sábado, 12 de novembro de 2022

Marcus Pestana - O que fica de aprendizado sobre nosso sistema de governo?

Pela primeira vez, assistimos à derrota de um presidente no poder em sua tentativa de reeleição. Encontra-se em curso o processo de transição. Até aqui tudo parece caminhar bem. Lula, com sua experiência e habilidade política, sinaliza estar fazendo a leitura correta das eleições. Afinal, a margem de diferença de 1,8% foi a mais apertada de todos os segundos turnos ocorridos desde 1989 e a composição do Congresso determinou nova correlação de forças, com o fortalecimento das posições à direita, o enfraquecimento do centro político e uma bancada de esquerda insuficiente para sustentar o novo governo.

O ser humano é o único na face da Terra capaz de processar racionalmente os fatos, analisar criticamente resultados, avaliar a trajetória percorrida, como base para o aprendizado coletivo e a construção de soluções futuras.

Como contribuição à reflexão, procurarei, neste e nos próximos artigos, expor as conclusões a que cheguei em relação aos nossos sistemas de governo, eleitoral e partidário, independente da viabilidade política das alternativas que julgo as melhores.

Comecemos pelo sistema de governo. Não tenho dúvidas, vis a vis a experiência de outros países, quanto à superioridade do parlamentarismo ou do semipresidencialismo sobre o sistema presidencialista. Sei que esta alternativa já foi refugada em dois plebiscitos em 1963 e 1993. A nossa tradição é mais ligada a personagens carismáticos do que a partidos e programas, fato reafirmado em 2022.

Apesar de características históricas bastante diferentes, vale a comparação com a experiência recente de outros países. Portugal resolveu em três meses a crise de governo em torno da não aprovação do orçamento de 2022, dissolvendo o parlamento, convocando novas eleições e dando maioria estável ao primeiro ministro socialista, Antônio Costa. A Alemanha construiu, a partir dos resultados das eleições parlamentares, a coalizão semáforo, reunindo socialdemocratas, liberais e verdes, com ampla maioria, em torno de um documento programático denso e detalhado.

Na França, aonde as eleições parlamentares são feitas dois meses após a presidencial, Macron não fez maioria absoluta, e dependerá de um acordo com os Republicanos, de centro-direita, para governar. No Reino Unido, o primeiro-ministro Boris Johnson perdeu as condições de governabilidade, foi substituído por Liz Truss, em decisão do Partido Conservador, que durou apenas 45 dias no poder e foi substituída por Rishi Sunak.

No presidencialismo brasileiro, cada uma dessas crises, levaria à um doloroso e longo processo de impeachment ou à permanência de um governo inoperante e desgastado.

As eleições parlamentares brasileiras são bastante dissociadas das presidenciais, fruto de um sistema eleitoral incompreensível para o eleitor. A 15 dias das eleições, 75% dos brasileiros não tinha escolhido seu deputado. Aqui, as coisas são invertidas. Agora eleito, Lula começa a cuidar da formação da maioria parlamentar necessária para governar, buscando atrair partidos que não se alinharam na eleição como MDB, PSD, União Brasil, PP, numa tentativa de reedição do “presidencialismo de coalizão”. A desconexão entre eleição presidencial e maioria parlamentar nas eleições brasileiras merece ser repensada em nome da maior qualidade do ambiente de governabilidade e governança.

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