sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Armando Castelar Pinheiro* - Rumos da política econômica

Valor Econômico

A maioria do que se propôs até agora vai no sentido de reduzir o crescimento e aumentar a inflação

A forte polarização nas últimas eleições ajudou a dar ainda menos espaço que o normal para que os candidatos apresentassem e discutissem suas propostas de política econômica. Passados dois meses desde a vitória do já agora presidente Lula, porém, ainda pouco se sabe sobre que rumo o novo governo pretende dar à política econômica. Diria que, das declarações e discursos feitos nesse período, se depreendem dois possíveis determinantes desse rumo.

Primeiro, o novo governo pretende que o setor público venha a gastar muito mais. Isso explica a prioridade dada à emenda constitucional 32/2022, a PEC da Transição ou da Gastança, como uns e outros a batizaram, que aumenta significativamente o espaço orçamentário para acomodar despesas do governo federal. Aparentemente também se pretende gastar mais por meio das empresas estatais, que passariam a investir mais e a financiar diferentes planos de governo. E fazer com que os bancos públicos expandam e barateiem seus créditos, alavancando mais gastos.

Até aí nada de muito novo: durante os governos anteriores do presidente Lula, de 2003 a 2010, a despesa primária do Governo Central aumentou 7,8% ao ano, acima da inflação, pulando de 15,9% do PIB em 2002 para 18,2% do PIB em 2010. As consequências agora também serão parecidas com as de então, em especial a necessidade de manter os juros muito altos, para segurar a demanda do setor privado e, assim, conter a inflação: em 2003-10, o governo Lula praticou uma Selic de 8,5% em termos reais, isto é, acima da inflação. De fato, a postura de aumentar significativamente o gasto público já elevou os juros futuros e agora não se espera mais fortes cortes da Selic, como se previa antes, no segundo semestre deste ano.

Por sorte, o governo Lula herdou da administração anterior uma situação fiscal relativamente boa, especialmente quando se leva em conta os fortes gastos exigidos pela pandemia da covid. A expectativa do analista mediano consultado pelo boletim Focus do Banco Central (BC) é que, em 2022, o setor público tenha fechado com um superávit primário de 1,2% do PIB, que virará um déficit primário de igual magnitude em 2023. É a maior deterioração fiscal interanual da série oficial, iniciada em 2002, exceto pela de 2020, com a pandemia.

Da mesma forma, se espera que a dívida pública bruta feche 2022 em 75,4% do PIB, mas suba para 80,1% do PIB em 2023. A forte queda da razão dívida/PIB em 2021-22 vai permitir acomodar altas dessa magnitude no próximo par de anos, mas é um quadro explosivo.

A segunda indicação dada até aqui é que se terá uma política econômica do “nós contra eles”. Assim, pelo que foi dito, o foco é desfazer as reformas dos últimos anos. Em diferentes ocasiões, representantes do novo governo revelaram ser esse contra o teto de gastos (“uma estupidez”), a privatização, a lei (da governança) das estatais, a reforma trabalhista, a reforma da previdência, a política de preços da Petrobras etc. Há pelo menos três problemas com essa postura.

Um deles é a subordinação da política econômica a objetivos político-partidários. Parece haver um desejo de manter viva a forte polarização que se viu na eleição e a postura de uma política econômica calcada no “nós contra eles” contribui para tal. Isso, porém, reduz o protagonismo e a credibilidade do Ministério da Fazenda e sua eficiência no manejo dos instrumentos de política econômica, prejudicando o desempenho da economia.

Outro problema é que essa estratégia implica reverter reformas que foram benéficas para a economia: por exemplo, ajudando o desenvolvimento do mercado de capitais doméstico e promovendo o emprego, a eficiência e o investimento privado. A reversão das reformas vai reduzir o potencial de crescimento do país.

Por fim, essa política econômica dos “nós contra eles” gera incerteza e instabilidade das regras. Claro, o novo governo tem todo direito de propor, e o Congresso eventualmente aprovar, medidas para desfazer as reformas. Mas fazer isso sem uma lógica econômica clara, mais por populismo, reduz a confiança dos agentes econômicos e a eficiência econômica.

Assim, tanto do ponto de vista macro como microeconômico, a maioria do que se propôs até agora para o rumo da política econômica vai no sentido de reduzir o crescimento e aumentar a inflação. É isso que a desvalorização dos ativos brasileiros parece estar refletindo, com quedas da bolsa, enfraquecimento do real e forte alta dos juros de mercado.

Felizmente, também em relação à atividade e à inflação o novo governo herda uma situação favorável, em vários aspectos, com a economia tendo crescido bem em 2022, o mercado de trabalho com salários em alta e desocupação em queda, as contas externas confortáveis e a inflação, acima da meta, mas abaixo do que se observa nos EUA e na Europa.

Isso dá algum tempo para a nova equipe econômica propor um rumo que impeça a deterioração da economia que, de outra forma, virá com o que tem sido aprovado e proposto. Isso deve envolver medidas que potencializem os avanços dos últimos anos, conciliando-os com outros objetivos trazidos pela atual administração. Há tempo, mas não muito.

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio, do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre

 

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