Valor Econômico
Velório de Pelé ensina a diferença entre
emoção e alívio
Fez muito bem o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva suspender as audiências que se acumulam em seu gabinete para
comparecer ao velório de Pelé. Santos foi tomada por um público superior a 230
mil pessoas e para lá se deslocaram 1.190 jornalistas de 32 países.
A posse de Lula atraiu mais do que o dobro
de sua primeira investidura, em 2003. Foi uma multidão bem maior do que aquela
reunida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (100 mil) em 7 de setembro do ano
passado, mas, ante o velório de Pelé, Lula foi súdito. Atraiu 407 jornalistas
de 16 países e cerca de 150 mil pessoas.
Os números são uma tentativa tacanha de
colocar números na diferença entre dois sentimentos, emoção e alívio. Ao
reverenciar Pelé, compartilhando da emoção que só a morte é capaz de despertar,
Lula o reconhece como o único símbolo que hoje une a nação.
O que não deixa de ser um bom começo para reconhecer os limites dos muitos simbolismos de sua posse. Alguns, como as cores trocadas nas gravatas dele e do vice, Geraldo Alckmin, foram dirigidos ao conjunto do eleitorado.
Assim também o foi a fileira de cadeiras na
posse do novo ministro da Advocacia-Geral da União. Pela ordem, sentaram-se o
ministro Gilmar Mendes, Jorge Messias, sua esposa e a ex-presidente Dilma
Rousseff.
Mais do que antecessor de Messias no cargo,
Gilmar foi o ministro que suspendeu a posse de Lula na Casa Civil quando veio à
tona a gravação do ex-juiz Sergio Moro em que Dilma dizia ao seu antecessor que
“Bessias” levaria o termo de posse para que ele assinasse.
Outros simbolismos foram dirigidos ao
público que lotou a Praça dos Três Poderes, como a presença de dois integrantes
da vigília de Curitiba na comitiva que subiu a rampa. Mas foi o conjunto da
trupe que deu a estampa do país combalido pelo bolsonarismo que volta ao poder.
A simbologia visa a transformar o alívio em
emoção. Tanto um quanto o outro, porém, por mais bem manejados que sejam pelo
marketing presidencial, têm prazo de validade se não forem acompanhados de
entregas.
Pesam contra os sinais que trafegam na
contramão. Primeiro veio a medida provisória que prorrogou a desoneração de
combustíveis, contrariando o que o ministro da Fazenda havia anunciado, e
depois, a revisão da reforma da Previdência, anunciada por um ministro e
desmentida por outro.
Outras dependem apenas do presidente eleito.
Tome-se, por exemplo, o momento mais emocionante do discurso, quando Lula falou
das crianças de semáforo e comparou a fila do osso dos famintos com aquela de
milionários por um jatinho.
Lula enxugou as lágrimas com a mão dos
quatro dedos e produziu uma das imagens mais impactantes da posse. Horas antes,
porém, o presidente havia passado a noite de réveillon com o dono de um desses
jatinhos, o dono da QSaúde, José Seripieri Jr, seu caroneiro para a COP27.
Lula tem o direito de escolher com quem
passa a noite de réveillon, mas todos que se emocionaram com seu discurso
dependem do SUS ou dos planos de saúde. E seu comportamento aumentará a
vigilância sobre a regulamentação dos planos, a começar pela cobrança para que
o SUS cobre o ressarcimento que lhe é devido.
Em mais uma demonstração de que a
simbologia tem um preço foi a cobrança de demarcação de terras por Raoni
Metuktire. No dia seguinte à posse, o cacique já mostrou que não aceitará a
função de figurante de rampa.
No conjunto de atos assinados por Lula no
dia da posse, porém, a pauta ambiental foi a mais contemplada, juntamente com a
do desarmamento. Faltou a autoridade climática, que tem no ex-diretor do
Serviço Florestal Brasileiro, Tasso Azevedo, o mais cotado pela bolsa de
apostas, mas ainda não foi formatada.
O presidente começou acelerado, com 52
decretos e 4 MPs, o maior da posse. É um recorde previsível em se tratando de
um sucessor de Jair Bolsonaro. É uma avalanche. Com tropeços, mas alguns rumos.
No desmonte da Funasa, que pode vir a se
estender para outros órgãos, como a Codevasf, está embutida a estratégia de
remanejar as funções para a administração direta com o objetivo de aumentar o
controle sobre suas ações.
Esta parece ser uma das lógicas que guia a
concessão de cargos aos novos aliados do União Brasil, PSD e MDB. A outra é de
explicitar a permanência dessas legendas ao apoio parlamentar de seus
integrantes. Com isso, todos os ministros do União, até aquele que ainda está
por se filiar, Waldez de Góes, figuram no topo da lista de demissíveis.
Até lá, caciques partidários que almejam
seus feudos ficam sujeitos às intempéries da nova ordem. O presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por exemplo, além de ter visto o orçamento secreto
se reduzir pela metade, foi vaiado na posse do ministro das Relações
Institucionais, Alexandre Padilha, mesmo ausente da cerimônia. Se emplacar
aliados no governo, já o fará mais desidratado.
O risco que Lula não pode correr é o de que
este critério seja usado para reduzir a amplitude de sua aliança de governo.
Com as 11 Pastas que ocupa e a voz crescente de seus dirigentes em decisões do
Executivo, o PT correr o risco de se transformar num “PC chinês”. Agiganta-se
em seus poderes não apenas sobre o governo, mas também sobre seus próprios
filiados.
Se Fernando Haddad foi derrotado no embate
interno da desoneração dos combustíveis, Luiz Marinho, do Trabalho, acabou
tendo suas declarações sobre a reforma trabalhista vitaminadas pela presidente
do PT, Gleisi Hoffmann.
Enxergam-se as digitais do partido, ainda,
nas pretensões, expressas pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, ao “Roda
Viva”, de descompromisso com a ideia de um único mandato para Lula.
É a perspectiva de suceder a Lula que leva
o time de presidenciáveis deste governo - Geraldo Alckmin, Fernando Haddad,
Simone Tebet, Marina Silva e Flávio Dino - a se esforçar ainda mais em suas
entregas.
Quanto melhor for o governo, maiores as
chances de Lula fazer o sucessor. Quanto melhor se desincumbirem de suas
tarefas, maiores as possibilidades de o escolhido pelo presidente ser um deles.
A quebra deste liame engrossará a oposição.
O mandato único é um compromisso público do
presidente e do qual depende, em grande parte, o sucesso de seu governo. A
avidez dos correligionários é proporcional ao desejo de manutenção dos espaços
conquistados na montagem dos ministérios.
Por isso se apressam em desdizer o
presidente. Conter esta avidez é tão crucial quanto barrar a sanha dos aliados.
Não há simbolismo que dê conta do naufrágio desta promessa.
3 comentários:
Adorei! Quando o trabalho do terceiro governo Lula estiver avançado, vamos ver se vai corresponder a tanto simbolismo.
Excelente análise politica da competente jornalista, Maria Cristina Fernandes.
A colunista sabe das coisas.
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