terça-feira, 17 de janeiro de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Investigação de Bolsonaro tem de seguir adiante

O Globo

É preciso descobrir quando, como e com quem ex-ministro Torres debateu minuta de golpe achada em sua casa

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), acolheu na sexta-feira pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para incluir o ex-presidente Jair Bolsonaro entre os investigados no inquérito que apura os atos golpistas de 8 de janeiro. O Ministério Público diz ter encontrado indícios de que Bolsonaro atuou como um dos “autores intelectuais” do vandalismo e cita um vídeo compartilhado por ele nas redes sociais questionando a legitimidade das eleições de outubro.

Para os procuradores, Bolsonaro ocupa posição de destaque na “câmara de eco desinformativo”. O surpreendente não é o teor da suspeita, mas a PGR ter levado tanto tempo para tomar uma atitude. Levantamento do GLOBO mostra que, desde o início da pandemia, Bolsonaro radicalizou o discurso contra Judiciário, Legislativo e a lisura das eleições. Fez um ataque a cada 23 dias, vários insinuando ruptura institucional. De 46 ameaças explícitas entre 2020 e 2022, 29 tiveram o Judiciário como alvo e 18 a urna eletrônica.

Depois da derrota em outubro, Bolsonaro mudou de estratégia. Passou a adotar o silêncio ou a proferir frases dúbias em raras manifestações. Seu silêncio foi gritante no dia do quebra-quebra em Brasília. Só criticou as “depredações e invasões de prédios públicos” quando a situação estava finalmente controlada. Não satisfeito, dois dias depois, compartilhou o vídeo citado pela PGR, apagado após algumas horas.

As digitais de Bolsonaro estão espalhadas pela radicalização da extrema direita no Brasil, mas comprovar juridicamente seu envolvimento no golpismo será um desafio para os procuradores. Apenas o aprofundamento do inquérito responderá se ele poderá ser considerado “autor intelectual” dos ataques. Contra Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, há provas mais claras.

Preso em Brasília depois de voltar ao Brasil, Torres terá de explicar não apenas decisões que facilitaram a ação dos golpistas, como a minuta de decreto encontrada em sua casa pela Polícia Federal (PF), que, tivesse sido editado, equivaleria a um golpe de Estado. O texto ordenava a imposição de estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — figura juridicamente insólita, sem amparo constitucional — para permitir uma intervenção e a anulação do resultado da eleição presidencial, sob a supervisão de uma comissão repleta de militares. A minuta é evidência eloquente de que o golpismo chegou ao escalão mais alto da República.

Ainda nos Estados Unidos, onde estava de férias, Torres afirmou que o documento estava numa “pilha para descarte”, foi “vazado fora de contexto” e disse que recebia muitas minutas. Balela. Ele tinha a obrigação de denunciar qualquer tentativa de quebrar a ordem democrática. Torres terá agora de esclarecer quem pediu a redação da minuta do golpe, quando e onde. Para isso, será fundamental resgatar trocas de mensagens em seu celular, aparentemente deixado na Flórida.

Sempre respeitando o contraditório e o legítimo direito de defesa, os investigadores têm obrigação de trazer à tona todo tipo de prova que jogue luz no movimento golpista que assaltou Brasília para sequestrar a democracia brasileira. Crimes evidentes dos extremistas estão registrados em vídeo e imagens. Mas há outros protagonistas. O país não pode se furtar a investigar, processar e punir os responsáveis.

Caso Americanas é oportunidade para maior transparência no varejo

O Globo

Empresa e auditores devem à Justiça esclarecimentos sobre prática contábil que mascarou endividamento

Não é sempre que uma empresa como as Lojas Americanas, com 94 anos, ações em Bolsa dentro e fora do país, é envolvida em suspeitas de fraude. “Inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões, acumuladas por dez anos, foram anunciadas na semana passada por um diretor-presidente recém-contratado. O caso se torna mais rumoroso porque os acionistas mais importantes da empresa são Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, do grupo 3G Capital, trio conhecido pelo espírito aguerrido nas aquisições e nos negócios em que se envolve no mundo todo, da cervejaria AB InBev à Kraft Heinz.

O rombo na contabilidade das Americanas, equivalente ao faturamento de janeiro a setembro passado, fez desabar suas ações em quase 80% e gerou uma disputa judicial cujo foco é o nível de transparência contábil exigido das empresas de capital aberto no Brasil. As “inconsistências” apontadas em comunicado ao mercado são relativas à forma como se registram em balanço os empréstimos obtidos junto a bancos para adiantar o pagamento a fornecedores. A operação, conhecida no mercado como “risco sacado”, subestimou o endividamento da empresa.

Credor das Americanas, o banco BTG Pactual entrou com ação na Justiça para suspender uma liminar que permitia à empresa adiar pagamentos enquanto reavalia seu balanço. Na petição inicial, advogados do banco citam o patrimônio dos donos da 3G e lembram casos do que chamam de “pirotecnia contábil” em empresas do grupo, como o ajuste de US$ 15,4 bilhões no balanço da Kraft. Comparam o pedido à Justiça para adiar compromissos ao “menino da antiga anedota forense que, após matar o pai e a mãe, pede clemência aos jurados por ser órfão”.

Apesar da frase de efeito, a situação é mais complexa do que aparenta. É inverossímil que fraudes dessa monta tenham passado despercebidas por tanto tempo aos auditores — a ponto de muitos as terem associado às descobertas na empresa de energia Enron, do Texas, que levaram o Congresso americano a aprovar no início do século regras para evitar fraudes e dar mais transparência à gestão. Ainda não está claro se houve dolo da parte dos controladores da empresa ou se apenas foram adotadas práticas contábeis que, embora pouco recomendáveis, eram frequentes e toleradas em empresas do varejo.

É preciso esperar a conclusão das investigações para ter certeza do que houve. Pelo que já se sabe, porém, é certo que será necessário exigir mais transparência não apenas das Americanas, mas também de outras empresas do setor. “Haverá desdobramentos na revisão de normas contábeis e na responsabilização de auditores”, afirma Roberto Teixeira da Costa, primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), hoje à frente da Câmara de Arbitragem do Mercado da Bolsa de Valores. Depois dos esclarecimentos da Justiça, dos auditores e da empresa, o mínimo que se pode esperar é respeito àqueles que compraram suas ações confiando numa boa administração.

Série de humilhações

Folha de S. Paulo

Alto oficialato evitou o pior, mas militares deveriam fazer severa autocrítica

Em 1º de setembro de 2021, seis dias antes das provocações golpistas do então presidente Jair Bolsonaro (PL) no feriado da Independência, foi promulgada a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito.

Ao revogar o entulho autoritário que era a Lei de Segurança Nacional, o novo diploma, entre outras disposições, reformou o Código Penal para punir quem "incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade".

Durante mais de 60 dias, desde que foi conhecido o resultado da eleição presidencial de 2022, o Exército tolerou diante de seus quartéis aglomerações de delinquentes, que reivindicavam a atuação de militares contra o resultado das urnas proclamado pelo Judiciário.

A situação se agravou quando o acampamento defronte ao quartel-general de Brasília serviu de "networking" para a trama terrorista que por pouco não conseguiu explodir, na véspera do Natal, um caminhão-tanque carregado de combustível na capital federal.

Menos de duas semanas depois, das tendas na frente do QG brasiliense partiu a coluna de visigodos, golpistas até a medula, que destruiu as sedes do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e da Presidência de República.

Como se não bastasse, o batalhão do Exército mantido com o único propósito de defender o Palácio do Planalto falhou diante de uma falange de agressores mal coordenados, alguns em idade provecta.

As Forças Armadas deveriam refletir sobre essa sequência de humilhações, facilitada por sua brandura com a anarquia vestida de verde e amarelo. Apurar responsabilidades individuais e adotar punições cabíveis é o início para a severa autocrítica que se faz necessária.

Não é pouco que o alto oficialato tenha resistido ao reiterado assédio golpista de um presidente da República. Mas a camada de distanciamento para as chamadas vivandeiras precisa tornar-se ainda mais espessa a fim de que militares e civis possam cumprir sem conflitos os seus papéis na democracia.

Aos primeiros cabe a defesa do território e da soberania nacionais. A legislação e os códigos de corporação deveriam redobrar as cautelas para mantê-los isolados da política partidária e das funções de governo não ligadas à caserna.

Não se podem mais brindar com impunidade desvios como o do general Eduardo Pazuello nem observar passivamente a lei ser descumprida diante de unidades militares.

Aos civis cumpre sepultar o mau hábito remanescente da época em que se recorria aos portadores das baionetas para resolver questões políticas. O recurso de quem perde a eleição é fazer oposição e tentar novamente quatro anos depois.

Japão em armas

Folha de S. Paulo

País asiático abandona pacifismo para enfrentar China ao lado dos Estados Unidos

Grandes mudanças geopolíticas são processos de anos, quando não décadas, mas que a historiografia costuma marcar com datas específicas. Talvez o 13 de janeiro de 2023 venha a ser uma delas.

Na última sexta, o presidente dos EUA, Joe Biden, recebeu o premiê japonês, Fumio Kishida. Nada anormal, exceto pelo contexto. Após um longo período de pacifismo imposto e depois absorvido pela sociedade japonesa, Tóquio recebeu a bênção oficial dos americanos para a remilitarização.

Não é algo banal. A Constituição ditada em 1947 pelos EUA ao império expansionista, esmagado na Segunda Guerra Mundial, interditava a capacidade ofensiva das Forças Armadas nipônicas. Essa diretriz dos ocupantes ocidentais forjou a dinâmica da política interna do país nas décadas seguintes.

De um lado, o pacifismo esposado por grande parte da população, traumatizada pela destruição que a agressividade imperial trouxe. Do outro, nacionalistas inconformados com o que viam como perda de soberania e identidade pela imposição dos vencedores da guerra.

As Forças de Autodefesa do Japão buscaram formas de escamotear capacidades de agressão, mas são obrigadas a não ter muitos dentes.

Ao longo dos últimos anos, formou-se na classe política japonesa uma maioria em favor da normalização do país como ator externo responsável. Os crimes do império até 1945, sustentam, já foram devidamente pagos com juros.

Nem todos, como os rivais amigáveis sul-coreanos, concordam, mas os americanos viram na disposição um instrumento útil para a competição contra a China —adversário comum que têm com Japão, Índia e Austrália, seus aliados no fórum estratégico Quad.

Assim, Biden enalteceu a decisão japonesa de dobrar seu orçamento militar para 2% do PIB, uma enormidade dado que o país asiático é a terceira maior economia do mundo, atrás dos EUA e da China.

Tóquio, ciosa dos momentos de hesitação americana no passado, ampliou sua rede de apoio a outros parceiros ocidentais —firmando a criação de um novo caça com britânicos e italianos, por exemplo.

Entretanto, como o chanceler japonês disse recentemente à Folha, o fundamento de sua política externa está no acerto com os americanos. O passo final será a mudança constitucional liberando as amarras militares, o que parece certo. Uma era terá então se encerrado na geopolítica.

A força da intolerância

O Estado de S. Paulo.

A maioria dos brasileiros não acredita no arrefecimento do sectarismo político.

Apenas três em cada dez brasileiros dizem acreditar que a tolerância política aumentará em 2023, de acordo com um levantamento feito pelo instituto de pesquisa Ipsos em dezembro. O resultado nacional é considerado baixo, mas não está distante da média global negativa (34%) aferida pelo instituto em 36 países. De fato, a percepção de aumento da intolerância política está longe de ser um problema exclusivo do Brasil.

A sociedade brasileira – e aqui não há novidade – está profundamente dividida no que concerne às afiliações ideológicas e partidárias dos cidadãos. Não há no País um centro político democrático, ao menos não como força eleitoral, capaz de conquistar corações e mentes da maioria pelo apelo a consensos mínimos. Sobressai a estridência dos polos. Prevalece o distúrbio comunicacional – muita gritaria e pouca escuta. Ambos com sequelas terríveis até para o ambiente privado dos indivíduos. Quantos laços familiares, de trabalho e de amizade foram desfeitos nos últimos anos em virtude de posições políticas tidas como irreconciliáveis?

A intentona perpetrada por radicais bolsonaristas no dia 8 passado só aumentou a percepção de que o Brasil virou uma terra de gente infensa ao diálogo e incapaz de respeitar diferenças de opinião. É evidente que não há diálogo possível com extremistas; menos ainda com extremistas criminosos. A eles, o isolamento e o peso da lei. Mas, em geral, essa percepção não só está errada, como deve ser ativamente desconstruída – desde a mais alta autoridade executiva da República, o presidente Lula da Silva, até o mais anônimo dos cidadãos.

A grande maioria dos brasileiros, incluindo muitos dos que votaram em Jair Bolsonaro, condena o emprego da violência como forma de ação política. Há, portanto, saídas para essa intolerância que paralisa o País, desde, é claro, que autoridades e cidadãos, imbuídos de boa-fé, ajam para superá-la. Como disse ao Estadão o cientista político Miguel Lago, “a capacidade de condenar essa atividade (o assalto contra as sedes dos Poderes) é um prenúncio de que é possível arregimentar forças em defesa da civilidade”.

O desafio do País não é superar as divergências políticas entre os cidadãos, mesmo as mais aferradas. Elas são próprias de qualquer democracia digna do nome. O desafio é voltar a trilhar um caminho de amadurecimento democrático no qual a coabitação seja possível. Para isso, há que reconstruir um consenso, entre tantos outros, em torno do respeito inarredável ao grande pacto que nos une como cidadãos: a Constituição. A Lei Maior protege a livre manifestação de divergências e, ao mesmo tempo, coíbe a intolerância.

A coabitação entre divergentes só é possível em um ambiente de tolerância e respeito às leis, vale dizer, quando ideias, valores e visões de mundo por vezes conflitantes – desde que não configurem crimes – não são desqualificados a priori por quem se acha o único portador da “verdade” ou de uma ideia do que seja o “bem”; tampouco seus defensores são tratados como inimigos de uma facção rival por aqueles que pensam diferente.

Idealmente, o encerramento da eleição deveria sobrestar essas diferenças, ao menos até o próximo ciclo eleitoral, e unir os cidadãos em torno de um projeto comum de País. Mas isso não aconteceu. Ao contrário.

Agora cabe ao vencedor, o presidente Lula, tomar a iniciativa de chamar todos os brasileiros ao diálogo, de mostrar, e não apenas com palavras, que, de fato, governará para todos. Na prática, isso significa ampliar as forças políticas presentes em seu governo, contemplando o maior número possível de interesses da sociedade. Dividindo poder entre uma frente realmente ampla e democrática.

A intolerância política não desaparece de uma hora para outra por força de vontade; é preciso ações concretas para isolar os extremistas e dialogar com os divergentes que “estão inseridos no jogo democrático”, como bem disse Miguel Lago.

Lula será um presidente bem-sucedido se entender que sua vitória eleitoral não foi apenas sua ou do PT. Que o presidente compreenda a dimensão de sua responsabilidade histórica.

A revisão dos acordos de leniência

O Estado de S. Paulo.

O PT sempre criticou a punição das empreiteiras envolvidas em corrupção nos governos lulopetistas; não surpreende que o tema tenha voltado à pauta. É preciso muita cautela

A revisão das condições dos acordos de leniência firmados por empreiteiras é um tema que, tudo indica, será tratado com prioridade no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Vários sinais indicam a construção de um clima favorável ao avanço dessa pauta. Mas a relevância do assunto, as empresas e atores públicos envolvidos e o valor dos acordos só reforçam a necessidade de tratá-lo com muita cautela.

Já no segundo dia na chefia da Casa Civil, em uma entrevista concedida à Globonews, o ministro Rui Costa anunciou que o governo tem a intenção de acelerar obras públicas “sem depender do Orçamento”. Ele sugeriu que as empresas com dívidas relacionadas a acordos de leniência poderiam substituir as multas pela execução de obras do governo. A forma extemporânea com que o tema surgiu no debate público não surpreende. Os principais acordos de leniência firmados nos últimos anos envolveram empreiteiras flagradas na Lava Jato por colaborarem de corpo e alma com o projeto de poder lulopetista em troca de contratos e benefícios. Desde aquela época, os petistas argumentam que punir as empresas prejudica a economia – como se o castigo exemplar de quem lucrou com a corrupção fosse um absurdo.

Os acordos de leniência fechados pela UTC Engenharia, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e OAS somaram R$ 8,1 bilhões, dos quais pouco mais de R$ 1 bilhão foi quitado. Ao confessarem condutas ilícitas, com a formação de um cartel para fraudar contratos e pagamento de propina a agentes públicos, essas empreiteiras tiveram condenações mais brandas e se comprometeram a pagar multas em acordos que envolveram a Advocacia-geral da União (AGU), a Controladoria-geral da União (CGU), o Ministério Público Federal (MPF) e a Justiça.

Não deixa de chamar a atenção que o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, seja hoje o principal articulador da proposta de revisão dos acordos de leniência. Dantas foi um dos principais defensores de sanções ainda mais severas que aquelas definidas nos acordos de leniência. Em abril de 2017, ele disse ao Estadão que os valores financeiros dos acordos eram apenas um “aperitivo da refeição completa”, e sugeriu que se avançasse sobre o patrimônio dos acionistas caso as empreiteiras falissem antes de quitar os compromissos. É uma notável mudança de opinião.

Mesmo com um prazo bastante favorável para pagar as multas, variando entre 16 e 28 anos, algumas dessas empreiteiras entraram em processos de recuperação judicial. Isso, em tese, pode indicar a necessidade de aperfeiçoamentos na Lei Anticorrupção (12.846/2013), que criou a figura do acordo de leniência. Afinal, se os acordos não têm a intenção de salvar as empresas, tampouco têm o objetivo de quebrá-las. No entanto, qualquer alteração na legislação não pode ignorar o fato de que os acordos de leniência são uma forma de responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública. Permitir às empresas que voltem a executar obras sem participar de um processo licitatório, como parece ser o caso, não apenas não configura punição, como vai de encontro ao interesse coletivo. Não é por outra razão que a Constituição estabelece a licitação como regra na administração pública, com poucas exceções claramente dispostas em lei.

Também é importante lembrar que o próprio TCU impôs desafios à atuação dessas companhias. A emissão de declarações de inidoneidade pela Corte de contas as impedia de participar de licitações com a administração pública, e o risco reputacional dessa certidão dificultava que as construtoras tivessem acesso a crédito e fechassem contratos com o setor privado. Novamente, seria bom que o TCU explicasse essa mudança de posição.

É preciso ir devagar com o andor. O fato de que a proposta de revisão dos termos dos acordos de leniência foi defendida na primeira semana de governo sugere que ela foi gestada há mais tempo – e por outros motivos que não a retomada de obras públicas paradas.

Israel testa sua democracia

O Estado de S. Paulo.

O assalto governista ao Judiciário ameaça minorias e a própria democracia, de que o país tanto se orgulha

Israel se orgulha de ser a única democracia entre as teocracias e as autocracias do Oriente Médio. Dado o controle sobre os palestinos nos territórios ocupados, não é uma democracia plena. Mas internamente há liberdade de culto e um sistema parlamentar com eleições limpas, que inclusive autoriza uma minoria de árabes a formar seus partidos. Mas essa democracia está enfrentando seu mais severo teste.

Após um breve período na oposição, Binyamin Netanyahu retornou ao comando. Bem antes de Donald Trump ou Jair Bolsonaro, Netanyahu já aprimorava o populismo nacionalista conservador, personificando o “povo” contra as elites corruptas do establishment e acusando críticos de antipatriotas a serviço de ideologias progressistas minoritárias e globalistas.

Mas, se os governos de Trump ou Bolsonaro não duraram mais que 4 anos, enquanto os de Netanyahu já ultrapassaram 15, é pela habilidade de Netanyahu de transigir em meio às limitações impostas pelo sistema parlamentar. Ele venceu seus mandatos com campanhas populistas, mas os manteve com pragmatismo, formando maiorias com partidos do centro e da esquerda e transacionando com eles.

Agora, porém, sua coalizão depende de partidos ultraortodoxos, nacionalistas e de extrema direita que ameaçam a normalização das relações com Estados árabes, as populações palestinas e a liberdade religiosa e sexual de minorias israelenses. Mas a ameaça mais imediata – que viabilizaria as outras – é a proposta de reforma constitucional que daria aos políticos no Parlamento o poder de revisar decisões da Suprema Corte e controlar a indicação de juízes e procuradores.

Em um país sem uma Constituição formal, sem distribuição federativa do poder, sem veto presidencial e com uma única casa no Parlamento controlada pelo Executivo em razão de sua maioria, a Suprema Corte foi historicamente o único freio e contrapeso ao poder absoluto das coalizões majoritárias, invalidando legislações que ferem as Leis Básicas de Israel e protegendo direitos e liberdades de todos os tipos de israelenses.

Netanyahu sempre evitou mudanças radicais nesse sistema. Mas agora, acusado de corrupção, com seu partido mais inclinado a combater o “ativismo judicial” e as cobranças de seus aliados radicais, ele mudou o curso.

Assim como os riscos vêm dos humores populistas incitados por Netanyahu para subir ao poder, as esperanças residem no seu pragmatismo para se manter nele. O empoderamento dos radicais pode ameaçar o próprio poder de Netanyahu. Como sempre em Israel, sua maioria parlamentar é estreita e instável. A maioria da população não apoia as agendas radicais, e protestos populares já eclodiram. Não é impossível que, como em outras ocasiões, Netanyahu estenda a mão ao outro lado, oferecendo uma “trégua constitucional” que garanta mais controle do Parlamento sobre o Executivo e limites à revisão judicial.

Mas essa é só uma possibilidade. A realidade, no momento, é que a tentativa de castração do Judiciário está submetendo a democracia israelense ao maior teste de sua história.

 Incertezas turvam previsões para a balança comercial

Valor Econômico

Mesmo quem aposta em um superávit da balança comercial superior ao de 2022 não espera aumento dos volumes exportados

Um dos indicadores da economia com previsões mais dispersas para este ano é a balança comercial. Pesquisa feita pelo Valor junto a 12 consultorias e instituições financeiras colheu projeções de um saldo positivo variando de US$ 49 bilhões a US$ 71,9 bilhões, considerando a metodologia de cálculo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). A mediana está em US$ 60 bilhões.

Se a mediana prevalecer, o saldo ficará abaixo do superávit de US$ 62,3 bilhões do ano passado, que surpreendeu por ter sido obtido em um ambiente conturbado pelo conflito no Leste Europeu, que tumultuou os mercados de combustíveis, commodities agrícolas e fertilizantes, pela política de covid zero da China e pela volatilidade no câmbio. Para exportadores e importadores, pior do que câmbio alto ou baixo são as oscilações.

Se o Brasil perdeu em alguns aspectos, ganhou em outros, especialmente em consequência da estirada dos preços de alguns dos principais produtos da pauta de exportações. Os preços dos produtos exportados, que totalizaram US$ 334,5 bilhões, subiram em média 13,6% em 2022 enquanto a quantidade aumentou 5,5% em relação a 2021.

Os produtos agropecuários exportados registraram alta, de 31,5%, enquanto o volume embarcado teve 1,8% de aumento. Não é por outro motivo que o grupo da agropecuária foi o que mais cresceu, 36,1%, e representou 22,4% do total. A exportação de produtos da indústria de transformação, principal grupo da pauta, com quase metade do total (54,3%), registrou avanço de 26,2%, com os preços aumentando 9,8% e o volume embarcado, 15,4%. Já a indústria extrativista, com 22,8% do total, volume e preços caíram, 0,5% e 2,5% respectivamente.

Na ponta das importações, que cresceram 24,3% para US$ 272,7 bilhões, os preços também foram importantes. Somente os combustíveis, que representaram 16,1% da pauta, ficaram 69,2% mais caros com uma quantidade 4,1% maior. O conflito no Leste Europeu repercutiu no mercado de commodities energéticas, como petróleo e gás natural. A guerra também afetou o mercado de fertilizantes, tornando a oferta incerta. Pelo mesmo motivo subiu o preço do trigo, uma vez que a Ucrânia é um dos principais produtores mundiais. O prolongamento do conflito é um dos importantes motivos da dispersão das projeções para o resultado comercial deste ano.

A estratégia da China para o enfrentamento da pandemia é outra variável, uma vez que é o principal parceiro comercial do Brasil. A política de covid zero afetou as atividades chinesas e as relações do país com o exterior. Os volumes embarcados pelo Brasil diminuíram 4,7%, notadamente de minério de ferro e de soja, e os preços ficaram praticamente estáveis (elevação de 1,5%). Há a expectativa de que o afrouxamento dessa política deve estimular a economia chinesa e impulsionar as exportações brasileiras. Mas isso ainda não está certo. A balança comercial chinesa, divulgada na semana passada, já mostrou melhora nas importações em dezembro, que diminuíram menos do que em novembro.

Outro ponto de interrogação que dificulta fazer as projeções é o comportamento da economia global, com as políticas monetárias restritivas para controlar a inflação. Os organismos internacionais já reduziram as estimativas para a economia neste ano. Em outubro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) lançou a previsão de crescimento global de 2,7% neste ano, abaixo dos 3,3% esperados para 2022. Neste mês, o Banco Mundial cortou a expansão esperada para 2023 de 3% para 1,7%, iniciativa justificada pela elevação da inflação, alta dos juros e prolongamento do conflito no Leste Europeu.

Regiões comprometidas com políticas monetárias restritivas para conter a inflação estão entre importantes parceiros comerciais do Brasil. As exportações para os Estados Unidos, por exemplo, cresceram 20,2% no ano passado e as importações, 30,3%. O comércio com a União Europeia saltou 39,1% na ponta das exportações e 15,7% das importações.

Mesmo quem aposta em um superávit da balança comercial brasileira superior ao registrado em 2022 não espera o aumento dos volumes exportados. Para a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), alinhada entre os mais otimistas, com expectativa de saldo acima de US$ 70 bilhões, o superávit maior seria resultado da queda da exportação em percentual menor do que a da importação. O resultado, portanto, não contribuiria, necessariamente, para o aumento da atividade econômica no país.

 

3 comentários:

Anônimo disse...

Folha
"Como se não bastasse, o batalhão do Exército mantido com o único propósito de defender o Palácio do Planalto falhou diante de uma falange de agressores mal coordenados, alguns em idade provecta."

Idade proveta! Rá!
O batalhão q deveria proteger o P. Planalto leva o nome de Caxias. Até isso o EB conspurca.

Anônimo disse...

Série de humilhações - Folha de S. Paulo

"Alto oficialato evitou o pior, mas militares deveriam fazer severa autocrítica"

Alto oficialato nada evitou - claro q, no máximo, se omitiu. Evitar exige ação; quem das FA agiu contra o golpe??? NINGUÉM!

O golpe falhou porque EUA e outras potências foram contra.
Aliás, "alto" pros nossos milicos é contradição, Folha, q não condiz com nossos oficiais, daí q seu epígrafe se refere a humilhações e não a honras.

Anônimo disse...

A força da intolerância - Estadão
"Na prática, isso significa ampliar as forças políticas presentes em seu governo, contemplando o maior número possível de interesses da sociedade. Dividindo poder entre uma frente realmente ampla e democrática."

O Estado diz "possivel". E isso foi feito. Lendo seu editorial, parece q o Estadão diz q Lula não fez o possível. Impressiona a má vontade do jornal com o novo Governo. Claro, é o jornal da "escolha dificil" entre o genocida e o Haddad. Um jornal q apoiou a ditadura. Isso atrapalha o Brasil.