Correio Braziliense
Essas são as peças que estão se movendo no
tabuleiro, no lusco-fusco do isolamento da extrema direita; a polarização
Bolsonaro versus Lula se mantém na base do “hay gobierno, soy contra”
O ex-presidente Jair Bolsonaro não morreu,
mas a possibilidade de que venha a se tornar inelegível, em razão de seu
envolvimento na tentativa de golpe contra a eleição do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, precipitou uma corrida entre os governadores de Minas Gerais,
Romeu Zema (Novo); do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB); e de São Paulo,
Tarcísio de Freitas (Republicanos). Cada um, ao seu estilo, busca liderança das
forças conservadoras do país para a formação de uma nova direita, mais moderada
e comprometida com a democracia.
Essas são as peças que estão se movendo no tabuleiro, no lusco-fusco do isolamento da extrema direita, num ambiente político em que a polarização Bolsonaro versus Lula se mantém na base do “hay gobierno, soy contra”. A expressão criada pelos anarquistas espanhóis é a tradução popular de uma filosofia que vê todas as formas de autoridade governamental como desnecessárias e indesejáveis. Uma utopia irrealizável, o anarquismo defende uma sociedade baseada em cooperação voluntária e livre associação de indivíduos e grupos. No Brasil, o bolsonarismo incorporou a violência anárquica como forma de luta.
O bolsonarismo cresceu no bojo do
sentimento antigovernista das manifestações de junho de 2013, contra o governo
Dilma Rousseff, que desaguaram no impeachment da presidente da República e,
depois, em 2018, na eleição de Jair Bolsonaro. Existe na classe média,
principalmente entre profissionais liberais e empreendedores, um sentimento do
tipo “hay gobierno, soy contra”, por causa dos impostos, da má qualidade dos
serviços públicos e da ojeriza à política e aos políticos por causa da
corrupção. De certa forma, Bolsonaro conseguiu capturar esse sentimento,
somando esses setores a uma base eleitoral reacionária, até então formada por
corporações que integram o “partido da ordem”, e conservadora, alicerçada nos
evangélicos e na defesa da família unicelular patriarcal.
Como Jair Bolsonaro, Romeu Zema foi
catapultado ao governo de Minas pelo tsunami eleitoral de 2018. Reeleito no
primeiro turno, apoiou Bolsonaro no segundo turno e, agora, está assumindo o
protagonismo na oposição ao governo Lula e ao Supremo Tribunal Federal (STF),
com ataques ao ministro da Justiça, Flávio Dino, que responsabiliza pelo vandalismo
na Praça dos Três Poderes, acusando-o de omissão, e ao ministro Alexandre de
Moraes, pelo afastamento do governador de Brasília, Ibaneis Rocha, que
considera arbitrário e inconstitucional. Minas Gerais é um estado decisivo nas
eleições presidenciais; no segundo mandato, é natural que Zema tenha pretensões
de se tornar presidente da República. Saiu na frente na disputa pela liderança
da oposição conservadora.
Polarização e terceira via
De certa forma, Lula aceitou a polarização
com Zema. O ministro da Justiça, Flávio Dino, que é senador eleito e
ex-governador do Maranhão, não rebateria o governador mineiro com a dureza que
o fez sem autorização do presidente da República. “Me espanta que o governador
Zema tente vestir a roupa do Bolsonaro. Não cabe nele… É preciso que ele tenha
algum amigo sincero que diga a ele… Primeiro, porque Minas Gerais é a terra de
Tiradentes, de Tancredo Neves, é a terra da democracia… Então, não é possível
que um governador, de modo vil, se alinhe à extrema direita para proteger terrorista.
Fica feio…”
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo
Leite, também reeleito, é outro que já está se lançando ao pleito de 2026. É
uma novidade na política brasileira. Defende uma agenda econômica neoliberal,
mas esse conservadorismo não se traduz em pauta dos costumes, quando nada
porque Leite é gay assumido, num estado de grande tradição machista. A
estratégia de Leite é a formação de um grande partido de direita moderada, a
partir da ampliação da federação do PSDB com o Cidadania, somando-se ao
Podemos, que acaba de incorporar o PSC, na esperança de viabilizar uma nova
“terceira via”.
Supostamente, isso possibilitaria tomar a
bandeira da ética de Bolsonaro, para disputar a liderança moral da sociedade.
Leite tem dois problemas: somente venceu as eleições com apoio do PT, que
negociou sua neutralidade; e não terá amplo respaldo dos bolsonaristas. Além
disso, só há um precedente de presidente gaúcho eleito pelo voto direto,
Getúlio Vargas, em 1950, mesmo assim depois de ter governado o Brasil por 15
anos como ditador. Entretanto, precisa de apoio federal para fazer um bom
segundo mandato.
A maior vitória de Bolsonaro em 2022 foi a
eleição do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, seu ex-ministro da
Infraestrutura, quebrando a longeva hegemonia tucana. O Palácio dos
Bandeirantes tradicionalmente é o ponto de decolagem de candidatos a presidente
da República, por ser o estado mais rico e mais populoso, com quase um terço do
eleitorado. Sua candidatura atropelou o ex-governador Rodrigo Garcia (PSDB),
que contava com amplo apoio político para se reeleger e operou fortemente para
remover a candidatura presidencial de seu antecessor, João Doria (PSDB), e
assim não confrontar o eleitorado bolsonarista.
Tarcísio é um player das eleições de 2026, mas somente será candidato à Presidência se Bolsonaro ficar inelegível e lhe apoiar, o que não é o mais provável. De todos os pretendentes, é o que mais representa os interesses do empresariado paulista, mas isso também não garante a eleição de ninguém, haja vista o fracasso eleitoral dos ex-governadores Orestes Quércia (MDB), José Serra (PSDB) e Geraldo Alckmin (então no PSDB) em disputas presidenciais. Tarcísio é o que tem a maior sombra de futuro: pode concorrer à reeleição e somente disputar a Presidência em 2030.
Um comentário:
E por que não em 2026?
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