quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Maria Hermínia Tavares* - Pragmatismo bem temperado

Folha de S. Paulo

Terminada a festa, começa o percurso no qual propostas ambiciosas terão de se ajustar às limitações

Não faltaram afirmação de valores nem ambição aos discursos que inauguraram o terceiro mandato de Lula. O empenho na redução das desigualdades ocupou o centro dos dois pronunciamentos —para os convidados que lotavam o Senado e para a massa compacta diante do Palácio do Planalto. O compromisso foi reiterado na cerimônia mais forte do dia, quando representantes do povo pobre subiram a rampa com o novo mandatário e lhe entregaram a faixa presidencial.

Menos que agenda de governo, os discursos explicitaram um roteiro progressista para a construção de um país democrático e mais equânime. Incisivo na defesa das instituições representativas; claro nos compromissos sociais; atualizado na identificação dos muitos destinatários de iguais direitos; contemporâneo no peso dado aos riscos e oportunidades ambientais; assertivo quanto à atuação do país no mundo —e algo passadista na visão dos caminhos para o crescimento.

A composição da equipe ministerial reafirmou tanto a aliança entre democratas que permitiu derrotar no sufoco o populismo de extrema direita, quanto os valores inscritos naquele roteiro de país, de clara coloração social-democrata. Em que medida guiarão as mudanças é a pergunta que fica no ar.

Pois, terminada a festa, começa o íngreme percurso no qual propostas ambiciosas que despertaram esperanças entorpecidas terão de se ajustar às limitações de tempo, recursos financeiros e capacidades estatais; às pressões de diferentes interesses organizados; sem falar na insuficiência de arrimo político do governo no Congresso francamente conservador eleito em outubro.

Haverá que começar reconhecendo que os ideais progressistas nos quais se ancora o projeto Lula 3 —e que fizeram vibrar os milhares de ocupantes da Esplanada no dia da posse— não são compartilhados por quase metade dos eleitores, que deram seu voto àquele que se exilaria na Disneylândia para chorar a derrota. Encontrar o idioma apropriado para se comunicar com uma parte que seja desse numeroso contingente atirado à orfandade é um dever incontornável quando se quer reduzir a polarização e ampliar o apoio a políticas reformadoras.

No discurso de posse, o novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, alertou para o que o espera quando se referiu ao fino equilíbrio entre metas ambiciosas e as condições objetivas de que dependem. Eis uma combinação a requerer pragmatismo político temperado por valores. Lula 1, Lula 2 e seu partido nem sempre conseguiram acertar a mão dessa receita tão complicada quanto nutritiva. Agora, o governo da frente democrática tem nova chance.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

2 comentários:

Anônimo disse...

A professora foi realista ao dizer que "Lula 1, Lula 2 e seu partido nem sempre conseguiram acertar a mão dessa receita tão complicada" do "fino equilíbrio entre metas ambiciosas e as condições objetivas de que dependem". Mas ela também se omitiu ao preferir ignorar o desastre que foram as gestões petistas comandadas por Dilma, onde os desequilíbrios foram catastróficos e facilitaram a eleição duma ABERRAÇÃO como o miliciano fujão.

ADEMAR AMANCIO disse...

Dilma perto de Bolsonaro...