia a expectativa de que arrefecesse a política de Covid Zero com que os chineses têm tratado a pandemia desde o início. Os lockdowns rigorosos e recorrentes têm cobrado um preço altíssimo da economia (a estimativa é que as restrições afetem 20% do PIB chinês). Mas, embora tenha havido uma meia-volta tímida, os protestos que emergiram nos últimos dias demonstram que a insistência na supressão do vírus poderá se revelar um erro fatal para Xi.

Enquanto não havia vacinas, extinguir o menor surto era a estratégia sensata para preservar a saúde da população e evitar o colapso econômico. O surgimento de vacinas eficazes e variantes mais contagiosas, porém, mudou o cálculo. A partir da Ômicron, a Covid-19 se tornou uma doença mais difícil de conter. Ao mesmo tempo, as vacinas a tornaram menos agressiva, reduzindo o efeito no sistema de saúde.

Na China, contudo, as vacinas mais eficazes contra a Ômicron, produzidas fora do país, não foram adotadas, pois a propaganda oficial valoriza a tecnologia chinesa. E a vacinação jamais priorizou idosos e outros grupos vulneráveis. Como resultado, a população e o sistema de saúde chinês estão hoje menos protegidos que noutros países onde a supressão do vírus foi adotada no início, depois abandonada (caso de Austrália, Nova Zelândia ou Coreia do Sul). Os casos diários explodiram nas últimas semanas, e a contagem de mortos vem sendo questionada. A insistência na política de Covid Zero virou também um pretexto para a ditadura do PCC manter sistemas draconianos de vigilância e restrição a movimentos.

Mas a paciência da população parece ter chegado ao limite. Os protestos começaram com um incêndio que matou dez pessoas em Urumqi, capital da província de Xinjiang — campo de provas da tecnologia de monitoramento mais moderna e sede dos “campos de reeducação”, alvos de acusações de violação de direitos humanos. Aparentemente, os bombeiros foram impedidos de entrar no prédio que pegava fogo porque lá havia um infectado pelo vírus. A revolta também eclodiu em fábricas onde funcionários foram obrigados a ficar semanas fechados em razão do contágio. Em Xangai, diante da proibição de usar palavras de ordem, os manifestantes têm segurado cartazes em branco. Num gesto ousado e incomum, muitos pedem a queda de Xi.

Nas últimas décadas, pelo menos desde o Massacre da Praça da Paz Celestial, a cúpula do PCC reprimiu todo questionamento ao regime comunista por temer que gestos de abertura levassem a um esfacelamento similar ao da União Soviética. Apostou na mistura de repressão política e êxito econômico para perpetuar o partido no poder. Por algum tempo deu certo, mas agora Xi está diante de outro desafio: a repressão resultante da política de Covid Zero tem minado tanto a economia quanto a confiança da população no PCC. Endurecer contra os protestos não resolverá o primeiro problema e agravará o segundo.

Tuiteiros, volver

Folha de S. Paulo

Ministro civil na Defesa será essencial para normalizar gestão de militares

A criação do Ministério da Defesa, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), introduziu tardiamente no Brasil o modelo adotado com sucesso pelas democracias mais avançadas do mundo para gerir as Forças Armadas.

Com a instituição do órgão, em 1999, os comandantes militares perderam o status de ministros e passaram a cumprir suas atribuições constitucionais sob a nova pasta, subordinada ao poder civil.

Políticos e diplomatas exerceram a função com zelo por quase duas décadas, até que o padrão foi infelizmente quebrado por Michel Temer (MDB), que nomeou um general da reserva para a posição no último ano de seu mandato.

O retrocesso foi maior no governo Jair Bolsonaro (PL), ele próprio um capitão reformado do Exército. Somente generais da reserva exerceram o cargo na sua gestão, que promoveu lamentável politização das Forças Armadas.

Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a Presidência da República, abre-se o caminho para uma necessária correção de rota, que leve ao restabelecimento da autoridade sobre os militares.

A nomeação de um civil para a chefia do Ministério da Defesa, como o presidente eleito indicou durante a campanha eleitoral que é sua intenção, será um passo essencial para esse objetivo.

As dificuldades enfrentadas nas últimas semanas pela equipe do petista para definir seus interlocutores com a área militar e preparar a transição de governo servem para reforçar essa necessidade.

As primeiras sondagens parecem ter encontrado um ambiente envenenado por ressentimentos injustificáveis, como se coubesse aos oficiais colocar preferências políticas pessoais à frente das obrigações profissionais.

Na ordem democrática, não cabe aos militares fazer pronunciamentos sobre questões políticas, discutir resultados eleitorais ou tentar intimidar outros Poderes com tuítes, como alguns fizeram abertamente nos últimos anos.

A desastrada atuação na fiscalização das urnas e o aceno dos comandantes a manifestantes antidemocráticos são exemplos da degradação gerada pela aliança de parte da caserna com o bolsonarismo.

Caberá também ao novo governo restringir a ocupação de postos da administração pública por militares da ativa, que se multiplicaram na atual gestão. O Congresso fará bem, ademais, se impuser limites rígidos a essa distorção.

A democracia brasileira, que derrotou a ditadura há mais de três décadas, demonstrou vigor ao enfrentar e superar afrontas a suas instituições no quadriênio que chega ao fim. A consolidação do controle civil sobre as forças militares será mais uma etapa dessa trajetória.

Heresia política

Folha de S. Paulo

Projeto da Bíblia imutável contraria a laicidade e expõe ignorância de deputados

"Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem." A célebre passagem do Evangelho de Lucas parece se aplicar bem a um projeto de lei que, de forma inexplicável, foi aprovado nesta semana pela Câmara dos Deputados.

Com um único e genérico artigo, a norma proposta pelo deputado federal Pastor Sargento Isidório (Avante-BA) veda "qualquer alteração, edição ou adição aos textos da Bíblia Sagrada, composta pelo Antigo e pelo Novo Testamento em seus capítulos ou versículos, sendo garantida a pregação do seu conteúdo em todo território nacional".

O pastor deputado, vale lembrar, é reincidente em propostas estapafúrdias. Recentemente, quis proibir o uso da palavra "Bíblia" e da expressão "Bíblia Sagrada" fora do contexto tradicional cristão.

As pretensões, agora, soam ainda mais absurdas. Ao propor que as instituições brasileiras protejam o texto sagrado de uma religião específica, o dispositivo afronta o princípio constitucional da laicidade do Estado —vale dizer, o poder público não se mistura com religião, sem apoiar nem discriminar qualquer forma de devoção.

Caberia indagar, por exemplo, se o mesmo se aplicaria ao Corão muçulmano ou à Torá judaica, para ficar apenas nas outras grandes denominações monoteístas.

A tentativa de inscrever em pedra o livro sagrado cristão comete ainda o sacrilégio de tratar as Escrituras como um texto único, que não comporta variações.

A Bíblia é múltipla. Há a versão católica, estabelecida finalmente no Concílio de Trento, no século 16, e a variante protestante, que conta com sete livros a menos e é a utilizada pelos evangélicos —para nada dizer da Bíblia ortodoxa e de outras denominações minoritárias do cristianismo.

Além disso, há diferentes traduções da Bíblia em português, cada qual com suas próprias nuances, vertidas tanto do latim como do grego, no caso do Novo Testamento. Qual deveria ser tombada?

Tantos disparates, lamentavelmente, não foram suficientes para evitar que a proposta recebesse o apoio maciço dos partidos, da direita à esquerda —decerto como uma estratégia para granjear a simpatia de um crescente eleitorado evangélico. Apenas Novo, Rede e PSOL manifestaram-se de forma contrária ao texto absurdo.

Só resta agora esperar que o Senado não cometa o mesmo pecado da Câmara e barre essa heresia à Constituição e ao bom senso.

A relevância do Planejamento

O Estado de S. Paulo

Mais do que criar um cargo para acomodar aliados, o novo governo deve fortalecer o Ministério do Planejamento e suas atribuições, que envolvem a definição de metas para o futuro

Ainda que não tenha anunciado os nomes que vão compor a equipe econômica de seu futuro governo, o presidente eleito Lula da Silva tem sinalizado a intenção de desmembrar o Ministério da Economia e retomar a separação entre as antigas pastas da Fazenda e do Planejamento. As articulações mais recentes apontam para a indicação do ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, ao comando da Fazenda, e do economista Persio Arida, ex-presidente do Banco Central (BC) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), à frente do Planejamento. Independentemente de quem serão os escolhidos para os cargos, recriar os dois Ministérios mais importantes da área econômica é um passo importante rumo à reconstrução do Estado depois de quatro anos de bolsonarismo.

A fusão das pastas da Fazenda e do Planejamento e sua transformação no Ministério da Economia mostrou-se um dos maiores equívocos cometidos pelo governo Jair Bolsonaro. Ao defender essa união, que incluiu, também, os Ministérios do Trabalho e Previdência e o de Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Paulo Guedes via na nova estrutura a garantia de alinhamento entre a condução da política econômica e as decisões relacionadas à política industrial e questões administrativas, tributárias e orçamentárias, entre outras. A concentração de áreas sob um único guarda-chuva mostrou-se ineficaz, sob o aspecto operacional, e inviável, sob o aspecto político.

O Ministério do Planejamento é o coração da administração pública federal, responsável por funções como a gestão do patrimônio público, a política de pessoal, a coordenação de empresas estatais e a elaboração e execução do Orçamento. Da mesma forma, o Ministério da Fazenda é o formulador da política econômica e chefia estruturas como a Receita Federal e o Tesouro Nacional e órgãos colegiados como o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). São atividades que requerem a presença de técnicos preparados e com autoridade para a tomada de decisões. O excesso de estruturas sob o comando de uma única pasta teve efeito oposto: exigiu a criação da figura de sete secretários especiais sem status de ministro nem poder de alçada sobre suas áreas. Não por acaso, todos os nomeados no início do governo deixaram suas funções antes do fim de 2021.

Nada expressa tão bem o fracasso do Ministério da Economia quanto a peça orçamentária, transformada em uma obra de ficção digna do realismo fantástico. Separados, os Ministérios da Fazenda e do Planejamento podiam, muitas vezes, defender ideias opostas, mas superavam diferenças para fazer um contraponto às posições da Casa Civil nas reuniões da Junta de Execução Orçamentária (JEO). No afã de controlar todos os movimentos orçamentários, Guedes converteu dois votos em um, enfraquecendo o poder de técnicos da área econômica perante os interesses políticos inerentes à Casa Civil. A pá de cal veio em janeiro deste ano, quando um decreto presidencial delegou todos os remanejamentos de verbas e a abertura de créditos suplementares e especiais ao ministro Ciro Nogueira.

É inegável que as atribuições típicas do Ministério do Planejamento ficaram em segundo plano nos últimos quatro anos. Enquanto havia bilhões reservados às emendas de relator, é simbólico que tenha faltado recursos para o censo demográfico, realizado a cada dez anos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não é por acaso que o primeiro grande problema a ser enfrentado pelo governo eleito diga respeito ao Orçamento de 2023.

Mais do que criar um novo cargo de ministro para acomodar aliados, o governo eleito deve aproveitar a oportunidade para fortalecer o Ministério do Planejamento e todas as suas funções. Uma das mais nobres é a definição de diretrizes, objetivos, metas e programas para o futuro e transformar esses planos em políticas públicas presentes no Orçamento, algo imprescindível para conduzir o País ao caminho do crescimento econômico sustentável e para reduzir nossas históricas desigualdades sociais.

A boa política e a má política

O Estado de S. Paulo

O novo governador paulista precisará negociar com o novo presidente muitos projetos sabotados por seu ex-chefe. Será um teste à disposição de ambos de promover a boa política

Para cumprir parte de suas promessas em São Paulo – como a ligação Santos-Guarujá, a concessão da Hidrovia Tietê-Paraná ou a construção de moradias populares –, o governador eleito Tarcísio de Freitas (Republicanos) precisará do aval do governo Lula.

Numa república federativa, a articulação entre um governador e seu presidente seria mera rotina se, nesse caso, ela não fosse marcada por uma reveladora ironia. Muitos desses projetos estão empacados por recalcitrâncias do presidente Jair Bolsonaro que nada tiveram a ver com divergências sobre o interesse público, mas serviram apenas para sabotar o ex-governador João Doria, enquanto figurava como adversário de Bolsonaro nas eleições de 2022. Se a política é a arte de construir consensos em prol do bem comum, Bolsonaro promoveu o seu inverso: a imposição do arbítrio a favor de interesses particulares. A ironia é que Tarcísio, enquanto ministro de Bolsonaro, foi responsável por muitos desacertos que agora precisa consertar, necessitando para isso da boa vontade de um presidente do lado oposto do tabuleiro político.

Não que não se deva esperar divergências na democracia. Ao contrário, ela não só é, como disse Winston Churchill, a forma de governo menos ruim, como a mais plural. Na verdade, é a melhor exatamente porque é a mais plural. E o custo da pluralidade é a constante disputa de ideias e o risco de cisão social. Por isso, nela, a boa política é mais, não menos importante.

A democracia, na célebre definição de Abraham Lincoln, é o governo do povo, pelo povo, para o povo. Mas “povo” se diz em muitos sentidos. Do mais amplo ao mais estrito, ele é tanto a comunidade dos cidadãos que morreram, que vivem e que nascerão quanto só a dos vivos e, finalmente, a da maioria entre eles. No primeiro sentido, o povo é a Nação, cuja alma está inscrita na Constituição, que por sua vez se corporifica no Estado a serviço de todos, que por sua vez é conduzido e regulado pelos representantes eleitos pelas maiorias no Executivo e no Legislativo.

Bolsonaro inverteu essa ordem, submetendo o governo a interesses pessoais e corporativos e as políticas de Estado aos interesses do governo, que, para tanto, submeteu a Constituição a todo tipo de interpretações abusivas e tentativas de subversão. Há quatro anos, ele subia ao poder hostilizando o Legislativo. A relação com o Parlamento, dizia, se daria por “bancadas temáticas”, e cargos seriam distribuídos só por critérios técnicos sem negociações partidárias. Logo se viu que as nomeações só serviam para satisfazer suas bases eleitorais. Com o fracasso dessa má política, o governo se viu obrigado a prestar vassalagem à ala fisiológica do Congresso, nutrida com pedaços do Orçamento público. Enquanto acalentava amizades artificiais no Congresso, Bolsonaro criava inimizades artificiais em outras esferas do poder público, como juízes e governadores.

Muito antes, o PT já praticava essa lógica de “amigos e inimigos”. O partido nunca hesitou em sobrepor seu projeto de poder ao interesse público, por exemplo, sabotando, quando na oposição, políticas do governo e manietando, quando no governo, o voto de parlamentares (no mensalão), a máquina estatal (no petrolão) e as contas públicas (na pior recessão da história).

Agora, Tarcísio e Lula se dizem arautos de uma “nova política”. Tarcísio seria a face técnica e moderada do conservadorismo. Lula, mesmo sem admitir os abusos do PT, insinua que foram desvios e não resultados de uma coordenação programática, e que, de todo modo, agora será diferente, não o governo de um partido, mas de uma “frente ampla” progressista.

Enquanto isso, São Paulo, a locomotiva econômica do Brasil, continua esperando que impasses entre o governo federal e o estadual sejam destravados. A capacidade do Palácio do Planalto e do Palácio dos Bandeirantes de criarem consensos em favor do interesse público – ou, caso contrário, de justificarem suas divergências conforme esse interesse – será um teste para saber se seus líderes têm vocação de estadistas ou se são apenas representantes da demagogia de sempre.

Barulho demais

O Estado de S. Paulo

Disparam queixas contra excesso de ruídos em SP, problema crônico agravado pela falta de fiscalização

Barulho demais tira o sossego, impede noites bem dormidas e faz mal à saúde física e mental, como bem sabe uma infinidade de paulistanos cotidianamente expostos à violação do sagrado direito ao silêncio − ou a níveis minimamente civilizados de poluição sonora. Pior até do que a perturbação provocada pelo excesso de ruídos nas mais variadas horas do dia ou da noite é a sensação de desamparo experimentada por moradores que denunciam abusos e esperam a fiscalização que, no mais das vezes, não vem.

Eis o pior dos mundos para quem, já atordoado por sons e barulhos em demasia, se depara com a incapacidade do poder público de fazer cumprir a legislação. Sim, a poluição sonora ilustra com perfeição a ideia de que o direito de um termina onde começa o direito do outro. Quando essa simples regra de convivência é violada, cabe ao cidadão acionar as autoridades públicas, para que, à luz dos limites definidos em lei, a paz seja restaurada. Não raro, porém, é aí que começa o verdadeiro suplício de todo morador da cidade de São Paulo.

Por mais que existam leis e decretos disciplinando a emissão de ruídos − em bares, casas noturnas, festas, shows, eventos, fábricas, obras −, o paulistano que se vê diante de uma situação concreta de abuso sonoro constata a dura realidade: é como se não houvesse a quem recorrer, tamanha a incapacidade dos órgãos de fiscalização de se fazerem presentes em toda a cidade e de garantirem a observância dos limites de emissão de ruídos.

Como noticiou o Estadão, o problema da poluição sonora dá sinais de estar aumentando, a julgar pelo número de reclamações dirigidas ao Programa Silêncio Urbano (Psiu), da Prefeitura de São Paulo. De janeiro a novembro, a quantidade de queixas cresceu 48% em relação ao mesmo período de 2019, de 17,6 mil para 26,2 mil. Ou seja, o descontentamento medido pelo número de reclamações já supera o patamar anterior à pandemia de covid-19.

É nesse contexto que a Prefeitura enviou projeto de lei à Câmara de Vereadores propondo elevar o limite da média de ruídos emitidos em shows e demais grandes eventos, dos atuais 55 decibéis para 85 decibéis − um nível absurdamente alto, considerando que se trata da média dos ruídos durante todo o evento, o que abre espaço para níveis ainda mais elevados em determinados períodos. Diante da repercussão obviamente negativa da proposta, que chegou a ser aprovada pelos vereadores em primeira votação, a ideia é reduzir o teto médio para 75 decibéis. Como registrou o Estadão, esse ajuste não significará uma redução, mas, bem diferente disso, uma elevação menos drástica. A votação definitiva está prevista para quarta-feira.

São Paulo, dada a sua dimensão populacional e territorial, abriga um conjunto incrivelmente diversificado de atividades e de grupos populacionais. O convívio entre seus mais de 12 milhões de habitantes, por óbvio, deve se pautar pelo que diz a lei. Isso é especialmente válido para a poluição sonora e o excesso de barulho. Mas não basta uma legislação adequada. É preciso garantir que, de fato, haja fiscalização e que as previsões legais sejam devidamente cumpridas.

Desafios para a expansão da corrente de comércio

Valor Econômico

Estrutura de impostos dificulta relações comerciais, queixam-se importadores e exportadores

Apesar da pandemia, o Brasil ampliou sua corrente de comércio internacional, impulsionada nos últimos anos pelo aumento das exportações e importações e dos preços das commodities, que representam boa parte das vendas ao exterior. As exportações e importações de mercadorias e serviços do país saltaram de 24,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017 para 39,2% no ano passado, constatou a Organização Mundial do Comércio (OMC) na oitava revisão da política comercial brasileira, que acaba de ser concluída. O aumento é importante, mas o país ainda fica distante da média mundial de 52% e da média de 53% da América Latina e Caribe, de acordo com o Banco Mundial.

O Brasil segue como um dos importantes players do mercado global de produtos da agropecuária, como soja, carnes bovina e de frango, açúcar, suco de laranja e café, segundo a OMC. Mas a organização nota o forte crescimento do petróleo e minérios nas exportações, de 19,4% para 31,3% do total no período analisado, de 2017 a 2021, favorecido pelo aumento dos preços nos últimos anos. Do lado das importações, predominam os manufaturados.

Em relação aos parceiros comerciais, a OMC notou que o período caracterizou-se pela forte expansão das relações comerciais do Brasil com a Ásia, notadamente com a China, e pela redução da participação das Américas, inclusive do Mercosul, relegado a segundo plano pelo governo Bolsonaro. O volume de exportações brasileiras para a China aumentou quase dez pontos, de 22,1% em 2017 para 31,3% do total no ano passado. No caso dos EUA, diminuiu de 12,6% para 11,2% no período; e da União Europeia, de 14,1% para 13%. As exportações brasileiras para a Argentina despencaram de 8,2% do total para 4,2% no período examinado, em boa parte em consequência dos problemas econômicos do país vizinho.

Do lado das importações, a China também sobressaiu, passando de 17,5% do total adquirido do exterior em 2017 para 22,8% em 2021. As compras de produtos dos EUA e da Argentina ficaram mais ou menos estáveis, e caíram de 19,9% para 17,1% no caso da União Europeia.

O governo brasileiro disse ter respondido a 800 questões da OMC para a realização da revisão, em que se vangloriou pela diminuição da tarifa externa comum do Mercosul e das barreiras não tarifárias, além de ter reduzido a burocracia no comércio exterior. Segundo a OMC, a tarifa brasileira para manufaturados de nações menos favorecidas era de 10,3% em 2021. Com o Portal Único do Comércio Exterior, o tempo médio de exportação foi cortado de 13 para cinco dias; e o de importação, de 17 para nove dias. Mas, no atual estágio, a ferramenta pode ser usada apenas em cerca de 30% das compras externas.

O relatório é favorável ao Brasil em geral, mas a OMC ressalta que o Brasil mantém programas de subsídios a setores da economia para proteger a produção doméstica. Recomenda ao país avançar em mudanças estruturais para melhorar a produtividade em diversas áreas, além de reformar o regime tributário e de subsídios, e diminuir a burocracia.

Apesar de o governo ter defendido a sustentabilidade da produção agrícola brasileira, por não promover o esgotamento “sensível” da biodiversidade, fertilidade do solo e recursos hídricos, o combate ao desmatamento foi um dos pontos cobrados por representantes de delegações de outros países que participaram da revisão, em meio à expectativa de que o futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva possa reverter a tendência atual. Como disse o representante da União Europeia, o objetivo é “assegurar que o comércio não sirva como um motor para tal desmatamento” (Valor, 25/11).

Outro ponto cobrado é a reforma tributária, dado que impostos dificultam as relações comerciais com o país, reclamação frequente também do lado de importadores e exportadores brasileiros, como mostrou pesquisa realizada junto a quase 600 exportadoras brasileiras pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). A pesquisa da CNI também apontou a logística como dificuldade relevante, consequência da elevação do custo do frete, causada pelo aumento dos combustíveis e pela ruptura das cadeias globais de transporte. A relação dos principais fatores que inibem o aumento dos negócios inclui a elevada volatilidade do dólar, o crescimento das barreiras no comércio global e o custo Brasil.

2 comentários:

Anônimo disse...

São preocupantes os editoriais recentes de grandes jornais do eixo RJ/SP sobre o contexto econômico!

Anônimo disse...

"A ironia é que Tarcísio, enquanto ministro de Bolsonaro, foi responsável por muitos desacertos que agora precisa concertar..."

É, estadinho, a escolha, admita, era fácil.