O Globo
O Brasil precisa como nunca promover a
mentalidade ambidestra, unindo solidariedade e conhecimento
Quem trabalha no setor social precisa ter
coração. É fundamental cultivar certa indignação perante as injustiças, se
solidarizar com a dor do próximo, não cair na armadilha de naturalizar a
pobreza e a desigualdade.
É esse ímpeto que nos leva a enxergar as
pessoas tidas como invisíveis, gente cuja história costuma ficar escondida nos
barracos e vielas das periferias brasileiras.
Mas boas intenções não bastam. A pobreza é
um desafio social e também técnico. Com o coração, nós podemos sentir a dor dos
que vivem “da ponte pra lá”, como no verso dos Racionais MC’s, mas apenas o
conhecimento técnico pode transformar esse ímpeto bondoso em soluções reais,
exequíveis, para a questão da pobreza.
Aprendi essa lição, meio ao acaso, com a minha mãe. Sempre que eu tinha um dia ruim, ela estava pronta para me ouvir, me abraçar, me acolher, mas jamais me deixava faltar à escola. Ela não se esquecia de como a educação era importante para que eu pudesse um dia quebrar os grilhões da pobreza.
Quem encara um problema social apenas com o
coração está fadado a criar saídas pontuais, imediatistas, não uma verdadeira
trilha de emancipação.
Esta época do ano, aliás, traz vários
exemplos disso. Sempre que um temporal de verão assola uma região do país, a
sociedade brasileira se une para recolher doações, recrutar voluntários e
tentar aliviar o sofrimento de quem perdeu tudo. Passado o período agudo da
crise, a questão parece ser deixada de lado. O ímpeto solidário existe, mas não
conseguimos concentrar essa energia na elaboração de soluções perenes.
Nosso modelo de combate à pobreza segue uma
lógica parecida. Seguindo o coração, apostamos quase todas as nossas fichas em
programas de transferência de renda que, embora absolutamente necessários,
apenas amenizam o problema.
Falta a capacidade técnica para desenvolver
estratégias mais eficazes e permanentes, que façam com que, após certo tempo, a
família contemplada por determinado programa social nunca mais precise de ajuda
do poder público para manter uma vida digna.
No campo social, as melhores ideias nascem
sempre de uma interseção entre coração e técnica. Daí que uma boa liderança
tenha de ser, digamos, “ambidestra”.
Ela precisa se comover com o desespero do
pai que ficou desempregado, da mãe que não tem dinheiro para comprar a comida
dos filhos, da criança que abandonou a escola para trabalhar ou pedir esmola no
semáforo. Esse senso de urgência é fundamental.
Mas precisa igualmente estar atenta às
principais vozes da academia, do terceiro setor e da iniciativa privada, de
onde saem algumas das melhores tecnologias sociais para superação da pobreza.
Só assim pararemos de ajudar a favela e passaremos a emancipá-la.
A pobreza é um desafio multidimensional.
Quem pensa que pode enfrentá-la com alguma fórmula mágica infalível certamente
não entendeu a complexidade da questão. O Brasil precisa como
nunca promover essa mentalidade ambidestra, unindo solidariedade e conhecimento
de ponta, para enfim desenvolver soluções à altura dos nossos problemas.
Sem a mediação da técnica, um coração solidário não vai muito longe.
3 comentários:
Excelente artigo!
Parabéns, autor!
Pelo menos não temos mais na presidência um GENOCIDA que negava a existência de fome e de pobreza extrema no Brasil. E que só ampliou o auxílio social no fim do seu mandato, tentando melhorar o apoio à sua candidatura. CANALHA!
Concordo com o colunista.
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