quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Vera Magalhães - Uma marola que vai custar caro

O Globo

Lula parece imbuído de uma crença de que será possível se manter no palanque reeditando o discurso da herança maldita

Parece irrazoável que alguém experimentado como Lula acredite de verdade que o tipo de platitude que vem proferindo todo dia sobre a autonomia do Banco Central e, mais recentemente, da “culpa” (!) de Roberto Campos Neto pela demora na retomada do crescimento econômico vá resultar em algum benefício para seu governo ou para o país.

O que pretende o presidente, gastando de forma acelerada e impensada um crédito já escasso com que venceu as eleições e chega ao fim do primeiro mês de governo? Lula parece acreditar, a despeito das evidências dramáticas apresentadas a ele e a todos nós em contrário, que o mundo de 2023 é o mesmo de 2003, quando chegou ao governo pela primeira vez. Assim como vimos que não é na política e na institucionalidade, é menos ainda na economia.

Diante dessas mudanças, a autonomia do Banco Central (BC) deveria ser vista por qualquer governante como uma salvaguarda. Livre da pecha de querer interferir artificialmente na política monetária, cabe ao ocupante do Executivo definir as outras balizas da política econômica e deixar para o BC a tarefa, fundamental, de tourear a inflação.

Ao buscar infantilmente um “culpado” associável ao bolsonarismo, Lula parece imbuído de uma crença de que será possível se manter no palanque reeditando a herança maldita. Acontece que a herança do bolsonarismo é, de fato, maldita e ameaça assombrá-lo em áreas que nada têm a ver com a política monetária.

Basta ter um mínimo de apreço pelos fatos recentes para ver que, não fosse a autonomia do BC, Bolsonaro não teria hesitado em pressionar Campos Neto por uma redução artificial na taxa Selic durante a campanha eleitoral, como de tanto fazer conseguiu obter no caso dos combustíveis.

Fosse o presidente do BC Alexandre Tombini e a presidente Dilma Rousseff, aliás, isso poderia bem ter ocorrido, como aconteceu no desastroso segundo governo da ex-presidente, com o resultado conhecido — e uma arremetida nos juros em seguida, claro.

Pagar para ver uma tentativa de trocar Campos Neto mandando para o Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição para rever a autonomia do BC, ou esperando que o Senado o destitua por não cumprimento de suas atribuições, mergulharia o governo numa batalha por votos cujo resultado é imprevisível e que atrasaria em meses uma agenda que teria tudo para decolar caso Lula estivesse empenhado em fazer do 8 de Janeiro uma limonada e construir sua governabilidade sobre os escombros deixados pela turba bolsoterrorista.

Mas não. Ele está deixando esse cavalo encilhado passar, em vez de se reunir imediatamente com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, eleitos para comandar a Câmara e o Senado com seu apoio, e acordar o rito de votação da reforma tributária e a coreografia de discussão do novo marco fiscal.

Essas duas medidas, muito mais que o primeiro pacote anunciado por Fernando Haddad para aplacar o nervosismo inicial do mercado com sua indicação, têm tudo para ancorar as expectativas dos agentes econômicos e fazer com que o ambiente para o cumprimento da meta de inflação — e, consequentemente, para a queda gradual e consistente dos juros — aconteça sem a necessidade de o presidente gastar a voz num palanque para lá de tardio e perigoso.

Foi Lula quem fez questão de Haddad na Fazenda, que bancou sua indicação. Também é da sua lavra a engenharia que justapôs ao ex-prefeito de São Paulo pessoas com passado político e ideário econômico diverso do PT e do próprio Haddad, caso de Geraldo Alckmin e Simone Tebet.

Um mês é muito pouco tempo para o o presidente passar a se irritar com a troca de bola dos jogadores que ele mesmo escalou e cobrar deles que partam para a canelada contra alguém que ele parece acreditar que joga no time adversário, mas que, pelo desenho institucional vigente, é apenas o juiz da partida.

 

3 comentários:

Mais um amador disse...

Ok 😏

ADEMAR AMANCIO disse...

Juiz da partida!

Sérgio disse...

Vera Magalhães, a respeito de autonomia do BC em relação ao governo, estou de acordo. Mas a mídia tem falhado muito em manter-se calada sobre a falta de autonomia do BC em relação ao mercado financeiro...Afinal, trata-se de um órgão público, que deve preservar interesses públicos. Ou não?
O que você pensa a respeito disso?

https://youtu.be/hzGaLmMgR04