domingo, 5 de fevereiro de 2023

Bruno Boghossian - O pesadelo do primeiro ano

Folha de S. Paulo

Embate público com o Banco Central é reação política a risco prolongado na economia

Quando ainda estava em campanha, Lula reconhecia que a economia daria trabalho na largada de um novo mandato. As contas do governo teriam que passar por ajustes, os ministros precisariam cavar resultados, e a atividade levaria alguns meses para reagir. Sentado na cadeira, o presidente percebeu que essa janela de tempo pode ser mais longa.

O petista passou a conviver com o pesadelo de atravessar todo o primeiro ano de governo num cenário de baixo crescimento e mercado de trabalho desaquecido. Auxiliares consideram que essa é a maior ameaça à popularidade de um presidente que chegou ao poder com uma promessa de recuperação econômica.

A briga de Lula com o Banco Central é parte de uma reação política a esse risco. Nas últimas semanas, o petista atacou a taxa de juros definida pelo órgão e chegou a anunciar a intenção de rever a autonomia concedida por lei à instituição.

O humor do presidente azedou depois que o BC indicou, na quarta-feira (1º), que os juros podem ficar no patamar atual até o fim do ano. Para os petistas, a decisão já afeta setores dependentes do crédito, com capacidade de matar o crescimento de 2023 e ainda transbordar para 2024.

Lula elegeu o comando do banco como um inimigo a ser enfrentado publicamente. O presidente ampliou o rol de adversários porque sabe que ligar o descalabro de Jair Bolsonaro à economia capenga garante um alívio temporário, mas não terá a mesma eficácia por mais de um ano.

O plano do governo é martelar a ideia de que a política do banco seria uma das principais barreiras ao crescimento e à recuperação do emprego —e de que Lula estaria de mãos atadas devido às regras de autonomia.

Petistas dizem que o embate também deve ser lido como uma convocação para que integrantes do governo reajam a esse quadro. Lula espera reduzir resistências internas e acelerar medidas de estímulo que dependem dos cofres públicos, como um reajuste do salário mínimo, um plano de obras nos moldes do PAC e a volta do Minha Casa, Minha Vida.