Folha de S. Paulo
De muitos deles, conheço os funcionários,
sou íntimo de seus gatos e até trato os ácaros pelo nome
Em coluna recente ("A irrelevância ao alcance de todos", 29/1), falei de livros típicos dos anos 60, como tratados "eruditos" sobre temas irrelevantes e vice-versa. E citei, entre outros, "A Ignorância ao Alcance de Todos", de Nestor de Hollanda, e "Tratado Geral dos Chatos", de Guilherme Figueiredo. Leitores perguntaram em que sebo procurá-los e alguém falou na Estante Virtual, o portal de comércio eletrônico com o acervo dos sebos do Brasil. Através dele, e por uma comissão, pode-se de fato achar qualquer livro —qualquer livro que exista num sebo, claro.
Uso muito a Estante Virtual para saber se
tal ou qual livro existe e onde posso encontrá-lo. Encontrado o livro, prefiro
lidar direto com o sebo, visitando-o para escarafunchar estantes, revirar
pilhas e descobrir outros livros de que nem desconfiava. Já cansei de dizer
que, quando morrer, não quero ir para o céu, quero ir para um sebo. É onde
passei grande parte da vida. Deles saíram pelo menos metade dos livros que
tenho em casa —a melhor metade.
No Rio, vou ao Mar de Histórias, em
Copacabana; ao Berinjela, na avenida Rio Branco; à Academia do Saber, na
avenida Passos; ao Letra Viva, na rua Luís de Camões; ao Elizart, na rua
Marechal Floriano; ao Lima Barreto, em Ipanema; e a muitos outros. Sou amigo de
seus funcionários, íntimo de seus gatos e, em alguns, até trato os ácaros pelo
nome.
Em São Paulo, vou ao Buquineiro, ao Virtual
Incunábulo e ao Brandão. Em Curitiba, ao Fígaro. Em Belo Horizonte, ao
Crisálida. Em Porto Alegre, ao Avenida. E por aí vai.
Outro dia, tive uma grande experiência. Com
Marcelo Dunlop e Luis Antonio Simas, participei da reabertura do Belle Époque, um sebo no Méier que foi devorado por um incêndio em 2022. A foto das chamas saindo pela porta
era chocante. Mas seu proprietário Ivan Costa, com a ajuda dos amigos, o trouxe
de volta. Os sebos fecham, mas não morrem.
5 comentários:
O saber dos sebos... Mais um grande textículo deste colunista!
Já tive um sebo, a Livraria João do Rio, o sebo do Catete. Nasceu na sede da revista Presença que ficava ao lado do Palácio do Catete. E dei o nome de João do Rio porque na época Maria Alice Rezende de Carvalho, nossa editora, estava estudando João do Rio. Por um triz a Estante Virtual não nasceu na nossa livraria. Tive por sócio Marcelo filho da jornalista Stela Lachtermacher e o Marcelo queria criar a Estante Virtual uma cópia da Amazon Books. Só que o Marcelo chamava o projeto de Livreiros Associados. Eu não acreditei na ideia achando que nem Brandão nem Walter Cunha os dois maiores donos de sebo do país iriam se associar ao pequeno sebo que era a João do Rio. Marcelo chegou a pagar um profissional de informática para criar o sistema. Mas não deu sorte. E Marcelo em vez de fazer disso um segredo comercial, contava para todo mundo. Aí o jovem André Garcia, que não entendia de livros mas era bom de informática colocou no ar a Estante Virtual. Imediatamente inscrevi a João do Rio na EV. Anunciei um livro: A República de Platão. A Estante Virtual abriu um box dizendo que havia algo errado porque eu colocara apenas um nome de autor. Se eu tivesse escrito Platão da Silva estaria tudo bem. Disse que aquilo era coisa de amador. E o André ficou aborrecido comigo em vez de me contratar para uma assessoria. Com isso eu e Marcelo perdemos a chance de ter ficado ricos. Mas Marcelo era muito empreendedor e criou uma pequena rede de livreiros associados que incluía a Baratos da Ribeiro; a Mar de Histórias, mencionada por Ruy Castro; a Gracilianos do Ramo e mais um sebo no Paço Imperial que não me lembro o nome. O Marcelo Lachter (como ele se apresentava) faleceu e uma irmã dele que mora em Portugal disse que produziria um livro sobre ele. Eu já mandei o meu depoimento, mas até agora nada. Inclusive mandei como sugestão de epígrafe a frase imortal do Ruy Castro: Quando morrer não quero ir para o céu mas para um sebo. A livraria João do Rio também morreu, mas entrou para a História porque ganhou um verbete sobre ela no livro História das Livrarias Cariocas de Ubiratan Machado.
Artigo de Ruy Castro elegante e envolvente, como de hábito. E o comentário/depoimento do senhor Fernando Carvalho: excelente. Gostei muito.
Perfeito
Frequentava um em Fernandópolis,fechou.
Postar um comentário