Forças Armadas revelam sensatez em nota conjunta
O Globo
Exército, Marinha e Aeronáutica demonstram
compromisso com democracia e harmonia social
As Forças Armadas revelam sensatez num
momento em que o país ainda sofre os efeitos nefastos de uma eleição
polarizada, marcada por uma guerra suja sem precedentes em campanhas. Em nota
conjunta endereçada “às instituições e ao povo brasileiro”, elas defendem
manifestações pacíficas, condenam excessos que restrinjam direitos individuais
ou coletivos e reafirmam seu compromisso “irrestrito e inabalável com o povo
brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e social do Brasil”.
Desde que foi proclamada a vitória do
petista Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas, o país tem sido sacudido por
manifestações antidemocráticas que questionam o resultado do pleito. Primeiro,
foram os bloqueios ilegais promovidos por caminhoneiros em rodovias. Depois,
surgiram atos golpistas em frente a unidades do Exército.
Na nota, os comandantes da Marinha, almirante de esquadra Almir Garnier Santos, do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior, afirmam que a Constituição garante a livre manifestação de pensamento, a liberdade de reunião pacífica e a liberdade de locomoção. Dizem ainda que “são condenáveis tanto restrições a direitos por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública”.
Eles têm razão. Por mais estapafúrdias que
sejam as ideias que defendam, manifestações fazem parte do jogo democrático. “A
solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve valer-se dos
instrumentos legais do estado democrático de direito”, afirmam. Espera-se que
sejam ouvidos pelos manifestantes acampados em frente a quartéis do Exército
clamando por um golpe. Se havia alguma ilusão de apoio das Forças Armadas, a
nota se encarrega de desfazê-la. Ainda que tenha demorado — os atos
antidemocráticos começaram há quase duas semanas —, tal mensagem era
fundamental.
Ao longo destes quatro anos de mandato do
presidente Jair Bolsonaro, parcelas minoritárias das Forças Armadas flertaram
com os arroubos golpistas dele. Mesmo nos momentos em que permaneceram em
silêncio, enquanto o presidente as usava para atacar a lisura do sistema
eleitoral brasileiro. Por isso, apesar das suspeitas sem fundamento levantadas
sobre a segurança das urnas eletrônicas, foi fundamental o relatório do
Ministério da Defesa divulgado nesta semana, que não apontou nenhum indício de
fraude.
Os militares exerceram um protagonismo
descabido no Executivo sob Bolsonaro. Estima-se que mais de 6 mil ocupem cargos
civis no atual governo, parte deles ainda na ativa. É improvável que tal
situação se repita na futura gestão. Mas é importante, para o amadurecimento
das nossas instituições, que o Congresso aprove a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) que proíbe militares da ativa de exercer cargos civis na
administração pública.
Duas semanas depois da eleição, o país
precisa voltar à normalidade. A nota das Forças Armadas é um passo importante
para isso, por exorcizar fantasmas que ainda assombravam alguns. Manifestações
de insatisfação com a vitória de Lula não desaparecerão. As que ultrapassarem
limites da lei precisam ser investigadas e punidas, como vem sendo feito. Para
além disso, o país tem mais com que se preocupar.
Trump sai enfraquecido das urnas, mas é um
erro dá-lo por derrotado
O Globo
Eleição de meio de mandato fortalece seu
rival no Partido Republicano, mas traz mais desafios aos democratas
O resultado da mais importante eleição de
meio de mandato dos Estados Unidos nos últimos tempos, a primeira depois da
invasão do Capitólio em janeiro de 2021, foi ambíguo. Apesar de os democratas
terem celebrado diversas vitórias em disputas relevantes por todo o país e de o
presidente Joe Biden ter transmitido uma sensação de alívio depois do pleito,
não dá para considerar vencedor um partido que deverá perder o controle da
Câmara e confia na sorte para manter o do Senado.
É certo que não houve a onda republicana
que muitos esperavam. Candidatos que abraçaram a “grande mentira” — a teoria
conspiratória segundo a qual a eleição de 2020 foi roubada de Donald Trump —
foram derrotados em estados críticos, como Michigan, Pensilvânia ou Winsconsin.
A vitória retumbante do principal rival de Trump no Partido Republicano, o
governador da Flórida, Ron DeSantis, põe em xeque os planos do ex-presidente de
voltar à Casa Branca. Mas outros trumpistas radicais venceram e estarão
representados no Congresso e em governos estaduais. Seria um erro dar Trump por
derrotado.
Um resultado avassalador de candidatos
negacionistas decerto seria um abalo na democracia mais sólida do mundo. Esse
terremoto não ocorreu. Mas Trump ainda mantém poder sobre o partido. Apesar de
tudo, levantamento do The New York Times constatou que cerca de 220 trumpistas
negacionistas estarão no Congresso, serão secretários estaduais ou assumirão
posições no Judiciário em vários governos. São postos que podem se tornar
essenciais para certificar resultados eleitorais numa eleição disputada, como
ocorreu em 2020.
Ao mesmo tempo, Trump terá de lidar com a
força crescente de DeSantis, reeleito com 60% dos votos num estado que pouco
tempo atrás era visto como dividido pela metade entre os dois partidos — e sai
desta eleição como um baluarte republicano (o partido reelegeu o senador Marco
Rubio e levará 25% mais deputados da Flórida para a Câmara). Na festa da
vitória, os apoiadores de DeSantis gritavam “mais dois anos”, sinal de que
querem que ele saia antes do final do governo, para disputar as prévias e concorrer
à Presidência.
Pode ser que as derrotas de candidatos
apoiados por Trump abram espaço a uma disputa real no Partido Republicano. Para
os democratas, as vitórias conquistadas com um presidente de baixa popularidade
podem servir de alento. Mas os próximos dois anos serão difíceis para Biden,
sem o comando do Congresso e diante da mistura de inflação e juros altos,
disputa comercial com a China e guerra na Europa.
Ao contrário dos republicanos, entre os quais já se vislumbra um caminho para voltar à Casa Branca, a situação dos democratas é nebulosa. O peso da idade torna incerta a candidatura de Biden à reeleição, e aparentemente não há nome nem bandeira capaz de galvanizar o partido. Proclamar, outra vez, a salvação de uma democracia ameaçada por Trump e seus seguidores poderá se revelar uma armadilha.
Mau começo
Folha de S. Paulo
Lula ignora que responsabilidade fiscal é
social e mina confiança em seu governo
Em apenas duas semanas desde o desfecho das
eleições, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiu derrubar grande parte das
esperanças de que seu governo vá adotar uma política econômica racional e
socialmente responsável.
Sem nenhum ato concreto que indique algum
plano de ação até o momento, o petista e seu entorno apenas fizeram saber que
planejam propor uma
emenda à Constituição capaz de liberar uma gastança sem
precedentes nem contrapartidas ao longo do mandato.
Como se não fosse ruim o bastante, Lula
abraçou a demagogia mais rasteira ao vociferar contra "a tal da
responsabilidade fiscal", ao posar de único preocupado com a pobreza no
país e ao resmungar
contra a previsível reação negativa dos mercados financeiros.
O presidente eleito parece não ter
aprendido que responsabilidade fiscal é responsabilidade social. Se colocar em
prática seu falatório, a sangria dos cofres do Tesouro não tardará a alimentar
a inflação, que mal deixou o patamar de dois dígitos, os juros —já
estratosféricos hoje— e a dívida pública.
Pior, resultará, como se viu no final da
passagem do PT pelo Palácio do Planalto, em colapso do crescimento econômico e
escalada do desemprego, da miséria e da fome que se promete combater.
Se é fundamental manter a transferência
direta de renda às famílias miseráveis, não é menos imperativo planejar como
essa e outras despesas serão sustentadas no futuro.
Lula deseduca ao tentar fazer crer, em um
primarismo atroz, que governos só controlam gastos por não se importarem com os
pobres. Do mesmo modo, fala em metas de crescimento econômico, como se isso
estivesse ao alcance de uma canetada do presidente.
Ao contrário, tolices desse calibre põem em
risco a retomada da atividade e do emprego, que surpreendeu positivamente neste
ano. Como o governo Dilma Rousseff desenhou para todo o país,
irresponsabilidade orçamentária é o caminho mais curto para a estagflação.
As contas públicas são deficitárias hoje, à
diferença do que ocorria há duas décadas. O cenário externo pós-pandemia, com
alta de inflação e juros nas principais zonas econômicas, além da guerra na
Ucrânia, é dos mais hostis.
Não há margem para erro e improviso.
Providências e compromissos sólidos devem ser apresentados desde já, a começar
pelos nomes dos responsáveis pela política econômica. Ou Lula se arriscará a
perder o apoio obtido de políticos e especialistas sérios.
A pretendida PEC da gastança acabou adiada para a próxima semana, o que, na melhor hipótese, pode ser um sinal de recuo à sensatez. De mais certo, o que se tem até aqui é um mau começo.
Vida nova ao Enem
Folha de S. Paulo
Novo governo deve recuperar função social
do exame, desprezada pela atual gestão
Se fosse um paciente sob cuidados médicos,
seria possível dizer que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) chega ao
último ano do governo Jair Bolsonaro (PL) respirando por aparelhos.
Afinal, ao longo da atual gestão, o sistema
de avaliação definhou, foi contaminado por picuinhas ideológicas e padeceu com
falhas logísticas e escassez de questões.
O exame de 2022, cuja primeira etapa será
realizada neste domingo (13), recebeu
somente 3,4 milhões de inscrições —o menor volume em 17 anos, e
apenas uma sombra dos mais de 8,5 milhões de estudantes em 2016.
Ainda mais preocupante é a queda do
número de concorrentes pretos, pardos e indígenas que, na
avaliação do ano passado, alcançaram a menor proporção em dez anos,
interrompendo um processo de aumento gradual da participação desses estratos
sociais.
A pandemia decerto tem parte da culpa sobre
esses números, mas o governo nada fez para atenuar o grave problema.
Pelo contrário. Em vez de investir na
valorização do Enem, o Ministério da Educação se dedicou a interferir no
conteúdo da prova, criando uma espécie de tribunal moral e ideológico destinado
a censurar temas indigestos para o bolsonarismo. Também paralisou a produção de
novas perguntas, fazendo com que, neste ano, parte das questões tivesse de ser
reciclada.
Recuperar a credibilidade do exame e elevar
o número de participantes precisa, portanto, constar entre as prioridades do
novo governo. Esse, contudo, não é o único desafio pela frente.
Criado em 1998 e, desde 2009, a principal
porta de acesso às universidades federais, o Enem deve ser remodelado em 2024
para atender às diretrizes da reforma do ensino médio, que busca dar maior
flexibilidade a essa etapa e torná-la mais atraente e próxima do cotidiano dos
estudantes.
O exame será no primeiro dia de provas,
baseado nos conteúdos da formação geral da Base Nacional Comum Curricular, com
ênfase em português e matemática. No outro, serão cobrados os assuntos
específicos que o aluno escolheu cursar, dentre quatro opções.
Se tal processo for conduzido com expertise, o Enem poderá recuperar a vitalidade e cumprir a missão para a qual foi desenhado —uma prova que, apesar dos problemas, amparava-se em critérios técnicos e contribuía para aumentar o acesso ao ensino superior.
Uma nova e necessária âncora fiscal
O Estado de S. Paulo
Negociações do governo eleito pela aprovação de mais uma PEC para alterar o teto de gastos expõem fracasso do instrumento como mecanismo de controle da despesa pública
Ganha cada vez mais força nas negociações
entre a equipe de transição do governo eleito e lideranças do Congresso a
hipótese de retirar toda a despesa com o Bolsa Família do teto de gastos.
Considerando os recursos já reservados no Orçamento, mais o adicional para
garantir o piso de R$ 600 e o valor extra por criança de até seis anos, o
programa social deve custar R$ 175 bilhões em 2023. Essa medida exigirá uma
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, se aprovada, resultará na sexta
mudança de um dispositivo que está em vigor há somente seis anos. Mais do que
rever esta recorrente prática legislativa, fica claro que é preciso
reconsiderar o próprio teto enquanto instrumento fiscal.
Onipresente nas discussões econômicas
atuais, o teto de gastos foi uma das primeiras medidas propostas pelo governo
Michel Temer. Seu objetivo não era reverter, de imediato, o colapso das contas
públicas, mas sinalizar um compromisso de médio e de longo prazos com o resgate
da credibilidade fiscal. Até então, o País adotava como âncora o resultado
primário, mas manobras contábeis adotadas pela ex-presidente Dilma Rousseff
resultaram na desmoralização da meta, a ponto de o País perder o grau de
investimento em 2015. Ao estabelecer um limite para o crescimento das despesas
vinculado à variação da inflação, o teto proporcionou previsibilidade e
confiança para a economia. Essa mera sinalização teve resultados práticos,
criando um ambiente propício para a queda da taxa básica de juros e a redução
do custo da dívida, fundamental para incentivar investimentos, empregos e o
crescimento.
O teto, no entanto, nunca foi um fim em si
mesmo, e seu vigor e perenidade dependiam da revisão de gastos estruturais. Em
razão da dificuldade de aprovação de reformas, a solução foi estabelecer um
prazo de 20 anos para sua vigência e fixá-lo na Constituição. Parecia, à época,
a melhor forma de demonstrar empenho com a sustentabilidade das contas públicas.
Essa concepção mudou radicalmente com a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência
da República. A despeito do longo processo de tramitação, dos ritos formais e
da dificuldade para articular maioria qualificada, o Congresso promulgou nada
menos que 25 emendas constitucionais desde 2019, 5 delas criando exceções ao
teto.
À luz da história recente, parece
inacreditável, mas a maioria das normas que disciplinam o arcabouço fiscal
foram propostas por meio de medidas infraconstitucionais. O maior desses marcos,
a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), é uma lei complementar, e a meta de
resultado primário é fixada anualmente por meio de lei ordinária. Limites para
operações de crédito do setor público são acatados mesmo tendo caráter de
resolução. Fica claro que o que define o cumprimento ou descumprimento de uma
norma não é seu status jurídico, mas a disposição do Executivo e do Legislativo
de obedecer-lhe.
Um artigo do senador José Serra (PSDB-SP)
publicado pelo Estadão (Uma âncora fiscal em terra firme, 10/11) traz reflexões
importantes para qualificar esse debate. Como descreve o parlamentar, a
Constituição mostrou-se incapaz de preservar o teto. O Executivo perdeu o
controle sobre o gasto público e passou a depender do Legislativo para
excepcionalizar despesas – sem poder para vetar o texto final que, como toda
emenda, é promulgado pelo Congresso sem interferência do Executivo. Esse desequilíbrio
tem sua maior expressão no sequestro do Orçamento pelo Legislativo, por meio
das emendas de relator.
Nesse sentido, enquanto mecanismo de
austeridade das contas públicas, infelizmente o teto fracassou, e reconhecer
esse fato é essencial para a construção de uma nova âncora fiscal crível e
respeitada por todos os Poderes. Como já defendemos neste espaço, a escolha do
futuro instrumento é indiferente. Seja uma meta para o resultado primário, uma
regra de controle sobre o endividamento ou qualquer outra opção, o importante é
que a âncora tenha credibilidade, seja efetivamente cumprida, devolva o
protagonismo do Executivo na elaboração e execução do Orçamento e não maltrate
a Constituição.
Não é desta oposição que o País precisa
O Estado de S. Paulo
Valdemar reivindica ao PL liderança da oposição, mas deixa claro que partido está dominado pelo caráter antidemocrático do bolsonarismo e se move apenas pelo interesse eleitoral
Nos regimes democráticos, a oposição tem um
importantíssimo papel de controle, de contraditório e de proposição a realizar
no debate público e na arena política. Se isso se aplica a todos os governos,
pode-se dizer que a perspectiva próxima de um presidente da República do PT faz
com que a oposição se torne ainda mais necessária para o País. Diante do
histórico petista no Executivo federal, ter uma oposição organizada e
qualificada é item de primeira necessidade.
Por isso, o anúncio, feito pelo presidente
do PL, Valdemar Costa Neto, de que a legenda – que, em 2023, terá as maiores
bancadas na Câmara (99 deputados) e no Senado (14 senadores) – será oposição ao
governo Lula deveria representar, a princípio, uma excelente notícia para o
País. Ao mesmo tempo, o candidato do PL à Presidência da República, Jair
Bolsonaro, teve mais de 58 milhões de votos no segundo turno. Ou seja, pelos
resultados obtidos nas eleições de 2022, a legenda de Valdemar Costa Neto
estaria mais que qualificada a liderar e organizar a oposição ao governo
petista a partir do ano que vem.
No entanto, a aparente boa notícia
desfez-se imediatamente quando o presidente do PL explicou os termos em que se
dará a oposição da legenda a Lula da Silva. Primeiro, Valdemar Costa Neto
esquivou-se de reconhecer o resultado das eleições presidenciais, alegando que
era necessário esperar o resultado da fiscalização das urnas eletrônicas
realizada por militares, para, segundo disse, “ver se tem alguma coisa
consistente” para que Bolsonaro “possa questionar o TSE” – como se a lisura das
eleições não tivesse sido atestada pela Justiça Eleitoral e por todos os demais
observadores.
Ora, com esse comportamento o presidente do
PL flerta abertamente com atitudes antidemocráticas e antirrepublicanas, o que
é inadmissível. Ao não admitir expressamente a vitória de Lula sobre Bolsonaro
no segundo turno, o PL, na figura de seu líder máximo, colocou-se à margem dos
trilhos institucionais e em confronto com a Constituição. Não serve rigorosamente
para nada de bom uma oposição golpista.
Em segundo lugar, Valdemar Costa Neto
explicitou, com todas as letras, que sua parceria com Jair Bolsonaro não tem
nenhum conteúdo programático. É meramente eleitoreira. Na terça-feira passada,
o presidente do PL já anunciou inclusive que Jair Bolsonaro será o candidato da
legenda nas eleições presidenciais de 2026. Eis o PL em ação, manifestando sua
mais genuína natureza: nem sequer terminou o atual mandato presidencial e a
atenção de Valdemar Costa Neto já está voltada para o próximo pleito.
De forma a não deixar dúvidas sobre as
intenções eleitoreiras, o presidente do PL ainda afirmou que espera contar com
Bolsonaro para impulsionar as candidaturas da legenda nas próximas eleições
municipais, em 2024. “É muito importante que ele (Jair Bolsonaro) corra o
Brasil, (...) para que a gente consiga atingir os nossos objetivos”, disse
Valdemar Costa Neto. Não se ouviu menção a nenhum conteúdo programático, a não
ser uma vaga e esdrúxula oposição ao “comunismo”. Foi puro e descarado
pragmatismo eleitoral.
É desolador para o País que o maior partido
do Congresso admita, sem nenhum rubor, que fará uma oposição golpista e
meramente eleitoreira. Tem-se, assim, a certeza de que não é dessa oposição que
o País precisa. Nenhuma legenda que esteja refém da retórica bolsonarista
contra o sistema eleitoral e atue pensando exclusivamente em votos será capaz
de fazer a oposição madura, responsável, combativa e democrática que o
interesse público nacional demanda.
“O Bolsonaro é o nosso capitão, nós vamos
segui-lo no que for preciso”, disse Valdemar Costa Neto, confirmando que a
legenda continuará alheia, nos próximos anos, ao debate civilizado, à
negociação política e à discussão de propostas. Afinal, o bolsonarismo atua
noutra lógica: a do conflito, da agressão e da antipolítica.
Com essas palavras de submissão, o
presidente do PL revelou mais um efeito deletério do bolsonarismo na vida
política nacional. Jair Bolsonaro não apenas conseguiu que Lula, malgrado todos
os males que causou ao País, voltasse à Presidência da República, como está
destruindo desde já a capacidade da maior legenda no Congresso de ser oposição
aos petistas. Esta é a realidade: Bolsonaro estraga tanto o governo como a
oposição.
Uma nota que não deveria existir
O Estado de S. Paulo
Não cabe às Forças Armadas opinar sobre temas civis, muito menos criticar ‘excessos’ dos Poderes constitucionais
A nota conjunta dos comandantes da Marinha,
do Exército e da Aeronáutica sobre “as manifestações populares que vêm
ocorrendo em inúmeros locais do País” é o resultado de quatro anos de Jair
Bolsonaro na Presidência da República. Desde a redemocratização, as Forças
Armadas nunca haviam sido colocadas em tantas situações de constrangimento pelo
Executivo federal. Em alguns casos, chegaram a ser instigadas explicitamente a
atuar fora das linhas constitucionais; por exemplo, quando Jair Bolsonaro falou
de apuração paralela das eleições por militares. É preciso voltar à plena
normalidade democrática: as Forças Armadas, precisamente por serem armadas, não
se manifestam sobre assuntos civis. Devem ser o Grande Mudo.
O comunicado do Alto-Comando dirige-se “às
instituições e ao povo brasileiro”. Ora, as Forças Armadas não têm competência
constitucional para dar orientações ou recados às instituições democráticas,
tampouco à população. No Estado Democrático de Direito, não cabe à Marinha, ao
Exército ou à Aeronáutica dizer o que é aceitável e o que é condenável perante
a lei brasileira. Para isso, há o poder civil; em especial, o Poder Judiciário,
instância competente para interpretar e aplicar a lei brasileira. Nessa tarefa,
ele é auxiliado pelo Ministério Público, cuja missão é precisamente defender a
ordem jurídica e o regime democrático.
Na nota, os comandantes da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica condenam “eventuais restrições a direitos por parte
de agentes públicos” e “eventuais excessos cometidos em manifestações que
possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a
segurança pública”. É uma declaração totalmente despropositada: as Forças
Armadas não são órgão revisor da constitucionalidade e legalidade de atos do
poder público nem de atos da população. Elas são rigorosamente incompetentes
para emitir esse juízo.
Impensável anos atrás, a disposição do
Alto-Comando de se manifestar sobre assuntos civis é o fruto da contínua
tentativa, operada por Jair Bolsonaro, de envolver os militares em questões
políticas. “As Forças Armadas (...) são instituições nacionais permanentes e
regulares”, diz a Constituição. Não são o braço armado do governante. Não são
instância para resolver eventuais tensões ou conflitos entre Poderes.
“Destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por
iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”, prevê a Carta de 1988,
remarcando, assim, que as Forças Armadas nunca agem por conta própria. Elas
sempre estão submetidas aos Poderes constitucionais.
A nota dos comandantes revela também a
peculiar situação de desprestígio do Ministério da Defesa no governo Bolsonaro.
É preciso resgatar a plena função institucional da pasta. Para isso, é
essencial que volte a ser chefiada por um civil. No regime democrático, o
estamento militar está submetido, jurídica e simbolicamente, ao poder civil.
Integrada à administração geral do Estado, a condução política dos assuntos
militares e da defesa deve ser feita por civis.
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