terça-feira, 22 de novembro de 2022

Carlos Andreazza - Bodão

O Globo

O bode está posto. No Parlamento. Para o Parlamento. É a PEC. O gabinete de transição engordou o bicho. Informou: quero tudo. Colheu reações ruins. E ainda pôs mais peso ao entregá-lo. Sentiu que podia empurrar uns quilinhos inesperados. Informou: quero tudo — tudo de que se reclamou — e ainda mais um bocado. Bancou, até o último minuto, o regime de engorda. Ao Congresso, agora, a disciplina — o ônus — da dieta.

O governo eleito esticou a corda mesmo; e ora transfere responsabilidades. É velha estratégia política. E que decerto considerou — ou deveria haver considerado — o estresse entre agentes econômicos. Decerto também medindo — e fácil não está — o pulso da sociedade impaciente.

Bodão. O mercado chiou. (A expectativa, finalmente, está baixa.) Os donos do Parlamento veem negócio.

Lula gere o tempo e dá seus recados. Foi ele quem venceu. Ele e o PT. O mercado se agasta. Esperava, ademais, que a tal frente ampla eleitoral produzisse, na forma de governo, um Pérsio Arida na Fazenda. Expectativa delirante que afinal resulta no alívio de ao menos não ser Mantega. Esse é o jogo.

Não será Mantega, mas o manteguismo terá vez. Tampouco a PEC será essa posta. É a temporada dos bodes. Dos bodões. Os donos do Parlamento veem jogo. Lula e o PT venceram. O orçamento secreto também. Terão de conversar.

Lula pediu tudo. Tudo para fora do finado teto de gastos. Não apenas os cerca de R$ 180 bilhões para bancar todo o Bolsa Família a R$ 600, os R$ 150 por criança e mais o reajuste do salário mínimo em termos reais. Ainda acresceu, à última hora, espécie de bônus, a depender do nível de arrecadação; que poderá fazer com que o extraorçamento bata nos R$ 200 bilhões — e isso sem prazo para acabar.

É a demanda. O bode gordo. O bodão. Não apenas R$ 200 bilhões fora do teto de gastos, finado cujo corpo ainda no chão impõe constrangimentos, mas R$ 200 bilhões à margem do presunto e sem ano para cessar. Bodão.

Lula pediu tudo. Em resumo: a PEC da Transição apresentou-se com físico de PEC Kamikaze e pretensão a PEC da Permanência. Bode obeso no colo do Congresso. Agora, negocia-se. A PEC da Transição, com musculatura de Kamikaze e desejo de Permanência, pode ser também a da Transação. Bodão é oportunidade. O Parlamento vai lhe tratar. Será o ex-bodão.

Ou não. Negocia-se. Negocia-se o emagrecimento. É quando o vencedor do segundo turno, Lula, senta-se com o do primeiro, o orçamento secreto.

A turma da transição inventou o tal bônus na esperança de ser essa a gordura cortada. Será possivelmente mais. Quem iniciou a conversa falando em R$ 100 bilhões fora do teto — e ora se estica a R$ 200 bilhões — dormirá feliz com R$ 150 bilhões. Talvez até o mercado ronque menos. (A expectativa, finalmente, está baixa.) Esse é o jogo.

Dormirá também feliz aquele que, pedindo autorização para gastar — por fora — sem prazo, ganhar um limite que limite não será: quatro anos e nada mais. Lula pediu tudo. Mas sempre quis a eternidade possível. O mandato inteiro. Lamberá os beiços. Em matéria de governo: solução permanente.

Quatro anos para gastar — R$ 150 bilhões, talvez R$ 160 bilhões — fora do teto. Será esse o acordo? Pacheco já deu aval. E francamente: livrando-se — livrando Lula e o PT — da necessidade, da urgência, de nova âncora fiscal. Essa é a cabeça. Para que âncora fiscal, se me derem a desancoragem como emenda à Constituição?

O teto de gastos, o vigente, está morto — repita-se. Ao colocar a conta para fora do caixão, ano a ano, no curso de todo o mandato, pode-se deixar o presunto de lado. E daí que não faça bom cheiro?

Tampouco será bom o cheiro advindo do emagrecimento do bodão, cujo volume — a gordura a lhe ser retirada — dependerá também do futuro do orçamento secreto; de modo que o bicho poderá até continuar bodão se, nas tratativas, Lula e Lira acertarem uma sociedade nas bases daquela que o presidente da Câmara firmara com Jair Bolsonaro. Esse é o jogo. Negocia-se.

Bodão. Ex-bodão. Ou não.

Há muito investimento em jogo. E se tem dado pouca atenção a isto: aquele montante posto para fora do Orçamento de 2023 — se a integralidade mesmo do previsto para o Bolsa Família de R$ 400, pouco mais de R$ 100 bilhões — significará espaço fiscal liberado no Orçamento. Grana parruda, sim, para a recomposição do Farmácia Popular, entre outros programas aterrados por Bolsonaro; mas também para a reativação do velho PAC, nova superfície potencial para o esparramento do orçamento secreto. Esse é o jogo. Tem jogo. Há muita aceleração em jogo. Muita oportunidade de investimento.

O Parlamento, aprovando a PEC, liberará esse tremendo espaço fiscal sem exigir detalhamento orçamentário? De novo: o grau de exigência dependerá de como o orçamento secreto se converterá em instrumento para a governabilidade. Dependerá — eis como se impõe o mundo real — de o orçamento secreto ter vez nos bilhões desenrolados. Tem jogo.

O bodão dificilmente será bodinho.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

Bodou sim!

Anônimo disse...

E até o Josias, depois de baixar uma espécie de 'esprito ruim' da Madeleine Lacsko nele, entrou nessa (Lula e Lira fazem da transição torneio de bodes). Fedeu!

ADEMAR AMANCIO disse...

Lula e Lira,quem diria?!