Economistas ressaltam que a autoridade monetária precisará de cautela em sua política monetária, diante do cenário de resiliência dos preços no país
Por Carolina Nalin e Renan Monteiro / O Globo
Rio e Brasília - "Ninguém
gosta de juros elevados, nem o Banco Central”, afirmou esta semana o
próprio presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto. Mas, para que
a taxa básica de juros do país, a Selic, desça do atual patamar de
13,75% ao ano, será preciso resolver uma série de nós que alimentam
a inflação.
Estes vão da reoneração dos combustíveis ao
aumento previsto para o salário mínimo, passando pela persistência do núcleo de
inflação em patamares elevados. Pesa ainda o que alguns analistas veem como
dependência, por parte do BC, das projeções do mercado para a inflação.
Economistas ressaltam que a autoridade monetária precisará de cautela em sua política monetária, diante do cenário de resiliência dos preços no país. Dados do BC compilados pela consultoria Tendências apontam que a média dos núcleos de inflação — medida que a autarquia costuma observar, pois exclui o impacto de itens cujos preços são mais voláteis — está em 8,62% no acumulado em 12 meses até janeiro.
Alto nos serviços
Para Luiza Benamor, analista da Tendências
Consultoria, o patamar ainda elevado da média dos núcleos de inflação justifica
a Selic em 13,75%. E o fato de a média dos núcleos ter ficado bem acima do
índice cheio, de 5,77%, mostra que o recuo no IPCA se deve, em parte, a fatores
temporários, como a redução dos impostos sobre combustíveis.
A retomada dos tributos federais
(PIS/Cofins e Cide) está prevista para março — no caso dos estaduais, isso
ainda não foi definido. Os preços de combustíveis balizam outros custos da
cadeia logística, o que acaba por disseminar a inflação.
A Tendências estima que a reoneração dos
combustíveis deve elevar o IPCA anual em 0,7 ponto percentual. Além disso, o
reajuste de 7% da gasolina às distribuidoras, em janeiro, vai impactar os
preços de combustíveis, com um repasse de pelo menos metade desse percentual ao
consumidor. Assim, a consultoria reviu suas projeções para o IPCA no fim deste
ano de 5% para 5,8%.
Outro nó é o reajuste do salário mínimo,
para R$ 1.320, em maio. Isso terá um efeito cascata nos preços de serviços.
— Grande parte dos trabalhadores
brasileiros no setor de serviços ganha salário mínimo, e isso afeta o custo das
empresas. Elas repassam uma parte desse custo para os preços do setor, que
segue muito aquecido pós-pandemia — explica José Márcio Camargo, professor da
PUC-Rio e economista-chefe da Genial Investimentos.
Luiza, da Tendências, diz que as projeções
para a inflação de serviços passaram de 5,7% para 6,1%, devido ao reajuste do
salário mínimo:
— Esperamos que a inflação de serviços
volte a acelerar mais para o meio do ano.
Outro ponto citado pelos economistas é o
risco de desancoragem das expectativas. Se os agentes econômicos avaliam que o
BC tem uma postura tolerante com relação aos preços, as expectativas de
inflação em horizontes mais longos se desancoram, e a autoridade monetária
perde credibilidade.
— O aumento das expectativas de inflação
alta dificultam o trabalho do Banco Central. Como o Banco Central parte para o
alívio (da taxa de juros) se ele vê que a sociedade está esperando ritmo de
crescimento de preços mais alto? Ele fica numa posição muito desconfortável —
explica José Júlio Senna, ex-diretor do BC e chefe do Centro de Estudos
Monetários do FGV/Ibre.
Essas expectativas do mercado são
compiladas pelo Boletim Focus, do BC. A autarquia combina essas estimativas com
modelos preditivos para projetar a inflação e, a partir daí, definir a Selic.
Por isso, a projeção futura da inflação é fundamental para a definição da taxa
básica de juros.
O Focus, divulgado semanalmente, concentra
cerca de 130 agentes, incluindo bancos, gestores de recursos e outras
instituições, como corretoras e consultorias. No último levantamento, a projeção
para o IPCA no fim deste ano foi de 5,79%, na nona alta consecutiva.
Ao longo dos últimos 12 meses, a projeção
para o IPCA neste ano e nos próximos vem piorando.
‘Bolha do mercado’
Tony Volpon, ex-diretor do BC, vê
dificuldades para a melhoria das expectativas de mercado e uma consequente
redução dos juros. Ele avalia que há forte dependência das projeções do Focus
nas decisões do BC sobre juros e ressalta a mensuração de mercado é restrita
aos centros financeiros, com visão “enviesada”:
— Não devemos menosprezar expectativas, mas
temos uma mensuração muito limitada do que é expectativa. Sabemos que existe um
viés político dentro dessa comunidade. E, por ser muito pequena, concentrada
geograficamente em um bairro em São Paulo (Faria Lima) e Rio de Janeiro
(Leblon), há contaminação de visão. É uma bolha do mercado financeiro.
Para Volpon, as projeções continuarão
ruins. Contribuem para isso os ruídos sobre o arcabouço fiscal do novo governo
— prometido para março — e o debate politizado sobre as metas de inflação.
— Haverá divergência entre o que o governo
vai achar que é progresso (no campo fiscal) e já deveria levar a um corte de
juros, e o que o mercado, via Focus, vai achar que é progresso. E essas
expectativas serão alimentadas no BC em seus modelos para modelagem da taxa de
juros — afirma Volpon.
Alexandre Schwartsman, também ex-diretor do
BC, ressalta que a autarquia tem de olhar para a frente na hora de definir a
Selic, não para o nível atual dos preços:
— A inflação corrente só é relevante se ela traz algumas informações sobre a inflação futura.
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