Correio Braziliense
Propostas que rompem a linha de
convergência da coalizão e as declarações desastradas sobre pautas específicas
dos novos ministros de Lula são fatores de acirramento de desconfianças em
relação ao governo
Qual o significado principal da presença da
ex-senadora Simone Tebet no governo Lula? Numa visão economicista, diríamos que
servirá de contraponto liberal à política do ministro da Fazenda, Fenando
Haddad, supostamente estatizante e sem compromisso com a responsabilidade
fiscal, como apontam a maioria dos oposicionistas que criticam o governo Lula
por sua política econômica, desde antes mesmo de sua posse. Errado: a presença
de Simone Tebet exerce um papel simbólico e político que transcende suas
responsabilidades no Ministério do Planejamento e Orçamento: reforça o caráter
de centro-esquerda da coalizão democrática de governo. Não é pouca coisa.
É óbvio que a política econômica do novo governo, que está em disputa, terá um papel decisivo para o posicionamento da elite econômica e da classe média que não apoiou Bolsonaro nem Lula no primeiro turno, preferindo Simone Tebet ou Ciro Gomes (PDT). É óbvio que as propostas que rompem a linha de convergência da coalizão e as declarações desastradas sobre pautas específicas dos novos ministros de Lula são um fator de acirramento de desconfianças em relação ao novo governo, que acaba associado ao fracasso da “nova matriz econômica” que levou à derrocada econômica o governo Dilma Rousseff. Mas a questão de fundo, mesmo para esses setores, é política: Simone no governo significa o esvaziamento da chamada “terceira via”, ou seja, da possibilidade de romper a polarização Lula versus Bolsonaro por meio de uma terceira alternativa de poder desde já.
Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva
(Rede), com 4,76% e 1% dos votos, respectivamente, no primeiro turno das
eleições de 2018, por experiência própria, se aperceberam do esvaziamento da
“terceira via” a partir daquela eleição. O fracasso levou-os a apoiar Lula sem
vacilar. O ex-governador paulista até trocou o PSDB pelo PSB para ter uma
legenda que lhe permitisse aceitar o convite de Lula para ser seu vice. Da
mesma forma, o então governador de São Paulo Rodrigo Garcia, que concorria à
reeleição, diante do mesmo fenômeno, trabalhou fortemente para inviabilizar a
candidatura do ex-governador João Doria pelo PSDB. Eduardo Leite (PSDB), mesmo
com a desistência de Doria, optou para disputar um segundo mandato no governo
do Rio Grande Sul, do qual havia até se desincompatibilizado. Ambos não
acreditavam na terceira via. Garcia apoiou Bolsonaro no segundo turno.
Coube a Ciro Gomes (PDT), um sobrevivente
de 2018, quando obteve 12,47% dos votos, e a Simone Tebet (MDB) representar o
projeto de” terceira via”, que novamente fracassou. Ciro Gomes teve a sua menor
votação em quatro disputas: 3,04%. Simone surpreendeu na terceira colocação,
mas com 4,6%, ou seja, menos de 1 voto para cada 20 eleitores. Como Lula havia
batido na trave no primeiro turno e teve que fazer uma disputa dramática com o
presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, no segundo turno, o apoio da
candidata do MDB ao petista teve um papel decisivo, ainda mais porque Ciro
Gomes se recusou a fazer campanha para Lula.
Divergências
Simone nunca foi uma real alternativa de
poder, mas seu engajamento na campanha de Lula não somente contribuiu para que
o petista aumentasse a votação e ganhasse a eleição, como lhe deu projeção
política maior do que tivera no primeiro turno, principalmente por causa das mobilizações
de rua, sozinha ou ao lado de Lula. Tanto do ponto de vista eleitoral, em razão
da votação que obtivera, quando em razão do alinhamento político com Lula, que
a convidou para o Ministério do Planejamento, as possibilidades de projeção
política futura de Simone são maiores ao participar do governo. Sem mandato nem
apoio do MDB, na oposição, como desejavam alguns aliados que insistem na
possibilidade de uma terceira via em 2026, perderia todo o protagonismo
político. Além disso, colocaria ambição pessoal acima dos riscos que a
democracia corre se contribuísse para desestabilizar o governo Lula.
“Nosso papel, sem descuidar da
responsabilidade fiscal, da qualidade dos gastos públicos, é colocar o
brasileiro no orçamento”, disse Simone, ontem, ao tomar posse no Ministério do
Planejamento, consciente de seu papel no “governo do PT e da frente ampla
democrática”. Ao fazê-lo, deixou claro que não renunciaria a convicções
políticas: “Ministro Haddad, ministro Alckmin e ministra Esther, temos
divergências econômicas”, disse.
Mas de onde vêm essas discordâncias? Dos
economistas, que têm sérias divergências e visões de mundo, cada um com um
modelo de economia na cabeça. A divergência fundamental está na avaliação do
papel do mercado na superação dos problemas econômicos. Economistas neoliberais
acreditam que se deixarmos o mercado funcionar livremente tudo se resolverá.
Economistas conhecidos como keynesianos e estruturalistas apontam a
incapacidade de os agentes resolverem grandes depressões, recessões prolongadas
e promover a transformação estrutural ´para o desenvolvimento econômico.
Economistas liberais ou “neoclássicos” acreditam no poder dos mercados para
levar as sociedades a estados ótimos de bem-estar para as pessoas. Os
“novo-keynesianos” acreditam no mercado no longo prazo, mas não no curto prazo.
Entretanto, é por causa dessas divergências que os políticos têm o poder de decisão sobre a política econômica. Suas escolhas são mais importantes do que as teorias econômicas. Quando Lula admite divergências entre seus ministros da área econômica, estabelece o contraditório e, a partir dele, aumenta sua capacidade de acertar nas decisões.
2 comentários:
Azedo claro como água pura
Azedo sabe das coisas.
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