sábado, 12 de novembro de 2022

João Gabriel de Lima* - Um encontro das águas no deserto

O Estado de S. Paulo

O que falta é que as propostas cheguem à única instância em que é possível resolver os problemas: a política

Poucos países têm tantos problemas quanto o Brasil. Mas se há um problema que não temos é a falta de conhecimento sobre nossos problemas. Quase todas as grandes questões brasileiras estão mapeadas, equacionadas e quantificadas. O que falta, na maioria das vezes, é que as propostas e soluções cheguem à única instância em que é realmente possível resolver os problemas: a política.

Duas palestras durante a COP-27 dão um vislumbre do que pode ser o Brasil quando a teoria gestada na academia encontra a prática do dia a dia dos governos. Um debate no Brazil Climate Action Hub, o movimentado pavilhão da sociedade civil, apresentou as principais conclusões do Projeto Amazônia 2030 – a associação de cientistas de renome internacional que se debruçou sobre os diversos aspectos da maior floresta tropical do mundo.

Para os cientistas, não existe uma única Amazônia, mas pelo menos cinco: a floresta intacta, a floresta sob pressão, a floresta desmatada, o cerrado e a Amazônia urbana. “Preservar a floresta intacta, o cerrado e a floresta sob pressão é obrigatório”, diz Alexandre Mansur, diretor de projetos do Instituto O Mundo Que Queremos, um dos expositores da mesa, entrevistado no minipodcast da semana. “A partir daí começamos a pensar na viabilidade econômica da região.”

As evidências mostram que é possível concentrar a maior parte das atividades econômicas na área já desmatada, sem cortar uma única árvore a mais. Melhor: essas atividades podem ser mais lucrativas se ocuparem uma área ainda menor – abrindo espaço para programas de regeneração e reflorestamento. A pecuária, por exemplo, pode dar mais dinheiro caso se restrinja a um terço do espaço ocupado atualmente, concentrando os pastos nas regiões onde já há frigoríficos.

Em outro espaço da COP, a Sala Luxor, Mauro O’ de Almeida, secretário do Meio Ambiente do Pará, mostrou como o Estado reduziu o desmatamento nas áreas sob sua jurisdição, e conta com o governo federal para restaurar comando e controle na parte em que a União é proprietária. Almeida também se mostrou disposto a usar os estudos do Amazônia 2030 no planejamento econômico da região.

Não existe solução simples para questões complexas – e a Amazônia é um labirinto de problemas. Há mais chances de sucesso, no entanto, quando se usa um mapa de navegação confiável. Se o Pará cumprir a promessa de usar as pesquisas do Amazônia 2030, será um caso raro e virtuoso em que um governo elabora suas políticas públicas a partir de evidências. Seria o encontro das águas entre a política e o conhecimento em pleno deserto do Sinai. 

*Professor da Faap e doutorando em ciência política na Universidade de Lisboa

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Muito bom o artigo.