Investigação de Bolsonaro tem de seguir adiante
O Globo
É preciso descobrir quando, como e com quem
ex-ministro Torres debateu minuta de golpe achada em sua casa
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal (STF), acolheu na sexta-feira pedido da Procuradoria-Geral da
República (PGR) para incluir o ex-presidente Jair Bolsonaro entre os
investigados no inquérito que apura os atos golpistas de 8 de janeiro. O
Ministério Público diz ter encontrado indícios de que Bolsonaro atuou como um
dos “autores intelectuais” do vandalismo e cita um vídeo compartilhado por ele
nas redes sociais questionando a legitimidade das eleições de outubro.
Para os procuradores, Bolsonaro ocupa posição de destaque na “câmara de eco desinformativo”. O surpreendente não é o teor da suspeita, mas a PGR ter levado tanto tempo para tomar uma atitude. Levantamento do GLOBO mostra que, desde o início da pandemia, Bolsonaro radicalizou o discurso contra Judiciário, Legislativo e a lisura das eleições. Fez um ataque a cada 23 dias, vários insinuando ruptura institucional. De 46 ameaças explícitas entre 2020 e 2022, 29 tiveram o Judiciário como alvo e 18 a urna eletrônica.
Depois da derrota em outubro, Bolsonaro
mudou de estratégia. Passou a adotar o silêncio ou a proferir frases dúbias em
raras manifestações. Seu silêncio foi gritante no dia do quebra-quebra em
Brasília. Só criticou as “depredações e invasões de prédios públicos” quando a
situação estava finalmente controlada. Não satisfeito, dois dias depois,
compartilhou o vídeo citado pela PGR, apagado após algumas horas.
As digitais de Bolsonaro estão espalhadas
pela radicalização da extrema direita no Brasil, mas comprovar juridicamente
seu envolvimento no golpismo será um desafio para os procuradores. Apenas o
aprofundamento do inquérito responderá se ele poderá ser considerado “autor
intelectual” dos ataques. Contra Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de
Bolsonaro e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, há provas mais
claras.
Preso em Brasília depois de voltar ao
Brasil, Torres terá de explicar não apenas decisões que facilitaram a ação dos
golpistas, como a minuta de decreto encontrada em sua casa pela Polícia Federal
(PF), que, tivesse sido editado, equivaleria a um golpe de Estado. O texto
ordenava a imposição de estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) —
figura juridicamente insólita, sem amparo constitucional — para permitir uma
intervenção e a anulação do resultado da eleição presidencial, sob a supervisão
de uma comissão repleta de militares. A minuta é evidência eloquente de que o
golpismo chegou ao escalão mais alto da República.
Ainda nos Estados Unidos, onde estava de
férias, Torres afirmou que o documento estava numa “pilha para descarte”, foi
“vazado fora de contexto” e disse que recebia muitas minutas. Balela. Ele tinha
a obrigação de denunciar qualquer tentativa de quebrar a ordem democrática.
Torres terá agora de esclarecer quem pediu a redação da minuta do golpe, quando
e onde. Para isso, será fundamental resgatar trocas de mensagens em seu
celular, aparentemente deixado na Flórida.
Sempre respeitando o contraditório e o legítimo
direito de defesa, os investigadores têm obrigação de trazer à tona todo tipo
de prova que jogue luz no movimento golpista que assaltou Brasília para
sequestrar a democracia brasileira. Crimes evidentes dos extremistas estão
registrados em vídeo e imagens. Mas há outros protagonistas. O país não pode se
furtar a investigar, processar e punir os responsáveis.
Caso Americanas é oportunidade para maior
transparência no varejo
O Globo
Empresa e auditores devem à Justiça
esclarecimentos sobre prática contábil que mascarou endividamento
Não é sempre que uma empresa como as Lojas
Americanas, com 94 anos, ações em Bolsa dentro e fora do país, é envolvida em
suspeitas de fraude. “Inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões, acumuladas
por dez anos, foram anunciadas na semana passada por um diretor-presidente
recém-contratado. O caso se torna mais rumoroso porque os acionistas mais
importantes da empresa são Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto
Sicupira, do grupo 3G Capital, trio conhecido pelo espírito aguerrido nas
aquisições e nos negócios em que se envolve no mundo todo, da cervejaria AB
InBev à Kraft Heinz.
O rombo na contabilidade das Americanas,
equivalente ao faturamento de janeiro a setembro passado, fez desabar suas
ações em quase 80% e gerou uma disputa judicial cujo foco é o nível de
transparência contábil exigido das empresas de capital aberto no Brasil. As
“inconsistências” apontadas em comunicado ao mercado são relativas à forma como
se registram em balanço os empréstimos obtidos junto a bancos para adiantar o
pagamento a fornecedores. A operação, conhecida no mercado como “risco sacado”,
subestimou o endividamento da empresa.
Credor das Americanas, o banco BTG Pactual
entrou com ação na Justiça para suspender uma liminar que permitia à empresa
adiar pagamentos enquanto reavalia seu balanço. Na petição inicial, advogados
do banco citam o patrimônio dos donos da 3G e lembram casos do que chamam de
“pirotecnia contábil” em empresas do grupo, como o ajuste de US$ 15,4 bilhões
no balanço da Kraft. Comparam o pedido à Justiça para adiar compromissos ao
“menino da antiga anedota forense que, após matar o pai e a mãe, pede clemência
aos jurados por ser órfão”.
Apesar da frase de efeito, a situação é
mais complexa do que aparenta. É inverossímil que fraudes dessa monta tenham
passado despercebidas por tanto tempo aos auditores — a ponto de muitos as
terem associado às descobertas na empresa de energia Enron, do Texas, que
levaram o Congresso americano a aprovar no início do século regras para evitar
fraudes e dar mais transparência à gestão. Ainda não está claro se houve dolo
da parte dos controladores da empresa ou se apenas foram adotadas práticas
contábeis que, embora pouco recomendáveis, eram frequentes e toleradas em
empresas do varejo.
É preciso esperar a conclusão das investigações para ter certeza do que houve. Pelo que já se sabe, porém, é certo que será necessário exigir mais transparência não apenas das Americanas, mas também de outras empresas do setor. “Haverá desdobramentos na revisão de normas contábeis e na responsabilização de auditores”, afirma Roberto Teixeira da Costa, primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), hoje à frente da Câmara de Arbitragem do Mercado da Bolsa de Valores. Depois dos esclarecimentos da Justiça, dos auditores e da empresa, o mínimo que se pode esperar é respeito àqueles que compraram suas ações confiando numa boa administração.
Série de humilhações
Folha de S. Paulo
Alto oficialato evitou o pior, mas
militares deveriam fazer severa autocrítica
Em 1º de setembro de 2021, seis dias antes
das provocações golpistas do então presidente Jair Bolsonaro (PL) no feriado da
Independência, foi promulgada a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito.
Ao revogar o
entulho autoritário que era a Lei de Segurança Nacional, o novo
diploma, entre outras disposições, reformou o Código Penal para punir quem
"incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas
contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade".
Durante mais de 60 dias, desde que foi
conhecido o resultado da eleição presidencial de 2022, o Exército tolerou
diante de seus quartéis aglomerações de delinquentes, que reivindicavam a
atuação de militares contra o resultado das urnas proclamado pelo Judiciário.
A situação se agravou quando o acampamento
defronte ao quartel-general de Brasília serviu de "networking" para a
trama terrorista que por pouco não conseguiu explodir, na
véspera do Natal, um caminhão-tanque carregado de combustível na capital
federal.
Menos de duas semanas depois, das tendas na
frente do QG brasiliense partiu a coluna de visigodos, golpistas até a medula,
que destruiu as sedes do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e da
Presidência de República.
Como se não bastasse, o batalhão do
Exército mantido com o único propósito de defender o Palácio do Planalto falhou
diante de uma falange de agressores mal coordenados, alguns em idade provecta.
As Forças Armadas deveriam refletir sobre
essa sequência de humilhações, facilitada por sua brandura com a anarquia
vestida de verde e amarelo. Apurar responsabilidades individuais e adotar
punições cabíveis é o início para a severa autocrítica que se faz necessária.
Não é pouco que o alto oficialato tenha
resistido ao reiterado assédio golpista de um presidente da República. Mas a
camada de distanciamento para as chamadas vivandeiras precisa tornar-se ainda
mais espessa a fim de que militares e civis possam cumprir sem conflitos os
seus papéis na democracia.
Aos primeiros cabe a defesa do território e
da soberania nacionais. A legislação e os códigos de corporação deveriam
redobrar as cautelas para mantê-los isolados da política partidária e das
funções de governo não ligadas à caserna.
Não se podem mais brindar com impunidade
desvios como o do general Eduardo Pazuello nem observar passivamente a lei ser
descumprida diante de unidades militares.
Aos civis cumpre sepultar o mau hábito
remanescente da época em que se recorria aos portadores das baionetas para
resolver questões políticas. O recurso de quem perde a eleição é fazer oposição
e tentar novamente quatro anos depois.
Japão em armas
Folha de S. Paulo
País asiático abandona pacifismo para
enfrentar China ao lado dos Estados Unidos
Grandes mudanças geopolíticas são processos
de anos, quando não décadas, mas que a historiografia costuma marcar com datas
específicas. Talvez o 13 de janeiro de 2023 venha a ser uma delas.
Na última sexta, o presidente
dos EUA, Joe Biden, recebeu o premiê japonês, Fumio Kishida. Nada
anormal, exceto pelo contexto. Após um longo período de pacifismo imposto e
depois absorvido pela sociedade japonesa, Tóquio recebeu a bênção oficial dos
americanos para a remilitarização.
Não é algo banal. A Constituição ditada em
1947 pelos EUA ao império expansionista, esmagado na Segunda Guerra
Mundial, interditava a
capacidade ofensiva das Forças Armadas nipônicas. Essa diretriz dos
ocupantes ocidentais forjou a dinâmica da política interna do país nas décadas
seguintes.
De um lado, o pacifismo esposado por grande
parte da população, traumatizada pela destruição que a agressividade imperial
trouxe. Do outro, nacionalistas inconformados com o que viam como perda de
soberania e identidade pela imposição dos vencedores da guerra.
As Forças de Autodefesa do Japão buscaram
formas de escamotear capacidades de agressão, mas são obrigadas a não ter
muitos dentes.
Ao longo dos últimos anos, formou-se na
classe política japonesa uma maioria em favor da normalização do país como ator
externo responsável. Os crimes do império até 1945, sustentam, já foram
devidamente pagos com juros.
Nem todos, como os rivais amigáveis
sul-coreanos, concordam, mas os americanos viram na disposição um instrumento
útil para a competição contra a China —adversário comum que têm com Japão,
Índia e Austrália, seus aliados no fórum estratégico Quad.
Assim, Biden enalteceu a decisão japonesa de
dobrar seu orçamento militar para 2% do PIB, uma enormidade dado que o país
asiático é a terceira maior economia do mundo, atrás dos EUA e da China.
Tóquio, ciosa dos momentos de hesitação
americana no passado, ampliou sua rede de apoio a outros parceiros ocidentais
—firmando a criação de um novo caça com britânicos e italianos, por exemplo.
Entretanto, como o chanceler japonês disse recentemente à Folha, o fundamento de sua política externa está no acerto com os americanos. O passo final será a mudança constitucional liberando as amarras militares, o que parece certo. Uma era terá então se encerrado na geopolítica.
A força da intolerância
O Estado de S. Paulo.
A maioria dos brasileiros não acredita no
arrefecimento do sectarismo político.
Apenas três em cada dez brasileiros dizem
acreditar que a tolerância política aumentará em 2023, de acordo com um
levantamento feito pelo instituto de pesquisa Ipsos em dezembro. O resultado
nacional é considerado baixo, mas não está distante da média global negativa
(34%) aferida pelo instituto em 36 países. De fato, a percepção de aumento da
intolerância política está longe de ser um problema exclusivo do Brasil.
A sociedade brasileira – e aqui não há
novidade – está profundamente dividida no que concerne às afiliações
ideológicas e partidárias dos cidadãos. Não há no País um centro político
democrático, ao menos não como força eleitoral, capaz de conquistar corações e
mentes da maioria pelo apelo a consensos mínimos. Sobressai a estridência dos
polos. Prevalece o distúrbio comunicacional – muita gritaria e pouca escuta.
Ambos com sequelas terríveis até para o ambiente privado dos indivíduos.
Quantos laços familiares, de trabalho e de amizade foram desfeitos nos últimos
anos em virtude de posições políticas tidas como irreconciliáveis?
A intentona perpetrada por radicais
bolsonaristas no dia 8 passado só aumentou a percepção de que o Brasil virou
uma terra de gente infensa ao diálogo e incapaz de respeitar diferenças de
opinião. É evidente que não há diálogo possível com extremistas; menos ainda
com extremistas criminosos. A eles, o isolamento e o peso da lei. Mas, em
geral, essa percepção não só está errada, como deve ser ativamente
desconstruída – desde a mais alta autoridade executiva da República, o
presidente Lula da Silva, até o mais anônimo dos cidadãos.
A grande maioria dos brasileiros, incluindo
muitos dos que votaram em Jair Bolsonaro, condena o emprego da violência como
forma de ação política. Há, portanto, saídas para essa intolerância que
paralisa o País, desde, é claro, que autoridades e cidadãos, imbuídos de
boa-fé, ajam para superá-la. Como disse ao Estadão o cientista político Miguel
Lago, “a capacidade de condenar essa atividade (o assalto contra as sedes dos
Poderes) é um prenúncio de que é possível arregimentar forças em defesa da
civilidade”.
O desafio do País não é superar as
divergências políticas entre os cidadãos, mesmo as mais aferradas. Elas são
próprias de qualquer democracia digna do nome. O desafio é voltar a trilhar um
caminho de amadurecimento democrático no qual a coabitação seja possível. Para
isso, há que reconstruir um consenso, entre tantos outros, em torno do respeito
inarredável ao grande pacto que nos une como cidadãos: a Constituição. A Lei
Maior protege a livre manifestação de divergências e, ao mesmo tempo, coíbe a
intolerância.
A coabitação entre divergentes só é
possível em um ambiente de tolerância e respeito às leis, vale dizer, quando
ideias, valores e visões de mundo por vezes conflitantes – desde que não
configurem crimes – não são desqualificados a priori por quem se acha o único
portador da “verdade” ou de uma ideia do que seja o “bem”; tampouco seus
defensores são tratados como inimigos de uma facção rival por aqueles que
pensam diferente.
Idealmente, o encerramento da eleição
deveria sobrestar essas diferenças, ao menos até o próximo ciclo eleitoral, e
unir os cidadãos em torno de um projeto comum de País. Mas isso não aconteceu.
Ao contrário.
Agora cabe ao vencedor, o presidente Lula,
tomar a iniciativa de chamar todos os brasileiros ao diálogo, de mostrar, e não
apenas com palavras, que, de fato, governará para todos. Na prática, isso
significa ampliar as forças políticas presentes em seu governo, contemplando o
maior número possível de interesses da sociedade. Dividindo poder entre uma
frente realmente ampla e democrática.
A intolerância política não desaparece de
uma hora para outra por força de vontade; é preciso ações concretas para isolar
os extremistas e dialogar com os divergentes que “estão inseridos no jogo
democrático”, como bem disse Miguel Lago.
Lula será um presidente bem-sucedido se
entender que sua vitória eleitoral não foi apenas sua ou do PT. Que o
presidente compreenda a dimensão de sua responsabilidade histórica.
A revisão dos acordos de leniência
O Estado de S. Paulo.
O PT sempre criticou a punição das empreiteiras envolvidas em corrupção nos governos lulopetistas; não surpreende que o tema tenha voltado à pauta. É preciso muita cautela
A revisão das condições dos acordos de
leniência firmados por empreiteiras é um tema que, tudo indica, será tratado
com prioridade no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Vários sinais indicam a
construção de um clima favorável ao avanço dessa pauta. Mas a relevância do
assunto, as empresas e atores públicos envolvidos e o valor dos acordos só
reforçam a necessidade de tratá-lo com muita cautela.
Já no segundo dia na chefia da Casa Civil,
em uma entrevista concedida à Globonews, o ministro Rui Costa anunciou que o
governo tem a intenção de acelerar obras públicas “sem depender do Orçamento”.
Ele sugeriu que as empresas com dívidas relacionadas a acordos de leniência poderiam
substituir as multas pela execução de obras do governo. A forma extemporânea
com que o tema surgiu no debate público não surpreende. Os principais acordos
de leniência firmados nos últimos anos envolveram empreiteiras flagradas na
Lava Jato por colaborarem de corpo e alma com o projeto de poder lulopetista em
troca de contratos e benefícios. Desde aquela época, os petistas argumentam que
punir as empresas prejudica a economia – como se o castigo exemplar de quem
lucrou com a corrupção fosse um absurdo.
Os acordos de leniência fechados pela UTC
Engenharia, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e OAS somaram R$ 8,1
bilhões, dos quais pouco mais de R$ 1 bilhão foi quitado. Ao confessarem
condutas ilícitas, com a formação de um cartel para fraudar contratos e
pagamento de propina a agentes públicos, essas empreiteiras tiveram condenações
mais brandas e se comprometeram a pagar multas em acordos que envolveram a
Advocacia-geral da União (AGU), a Controladoria-geral da União (CGU), o
Ministério Público Federal (MPF) e a Justiça.
Não deixa de chamar a atenção que o
presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, seja hoje o
principal articulador da proposta de revisão dos acordos de leniência. Dantas
foi um dos principais defensores de sanções ainda mais severas que aquelas
definidas nos acordos de leniência. Em abril de 2017, ele disse ao Estadão que
os valores financeiros dos acordos eram apenas um “aperitivo da refeição
completa”, e sugeriu que se avançasse sobre o patrimônio dos acionistas caso as
empreiteiras falissem antes de quitar os compromissos. É uma notável mudança de
opinião.
Mesmo com um prazo bastante favorável para
pagar as multas, variando entre 16 e 28 anos, algumas dessas empreiteiras
entraram em processos de recuperação judicial. Isso, em tese, pode indicar a
necessidade de aperfeiçoamentos na Lei Anticorrupção (12.846/2013), que criou a
figura do acordo de leniência. Afinal, se os acordos não têm a intenção de
salvar as empresas, tampouco têm o objetivo de quebrá-las. No entanto, qualquer
alteração na legislação não pode ignorar o fato de que os acordos de leniência
são uma forma de responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas
pela prática de atos contra a administração pública. Permitir às empresas que
voltem a executar obras sem participar de um processo licitatório, como parece
ser o caso, não apenas não configura punição, como vai de encontro ao interesse
coletivo. Não é por outra razão que a Constituição estabelece a licitação como
regra na administração pública, com poucas exceções claramente dispostas em
lei.
Também é importante lembrar que o próprio
TCU impôs desafios à atuação dessas companhias. A emissão de declarações de
inidoneidade pela Corte de contas as impedia de participar de licitações com a administração
pública, e o risco reputacional dessa certidão dificultava que as construtoras
tivessem acesso a crédito e fechassem contratos com o setor privado. Novamente,
seria bom que o TCU explicasse essa mudança de posição.
É preciso ir devagar com o andor. O fato de
que a proposta de revisão dos termos dos acordos de leniência foi defendida na
primeira semana de governo sugere que ela foi gestada há mais tempo – e por
outros motivos que não a retomada de obras públicas paradas.
Israel testa sua democracia
O Estado de S. Paulo.
O assalto governista ao Judiciário ameaça
minorias e a própria democracia, de que o país tanto se orgulha
Israel se orgulha de ser a única democracia
entre as teocracias e as autocracias do Oriente Médio. Dado o controle sobre os
palestinos nos territórios ocupados, não é uma democracia plena. Mas
internamente há liberdade de culto e um sistema parlamentar com eleições
limpas, que inclusive autoriza uma minoria de árabes a formar seus partidos.
Mas essa democracia está enfrentando seu mais severo teste.
Após um breve período na oposição, Binyamin
Netanyahu retornou ao comando. Bem antes de Donald Trump ou Jair Bolsonaro,
Netanyahu já aprimorava o populismo nacionalista conservador, personificando o
“povo” contra as elites corruptas do establishment e acusando críticos de
antipatriotas a serviço de ideologias progressistas minoritárias e globalistas.
Mas, se os governos de Trump ou Bolsonaro
não duraram mais que 4 anos, enquanto os de Netanyahu já ultrapassaram 15, é
pela habilidade de Netanyahu de transigir em meio às limitações impostas pelo
sistema parlamentar. Ele venceu seus mandatos com campanhas populistas, mas os
manteve com pragmatismo, formando maiorias com partidos do centro e da esquerda
e transacionando com eles.
Agora, porém, sua coalizão depende de
partidos ultraortodoxos, nacionalistas e de extrema direita que ameaçam a
normalização das relações com Estados árabes, as populações palestinas e a
liberdade religiosa e sexual de minorias israelenses. Mas a ameaça mais
imediata – que viabilizaria as outras – é a proposta de reforma constitucional
que daria aos políticos no Parlamento o poder de revisar decisões da Suprema
Corte e controlar a indicação de juízes e procuradores.
Em um país sem uma Constituição formal, sem
distribuição federativa do poder, sem veto presidencial e com uma única casa no
Parlamento controlada pelo Executivo em razão de sua maioria, a Suprema Corte
foi historicamente o único freio e contrapeso ao poder absoluto das coalizões
majoritárias, invalidando legislações que ferem as Leis Básicas de Israel e
protegendo direitos e liberdades de todos os tipos de israelenses.
Netanyahu sempre evitou mudanças radicais
nesse sistema. Mas agora, acusado de corrupção, com seu partido mais inclinado
a combater o “ativismo judicial” e as cobranças de seus aliados radicais, ele
mudou o curso.
Assim como os riscos vêm dos humores
populistas incitados por Netanyahu para subir ao poder, as esperanças residem
no seu pragmatismo para se manter nele. O empoderamento dos radicais pode
ameaçar o próprio poder de Netanyahu. Como sempre em Israel, sua maioria
parlamentar é estreita e instável. A maioria da população não apoia as agendas
radicais, e protestos populares já eclodiram. Não é impossível que, como em
outras ocasiões, Netanyahu estenda a mão ao outro lado, oferecendo uma “trégua
constitucional” que garanta mais controle do Parlamento sobre o Executivo e
limites à revisão judicial.
Mas essa é só uma possibilidade. A
realidade, no momento, é que a tentativa de castração do Judiciário está
submetendo a democracia israelense ao maior teste de sua história.
Valor Econômico
Mesmo quem aposta em um superávit da
balança comercial superior ao de 2022 não espera aumento dos volumes exportados
Um dos indicadores da economia com
previsões mais dispersas para este ano é a balança comercial. Pesquisa feita
pelo Valor junto
a 12 consultorias e instituições financeiras colheu projeções de um saldo
positivo variando de US$ 49 bilhões a US$ 71,9 bilhões, considerando a
metodologia de cálculo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior (Mdic). A mediana está em US$ 60 bilhões.
Se a mediana prevalecer, o saldo ficará
abaixo do superávit de US$ 62,3 bilhões do ano passado, que surpreendeu por ter
sido obtido em um ambiente conturbado pelo conflito no Leste Europeu, que
tumultuou os mercados de combustíveis, commodities agrícolas e fertilizantes,
pela política de covid zero da China e pela volatilidade no câmbio. Para
exportadores e importadores, pior do que câmbio alto ou baixo são as
oscilações.
Se o Brasil perdeu em alguns aspectos,
ganhou em outros, especialmente em consequência da estirada dos preços de
alguns dos principais produtos da pauta de exportações. Os preços dos produtos
exportados, que totalizaram US$ 334,5 bilhões, subiram em média 13,6% em 2022
enquanto a quantidade aumentou 5,5% em relação a 2021.
Os produtos agropecuários exportados
registraram alta, de 31,5%, enquanto o volume embarcado teve 1,8% de aumento.
Não é por outro motivo que o grupo da agropecuária foi o que mais cresceu,
36,1%, e representou 22,4% do total. A exportação de produtos da indústria de
transformação, principal grupo da pauta, com quase metade do total (54,3%),
registrou avanço de 26,2%, com os preços aumentando 9,8% e o volume embarcado,
15,4%. Já a indústria extrativista, com 22,8% do total, volume e preços caíram,
0,5% e 2,5% respectivamente.
Na ponta das importações, que cresceram
24,3% para US$ 272,7 bilhões, os preços também foram importantes. Somente os
combustíveis, que representaram 16,1% da pauta, ficaram 69,2% mais caros com
uma quantidade 4,1% maior. O conflito no Leste Europeu repercutiu no mercado de
commodities energéticas, como petróleo e gás natural. A guerra também afetou o
mercado de fertilizantes, tornando a oferta incerta. Pelo mesmo motivo subiu o
preço do trigo, uma vez que a Ucrânia é um dos principais produtores mundiais.
O prolongamento do conflito é um dos importantes motivos da dispersão das
projeções para o resultado comercial deste ano.
A estratégia da China para o enfrentamento
da pandemia é outra variável, uma vez que é o principal parceiro comercial do
Brasil. A política de covid zero afetou as atividades chinesas e as relações do
país com o exterior. Os volumes embarcados pelo Brasil diminuíram 4,7%,
notadamente de minério de ferro e de soja, e os preços ficaram praticamente
estáveis (elevação de 1,5%). Há a expectativa de que o afrouxamento dessa
política deve estimular a economia chinesa e impulsionar as exportações
brasileiras. Mas isso ainda não está certo. A balança comercial chinesa,
divulgada na semana passada, já mostrou melhora nas importações em dezembro,
que diminuíram menos do que em novembro.
Outro ponto de interrogação que dificulta
fazer as projeções é o comportamento da economia global, com as políticas
monetárias restritivas para controlar a inflação. Os organismos internacionais
já reduziram as estimativas para a economia neste ano. Em outubro, o Fundo
Monetário Internacional (FMI) lançou a previsão de crescimento global de 2,7%
neste ano, abaixo dos 3,3% esperados para 2022. Neste mês, o Banco Mundial
cortou a expansão esperada para 2023 de 3% para 1,7%, iniciativa justificada
pela elevação da inflação, alta dos juros e prolongamento do conflito no Leste
Europeu.
Regiões comprometidas com políticas
monetárias restritivas para conter a inflação estão entre importantes parceiros
comerciais do Brasil. As exportações para os Estados Unidos, por exemplo,
cresceram 20,2% no ano passado e as importações, 30,3%. O comércio com a União
Europeia saltou 39,1% na ponta das exportações e 15,7% das importações.
Mesmo quem aposta em um superávit da
balança comercial brasileira superior ao registrado em 2022 não espera o
aumento dos volumes exportados. Para a Associação de Comércio Exterior do
Brasil (AEB), alinhada entre os mais otimistas, com expectativa de saldo acima
de US$ 70 bilhões, o superávit maior seria resultado da queda da exportação em
percentual menor do que a da importação. O resultado, portanto, não
contribuiria, necessariamente, para o aumento da atividade econômica no país.
3 comentários:
Folha
"Como se não bastasse, o batalhão do Exército mantido com o único propósito de defender o Palácio do Planalto falhou diante de uma falange de agressores mal coordenados, alguns em idade provecta."
Idade proveta! Rá!
O batalhão q deveria proteger o P. Planalto leva o nome de Caxias. Até isso o EB conspurca.
Série de humilhações - Folha de S. Paulo
"Alto oficialato evitou o pior, mas militares deveriam fazer severa autocrítica"
Alto oficialato nada evitou - claro q, no máximo, se omitiu. Evitar exige ação; quem das FA agiu contra o golpe??? NINGUÉM!
O golpe falhou porque EUA e outras potências foram contra.
Aliás, "alto" pros nossos milicos é contradição, Folha, q não condiz com nossos oficiais, daí q seu epígrafe se refere a humilhações e não a honras.
A força da intolerância - Estadão
"Na prática, isso significa ampliar as forças políticas presentes em seu governo, contemplando o maior número possível de interesses da sociedade. Dividindo poder entre uma frente realmente ampla e democrática."
O Estado diz "possivel". E isso foi feito. Lendo seu editorial, parece q o Estadão diz q Lula não fez o possível. Impressiona a má vontade do jornal com o novo Governo. Claro, é o jornal da "escolha dificil" entre o genocida e o Haddad. Um jornal q apoiou a ditadura. Isso atrapalha o Brasil.
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