O Estado de S. Paulo
Uma percepção mais ampla de defesa e de
segurança, não restrita ao âmbito militar, responderia aos desafios da projeção
do País no contexto internacional.
As circunstâncias conjunturais pelas quais
o Brasil passa hoje fazem com que as atenções da opinião pública informada se
concentrem no debate sobre economia, taxa de juro e inflação, orçamento, sobre
redução do desemprego, da pobreza, a saúde no novo governo. O brasileiro menos
favorecido quer saber como ganhar dinheiro para pagar a comida, o remédio, o
transporte e sua roupa.
Neste contexto, pouca gente está pensando o Brasil como uma potência emergente, cada vez mais dividida e com um novo governo que terá grandes desafios para reafirmar a democracia e as instituições, em vista da previsível feroz oposição bolsonarista. Assuntos institucionais, como o lugar do Brasil no mundo, defesa e segurança, o aperfeiçoamento dos meios de trabalho das Forças Armadas para defender os interesses reais do País e superar as novas ameaças globais, são tratados por restrito número de pessoas no governo, no meio acadêmico, no âmbito de instituições militares e (muito pouco) no Congresso. O Brasil não enfrenta ameaças de uma guerra convencional entre Estados, sendo efetiva a atuação das Forças Armadas em missões de paz, intervenções humanitárias, combate ao terrorismo, ao crime organizado, em segurança cibernética, Garantia da Lei e da Ordem (GLO), ações cívicas e outras.
No Brasil, soberania, defesa e segurança
são, normalmente, associadas a questões de natureza militar, como ocorre, em
linhas gerais, nos importantes documentos recentes sobre Estratégia Nacional e
Política Nacional de Defesa. O conceito de defesa deveria ser examinado de
forma mais abrangente, não limitado às percepções militares, como ocorre nesses
documentos, que discutem as concepções política e os objetivos da Defesa e
estratégica e os fundamentos da Defesa. Ambos os documentos procuram responder
aos desafios como hoje percebidos e o planejamento das prioridades para a
Defesa.
A vantagem de uma percepção mais ampla de
defesa e de segurança, não restrita ao âmbito militar, mas envolvendo outros
atores, em diferentes setores da sociedade, responderia aos desafios da
projeção do Brasil no contexto internacional, dentro das suas grandes dimensões
estratégicas. E colocaria o País em melhor posição para a defesa de seus
interesses no momento em que as transformações geopolíticas, de inovação e
tecnologia e a nova ordem econômica dão realce a temas globais como mudança do
clima e segurança alimentar.
Quando ministro da Defesa, Celso Amorim
ressaltou que o Brasil deveria seguir o conceito de uma Grande Estratégia,
baseado numa coordenação de políticas de defesa e externa, com vistas à defesa
do interesse nacional e à contribuição para a paz mundial. No contexto das
limitadas discussões estratégicas, focadas sobretudo nos aspectos de soberania
e defesa, está faltando um debate amplo, que deveria extrapolar o âmbito militar,
sobre a formulação desta Grande Estratégia, em que a política de defesa e a
política externa sejam complementadas por anseios da sociedade civil e, mais
recentemente, por demandas da comunidade internacional sobre segurança
ambiental, energética, alimentar e outras áreas. A Constituição, que define os
objetivos, princípios e direitos fundamentais, deveria ser a base para a
definição da Grande Estratégia, levando em conta a geopolítica e as
transformações por que passa o cenário internacional, em especial na economia
global, no meio ambiente, na tecnologia e na inovação, e que reflita o poder
efetivo do País.
No âmbito do Executivo, a elaboração da
Grande Estratégia deveria ser responsabilidade do Conselho de Defesa Nacional
(CDN), vinculado à Presidência da República, com a participação de outros
atores políticos, ministérios que tratam de temáticas interdependentes, como
Relações Exteriores, Ciência, Tecnologia e Inovações, Justiça e Segurança e
Economia, assim como dos representantes do Congresso Nacional. Instituições
independentes, não pertencentes às corporações do Estado, serviriam para evitar
possíveis omissões e distorções e contribuiriam para um maior apoio da
sociedade às ações do Estado voltadas para defesa e segurança.
O documento definiria e priorizaria
objetivos de longo prazo, levando em conta as condicionantes e necessidades
derivadas de cenários e ameaças possíveis e de metas definidas para permitir o
seu enfrentamento, bem como os recursos que o Estado estaria disposto a alocar
ao longo do tempo para o alcance desses objetivos. Essas decisões de alto nível
são essenciais para evitar alguns dos principais problemas da abordagem de
baixo para cima que vem sendo usada. A Grande Estratégia, política de Estado,
cobriria um horizonte mais extenso (de dez a 20 anos), como fez recentemente o
Reino Unido, que, depois da saída da União Europeia, definiu seu lugar no mundo
dentro de uma ampla visão global, ou a Estratégia de Segurança Nacional dos
EUA, assinada pelo presidente Joe Biden e recentemente divulgada.
Neste contexto, o futuro governo, junto com
o Congresso, a academia e think tanks especializados, poderia
aproveitar o momento para propor uma Grande Estratégia para a segurança e a
defesa dos interesses nacionais, de forma abrangente, a ser discutida, ampla e
democraticamente, a partir de janeiro de 2023.
*Presidente do Centro de Estudos de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen)
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