Valor Econômico
Equipe espelhou setores da economia em
2003; agora, sociedade
O primeiro ministério do terceiro mandato
presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva é o mais representativo da
diversidade social brasileira. Além de criar pasta dedicada aos temas
relacionados aos povos originários, iniciativa inédita na história do país, o
presidente convidou uma mulher, Sonia Guajajara, para comandá-la.
Originária de Araribóia (MA), onde vive o Povo Guajajara/Tentehar, Sonia é deputada federal pelo PSOL e, no ano passado, em reconhecimento ao seu ativismo, foi eleita pela revista americana “Time” uma das cem pessoas mais influentes do mundo. Com a criação do Ministério dos Povos Originários, Lula dá à questão indígena a importância que o tema exige. Até agora, cabia apenas à Funai, autarquia que, a depender dos interesses da ocasião, vinha migrando de ministério, como um estorvo com o qual a maioria dos políticos não gosta de lidar.
Em 2003, Lula foi eleito sob forte
desconfiança dos setores empresarial e financeiro. Contrariando aliados que
ajudaram a fundar o PT, como os intelectuais da USP, o petista abraçou a agenda
macroeconômica herdada de Fernando Henrique e, assim, montou um ministério que
teve a participação dos principais atores da economia e, também, de alguns
antagonistas.
O agronegócio esteve representado por
Roberto Rodrigues, um expoente do setor. Símbolo do ambientalismo, Marina
Silva, então no PT, o antagonizou no Meio Ambiente. A Fiesp participou do
primeiro mandato de Lula com Luiz Fernando Furlan. O setor financeiro embarcou
com Henrique Meirelles, filiado ao PSDB e que se tornou o presidente mais
longevo do BC. No novo ministério, a prioridade foi trazer a sociedade civil
porque direitos conquistados nas últimas décadas estão sob ameaça de um novo
fenômeno político - o bolsonarismo.
No total, Lula nomeou 11 mulheres para o
primeiro escalão de seu governo, sete a mais do que fizera em 2003. No segundo
mandato do petista, iniciado em 2007, o aumento da presença feminina foi
modesta - de quatro para cinco ministérios. Embora o incremento em 2023 seja
significativo, o número de mulheres poderia ser bem maior, afinal, são 37
pastas.
Há razões objetivas para designar mais
mulheres a cargos executivos no Brasil, tanto na política quanto na máquina
administrativa e no setor privado. Segundo a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios) do IBGE, em 2021 a população feminina chegou a 51,1%
do total. O número de mulheres supera o de homens em 4,8 milhões de pessoas.
Alguém poderia alegar que o fato de haver
mais mulheres não justificaria, por si só, uma presença feminina bem maior que
a atual em cargos de comando. Por quê? Os números derrubam argumentos do
machismo estrutural que viceja nesta sociedade desde sempre. Dados colhidos
pelo IBGE mostram que, em 2020, os homens ocupavam 62,6% dos cargos gerenciais,
enquanto as mulheres, 37,4%. O problema, senhores, é que há bem mais
brasileiras estudando nas universidades do que brasileiros.
Revela o IBGE: enquanto a proporção de
homens de 18 a 24 anos que estão cursando o ensino superior é de 21,5%, a de
mulheres, na mesma faixa etária, bateu em 29,7% em 2019. Até pouco tempo atrás,
a docência nas universidades era uma espécie de clube masculino. A participação
feminina vem crescendo ano a ano, o que já era de se esperar quando se verifica
que a presença de mulheres nos cursos superiores é maior - em 2019, as
professoras eram 46,5% do total de docentes do país.
O fato é que as duas maiorias entre nós -
mulheres (51,1% do total) e negros (56%) - vivem numa sociedade onde a minoria
masculina e branca as subjugam. No caso das mulheres, a contradição é gritante
- elas ganham, em média, salário 33% menor que o dos homens, embora sejam a
maioria (54%) dos trabalhadores nas cinco carreiras mais bem pagas (engenheiros
e arquitetos, médicos e dentistas, advogados, economistas e empresários).
A questão indígena deveria estar entre as
prioridades nacional há muito tempo. Donos naturais deste imenso território, um
dos cinco mais ricos do planeta em recursos naturais, os povos indígenas
enfrentam, desde a chegada dos portugueses, a escravização durante 150 anos, a
invasão e expropriação de suas terras (ambas ainda em curso) e o extermínio de
suas populações.
Como em outros aspectos da vida nacional, a
Constituição de 1988 trouxe alento no que diz respeito ao direito das nações
indígenas à propriedade de suas terras. O que vemos desde então é a luta,
liderada pelos povos indígenas, e não por partidos políticos, com o apoio
relevante de instâncias do Estado brasileiro e de entidades da sociedade civil,
para que esses direitos sejam respeitados. Isso não está ocorrendo sem reação
de setores da sociedade que, criminosamente, rejeitam a demarcação de terras
indígenas, determinada pela lei máxima e por instrumentos legais aprovados pelo
Congresso para regulamentar sua aplicação.
O tema é especialmente importante por duas
razões. O tópico está inserido numa discussão mais ampla relativa à proteção da
Floresta Amazônica, onde vive 55% de nossa população indígena - cerca de 600
mil pessoas -; a Amazônia, por sua vez, é o quesito mais relevante e sensível
da agenda do país nas conferências do clima promovidas pela ONU.
A segunda consideração é igualmente
relevante porque envolve o setor mais dinâmico da economia nacional, o
agronegócio. Ainda que se saiba que, majoritariamente, agricultores e
pecuaristas brasileiros não necessitem tomar fatias da Amazônia para ampliar a
produção, uma vez que, graças à elevação de investimentos em tecnologia, estão
produzindo mais no mesmo espaço, países ricos, como a França, e em
desenvolvimento, caso da Índia, lançam mão de discursos eivados de
desinformação, em “defesa” do meio ambiente, mas, na verdade, com um só
objetivo: dificultar a entrada de produtos agropecuários em seus mercados.
Este será o maior gabinete dos três
mandatos do petista. Em 2003, Lula ingressou no governo ao lado de 34
ministros. Quatro anos depois, em 2007, o número de ministérios subiu para 36.
A nova composição tem como destaque o aumento da participação feminina.
Mulheres, que ocuparam quatro ministérios em 2003 e cinco em 2007, agora
comandam 11 pastas. A diversidade também se fez mais presente em 2023, com uma
maior participação de negros e com a simbólica presença da indígena Sonia
Guajajara como ministra dos Povos Originários. Lula chega ao poder com o
governo mais fragmentado de suas três gestões. Ao todo, serão nove siglas
representadas que, juntas, representam 262 deputados (51%). No Senado, as
siglas respondem 45 senadores (55%), mas nem todos irão apoiar o governo.
2 comentários:
Excelente artigo do jornalusta Cristiano Romero.
É,quem sabe,sabe.
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