quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Maria Hermínia Tavares* - Na idade da razão

Folha de S. Paulo

Partido tem a chance de rever erros e dar vida ao reformismo social possível

Com 43 anos recém-completados, o Partido dos Trabalhadores é um dos mais velhos da República. Superam-no apenas o MDB, criado em 1965; o PTB, que nada mais tem a ver com aquele fundado por Getúlio Vargas, em 1945; e o minúsculo PCdoB, nascido da costela do PCB, em 1962.

Com este último, o PT compartilha o fato não ter surgido do interior do sistema político, por iniciativa do estado, nem tampouco de acordos entre políticos profissionais. Nasceu dos setores populares mobilizados –sindicatos, movimentos sociais, intelectuais–, nos estertores da ditadura de 1964, contra a qual se erguiam.

Restabelecida a democracia, era de supor que a esquerda ganharia força político-eleitoral em um país de extensa pobreza e agudas desigualdades. Só não estava dado de antemão quem a representaria. A decisão ocorreu nas eleições de 1989, quando Lula, liderança plasmada nas greves operárias de 1979-80 e fundador de um partido inovador, pois ancorado em movimentos populares, passou ao segundo turno vencendo Leonel Brizola, que encarnava um populismo de esquerda de raiz getulista.

A partir de então, o PT percorreu a típica rota das agremiações social-democratas europeias, adaptada ao lugar e momento histórico. Fincou-se na arena eleitoral, conquistou governos municipais, ampliou a representação parlamentar, enquanto a sua estrutura ganhava robustez. Ao moderar o discurso antissistema promoveu-se a polo articulador das esquerdas nas disputas presidenciais.

Nesse processo, foi se achegando às nada republicanas formas de financiamento da vida partidária e das campanhas eleitorais, praticadas pelos partidos brasileiros de todas as colorações e que, mais tarde, explodiriam nos escândalos do mensalão e do petrolão. Essa trajetória e os dilemas do partido estão contados no excelente livro "PT, uma história" do colega colunista desta Folha, Celso Rocha de Barros.

No governo ao longo de 14 anos, o PT deu impulso inédito à agenda social, expandindo e aprofundando políticas já estabelecidas na saúde, na educação e na transferência de renda. Além de criar outras voltadas à redução das desigualdades, como cotas raciais ou ProUni. Na gestão da economia, Lula temperou com altas doses de pragmatismo o programa do partido, cujos princípios, quando postos à prova, nunca deram bons resultados, como se viu na gestão de Dilma Rousseff.

Agora, de volta ao poder, demonstrando espantosa resiliência, o PT tem a chance de rever na prática os seus erros e dar vida ao reformismo social possível, em tempos de penúria e de ataques ao regime de liberdades.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

3 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Correto.

Anônimo disse...


Bastante realista.

Resta saber, a que ponto os métodos utilizados nas últimas décadas, pelo PT serão ressuscitados como apelo para a projeção de um programa de poder e não de uma proposta defendida pelo viés dos compromissos com o Estado e a sociedade brasileira.

Que a oxigenação política é necessária para varrer a poeira tóxica, desde que Aécio perdeu para a ex-Presidente Dilma, é óbvio, principalmente neste cenário, onde o aniquilamento social foi totalmente engendrado para a facilitação de manutenção das "elites" anti democráticas.

Fato é, que a direita conservadora deixou um território perfeito para os discursos em defesa do reequilíbrio orgânico e institucional. A via já estava pronta para se refazer através das lideranças menos enviesadas pelo fenômeno do estrangulamento, a que fomos submetidos no governo pregresso, perverso, diria.

O risco que hoje enfrentamos com a esquerda "costumizada", recai na imprevisibilidade, sujeita à toda liderança, quando toma gosto pelo assento: não oxigenar tanto as instituições, quanto o campo das ideias e suas práxis, seja para o autobenefício ou para servir-se do propósito do "ofício de Estado" para continuar exercendo, até quem sabe, uma vocação mais altruísta.

O PT, em dado momento reproduziu a conduta de uma direita sórdida e acostumada a manipular os assentos em prol do projeto de permanecência, pró-forma, a queda de braço entre-polos resvalou no mandato de Dilma Roussef, onde o solo tornou-se fértil para a pseudo legitimação de um golpe no país. Sim, foi golpe! Um golpe sujo e covarde, abatendo a nação sob o chicote de uma corda tencionada entre a direita insatisfeita e um PT profundamente ambicioso e maniqueista, o que não poupou sequer sua Presidente.

É necessário lembrar que mesmo antes do golpe, já acompanhávamos o esvaziamento paulatino da sigla, onde a análise de retirantes como como Heloisa Helena e Marina Silva, já deixavam claro o descontentamento pelos rumos que seguiam seus dirigentes.

Naquele momento já era possível farejar a ruptura de um pacto de compromisso, levado a termo numa concepção do poder pelo poder e não pela causa - movimentar o país entorno às graves e necessárias reformas, com o propósito de reduzir as desigualdades.

Faço votos de que a nova atuação do Partido do Trabalhadores traga em decorrada a nossa desconfiança e sejam as novas vias capazes de restituir, não apenas a democracia e a capacidade de viabilizar seu aperfeiçoamento, como a credibilidade tão abalada numa política isenta de superlativos egóicos que corrompem os mandatos para estabelecer o livre financiamentos das suas figuras sempre recorrentes.

O momento histórico sua generis em toda esfera global. Sob a batuta de um bom maestro e uma equipes técnica e habilidosa para as questões internas e internacionais, quem sabe a Casa adquira a cooperação necessária para trilhar bons e novos rumos.

Não sejamos tão desesperançosos, mas nem por isto isentos da possibilidade dos bebês e riscos.

Anônimo disse...

Excelente análise da colunista! E o anônimo acima tem razão quanto à perda de figuras maiúsculas, como Marina Silva, Heloisa Helena, Cristovam Buarque e tantos outros, que foram se decepcionando com as práticas das direções petistas e acabaram deixando o partido, enquanto este crescia em tamanho com a incorporação de políticos pouco honestos e com a participação partidária em diversos esquemas de corrupção, inclusive por parte do seu maior nome, Lula.

O PT sempre se apresentou como o único partido honesto, desde sua fundação. Depois de 14 anos na presidência do país, só queria ser visto como igual aos demais partidos, e não mais corrupto que todos eles, como muitos brasileiros o consideram ainda hoje...