quarta-feira, 8 de março de 2023

Vera Magalhães - 8 de Março

O Globo

É necessário que a preocupação de promover as mulheres atinja a camada da política nua e crua, a que define ministras do STF

A troca de turno político em Brasília representa uma possibilidade de revisão de retrocessos e interdições em muitas áreas, mas em poucas ela é tão flagrante quanto na construção de uma urgente e ainda distante equidade de gênero nos espaços da política, das instituições e do mercado de trabalho.

Quatro anos de Jair Bolsonaro representaram para as mulheres, tanto em termos de possibilidade de ver implementadas políticas públicas quanto de violação de direitos, o pior período desde a redemocratização, e agora há muito a recuperar, mas ainda poucas sinalizações de avanços palpáveis.

Uma frente bastante emblemática da distância entre o discurso progressista da igualdade de gêneros e a prática política está na disputa frenética que se trava nos bastidores pelas duas vagas no Supremo Tribunal Federal que serão abertas neste ano com as aposentadorias de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber — uma das duas únicas mulheres entre os 11 integrantes da mais alta Corte de Justiça brasileira.

Simplesmente não há nenhuma mulher na lista de cotados. Aqueles que incluem a presidente do Superior Tribunal de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura, no rol dos nomes cogitados por Lula o fazem só para tentar afetar alguma paridade de armas.

Para a primeira vaga, será difícil bater Cristiano Zanin. Mas e para a segunda, justamente a de Rosa? Existe o risco real de ser o governo de Lula a promover não a ampliação, mas a redução da participação feminina no STF, a menos que esse seja um tema que a sociedade tome para si e que passe a exercer pressão capaz de suplantar os múltiplos lobbies e interesses políticos à mesa.

Não é só nessa seara que a maior participação real das mulheres na política pode ser testada. A tentativa artificial de transformar Michelle Bolsonaro em pré-candidata a presidente, que tem como cálculo único o tamanho do fundo partidário ainda mais gordo que o PL espera abocanhar, em vez de projetar apequena a ideia de representação feminina. Parte de estereótipos inaceitáveis em pleno 2023, ainda mais tendo em vista o currículo da família Bolsonaro em termos de depreciação da mulher e de seu uso apenas como instrumento para obtenção de votos.

A imagem que se quer vender de Michelle, como cristã e devotada à família, contrasta com os escândalos em que, por iniciativa própria ou graças ao ex-presidente, o nome da ex-primeira-dama aparece. Dos cheques de Fabrício Queiroz às joias da família real da ditadura da Arábia Saudita presenteadas ao casal Bolsonaro, são muitos os episódios a esclarecer, condição primeira para quem deseja ingressar na vida pública.

A simples ideia de que a mulher seja uma espécie de “peça de reposição” mais palatável e vendável ao marido que tem muitos seguidores, mas é visto como muito truculento ou pode ficar inelegível, já é uma demonstração da completa desconexão entre a proposta de projetar Michelle e qualquer preocupação genuína com as pautas de interesse da mulher. Seu lançamento — com direito a road show de filiações pelo Brasil — nada tem a ver com a ideia de que o partido mais rico do Brasil se abra à presença de mulheres em postos-chave. É só fazer ainda mais dinheiro o que se quer, já com os olhos postos na bancada de 2026.

As bem-vindas políticas de promoção da igualdade de gênero e a maior presença de mulheres no Congresso e na Esplanada dos Ministérios são antídotos necessários para as trevas bolsonaristas. O fato de o discurso de ódio de cunho misógino e machista não ser mais não apenas endossado, mas iniciado pelo chefe maior da nação não deveria ser motivo de celebração no 8 de Março, mas é.

Ainda assim, é necessário que a preocupação de promover as mulheres atinja essa outra camada, a da política nua e crua, a que define ministras do STF e candidatas para além do marketing barato. Nesse front, ainda temos muito a avançar.

 

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