terça-feira, 22 de novembro de 2022

Rubens Barbosa* - Uma Grande Estratégia para o Brasil

O Estado de S. Paulo

Uma percepção mais ampla de defesa e de segurança, não restrita ao âmbito militar, responderia aos desafios da projeção do País no contexto internacional.

As circunstâncias conjunturais pelas quais o Brasil passa hoje fazem com que as atenções da opinião pública informada se concentrem no debate sobre economia, taxa de juro e inflação, orçamento, sobre redução do desemprego, da pobreza, a saúde no novo governo. O brasileiro menos favorecido quer saber como ganhar dinheiro para pagar a comida, o remédio, o transporte e sua roupa.

Neste contexto, pouca gente está pensando o Brasil como uma potência emergente, cada vez mais dividida e com um novo governo que terá grandes desafios para reafirmar a democracia e as instituições, em vista da previsível feroz oposição bolsonarista. Assuntos institucionais, como o lugar do Brasil no mundo, defesa e segurança, o aperfeiçoamento dos meios de trabalho das Forças Armadas para defender os interesses reais do País e superar as novas ameaças globais, são tratados por restrito número de pessoas no governo, no meio acadêmico, no âmbito de instituições militares e (muito pouco) no Congresso. O Brasil não enfrenta ameaças de uma guerra convencional entre Estados, sendo efetiva a atuação das Forças Armadas em missões de paz, intervenções humanitárias, combate ao terrorismo, ao crime organizado, em segurança cibernética, Garantia da Lei e da Ordem (GLO), ações cívicas e outras.

No Brasil, soberania, defesa e segurança são, normalmente, associadas a questões de natureza militar, como ocorre, em linhas gerais, nos importantes documentos recentes sobre Estratégia Nacional e Política Nacional de Defesa. O conceito de defesa deveria ser examinado de forma mais abrangente, não limitado às percepções militares, como ocorre nesses documentos, que discutem as concepções política e os objetivos da Defesa e estratégica e os fundamentos da Defesa. Ambos os documentos procuram responder aos desafios como hoje percebidos e o planejamento das prioridades para a Defesa.

A vantagem de uma percepção mais ampla de defesa e de segurança, não restrita ao âmbito militar, mas envolvendo outros atores, em diferentes setores da sociedade, responderia aos desafios da projeção do Brasil no contexto internacional, dentro das suas grandes dimensões estratégicas. E colocaria o País em melhor posição para a defesa de seus interesses no momento em que as transformações geopolíticas, de inovação e tecnologia e a nova ordem econômica dão realce a temas globais como mudança do clima e segurança alimentar.

Quando ministro da Defesa, Celso Amorim ressaltou que o Brasil deveria seguir o conceito de uma Grande Estratégia, baseado numa coordenação de políticas de defesa e externa, com vistas à defesa do interesse nacional e à contribuição para a paz mundial. No contexto das limitadas discussões estratégicas, focadas sobretudo nos aspectos de soberania e defesa, está faltando um debate amplo, que deveria extrapolar o âmbito militar, sobre a formulação desta Grande Estratégia, em que a política de defesa e a política externa sejam complementadas por anseios da sociedade civil e, mais recentemente, por demandas da comunidade internacional sobre segurança ambiental, energética, alimentar e outras áreas. A Constituição, que define os objetivos, princípios e direitos fundamentais, deveria ser a base para a definição da Grande Estratégia, levando em conta a geopolítica e as transformações por que passa o cenário internacional, em especial na economia global, no meio ambiente, na tecnologia e na inovação, e que reflita o poder efetivo do País.

No âmbito do Executivo, a elaboração da Grande Estratégia deveria ser responsabilidade do Conselho de Defesa Nacional (CDN), vinculado à Presidência da República, com a participação de outros atores políticos, ministérios que tratam de temáticas interdependentes, como Relações Exteriores, Ciência, Tecnologia e Inovações, Justiça e Segurança e Economia, assim como dos representantes do Congresso Nacional. Instituições independentes, não pertencentes às corporações do Estado, serviriam para evitar possíveis omissões e distorções e contribuiriam para um maior apoio da sociedade às ações do Estado voltadas para defesa e segurança.

O documento definiria e priorizaria objetivos de longo prazo, levando em conta as condicionantes e necessidades derivadas de cenários e ameaças possíveis e de metas definidas para permitir o seu enfrentamento, bem como os recursos que o Estado estaria disposto a alocar ao longo do tempo para o alcance desses objetivos. Essas decisões de alto nível são essenciais para evitar alguns dos principais problemas da abordagem de baixo para cima que vem sendo usada. A Grande Estratégia, política de Estado, cobriria um horizonte mais extenso (de dez a 20 anos), como fez recentemente o Reino Unido, que, depois da saída da União Europeia, definiu seu lugar no mundo dentro de uma ampla visão global, ou a Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, assinada pelo presidente Joe Biden e recentemente divulgada.

Neste contexto, o futuro governo, junto com o Congresso, a academia e think tanks especializados, poderia aproveitar o momento para propor uma Grande Estratégia para a segurança e a defesa dos interesses nacionais, de forma abrangente, a ser discutida, ampla e democraticamente, a partir de janeiro de 2023.

*Presidente do Centro de Estudos de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) 

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