O Globo
Filme lembra saga do embaixador José
Maurício Bustani, derrubado da Opaq por não endossar mentiras contra o Iraque
Numa das melhores cenas de “Sinfonia de um
homem comum”, o embaixador José Maurício Bustani se emociona ao reler o
discurso que fez minutos antes de ser destituído do comando da Organização para
a Proibição de Armas Químicas (Opaq), em abril de 2002. O diplomata sabia que
seria afastado, mas se recusava a entregar a própria cabeça numa bandeja.
“Não preciso de uma saída de herói”, disse
Bustani. “Se eu sair, terei sido fiel aos princípios de integridade que guiaram
minha vida profissional e pessoal”, acrescentou. Ao repetir as palavras depois
de quase duas décadas, o embaixador embarga a voz e chora. O tempo passou, mas
o sentimento de injustiça continua.
A saga de Bustani é lembrada no novo documentário de José Joffilly, que chegou aos cinemas na quinta-feira. O filme ouve dois presidentes, dois chanceleres e uma série de ex-funcionários da Opaq. A partir dos depoimentos, reconstitui a crise que mobilizou a opinião pública internacional e culminou na queda do brasileiro.
O diplomata foi para a frigideira por
atrapalhar os planos dos EUA. George W. Bush estava decidido a invadir o
Iraque. Sem provas, alegava que Saddam Hussein escondia armas de destruição em
massa. Bustani desconfiava do discurso e tentava atrair Bagdá para a Opaq, o
que permitiria o envio de inspetores ao país.
Se os técnicos não confirmassem a
existência das armas, Washington perderia o pretexto para a guerra. Para evitar
esse contratempo, Bush passou a exigir a demissão do embaixador. O cerco
incluiu a instalação de escutas clandestinas em seu gabinete, em Haia. Bustani
virou alvo de uma campanha de difamação, e sua mulher foi avisada de que ele
deveria evitar até a água servida na Opaq.
No auge da cruzada, o porta-voz do
Departamento de Estado americano, Richard Boucher, declarou que Bustani era
incompetente e deveria ser demitido pelo bem da entidade. “Eu provavelmente
disse coisas que não deveria ter dito”, penitencia-se o mesmo Boucher em
entrevista para o filme. Ele descreve seus chefes da época como “pessoas que
não tinham apreço algum pela verdade”. Quem vê o documentário não encontra
razões para discordar.
Além de reproduzir as mentiras de Bush, o
filme mostra Colin Powell e Donald Rumsfeld repetindo acusações falsas para
justificar a guerra. Quando a farsa foi desmontada, Powell alegou que teria
sido induzido a erro. O engano custou as vidas de 300 mil iraquianos e 5.000
soldados americanos, lembra Joffily.
Num lance que caberia na trilogia “O
poderoso chefão”, o embaixador americano John Bolton ameaça Bustani, diz saber
onde seus filhos moram e exige que ele renuncie em 24 horas. Tempos depois, o
republicano desembarcaria no Brasil como assessor de Donald Trump. Eleito
presidente, Jair Bolsonaro bateu continência ao recebê-lo no Vivendas da Barra.
O Itamaraty de Fernando Henrique Cardoso e
Celso Lafer sai mal na foto do caso Bustani. Os dois negam ter lavado as mãos,
mas são desmentidos pelo noticiário da época. “O mesmo governo que apresentou
meu nome fez um acordo com os americanos e permitiu que eu fosse expulso”,
resume o diplomata. Em 2003, Lula e Celso Amorim o reabilitariam como
embaixador em Londres.
Aposentado, o ex-diretor da Opaq vive no
Rio e aproveita o tempo livre para se dedicar ao piano. Ele confessa “certa
decepção” com o que passou, mas diz que voltaria a confrontar os poderosos.
“Alguém tem que falar. Se minha voz for ouvida, melhor. Se não for, não posso
fazer nada. Pelo menos tentei”, conforma-se.
Um comentário:
As mentiras de Bush filho, as mentiras de Powell, as mentiras de Trump, as mentiras de Bolsonaro... Centenas nos 2 primeiros casos, MILHARES nos 2 últimos!
Espionagem dos EUA? Jamais, quem espiona (através de balões!!) é a China...
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