quarta-feira, 8 de março de 2023

Nilson Teixeira* - Governo muito focado nas ‘bondades’

Valor Econômico

É preciso promover a redução ou eliminação de renúncias tributárias que trouxeram poucos benefícios aos mais pobres

O ciclo político estimula o governo a iniciar o seu mandato por ajustes e alterações da legislação de maior envergadura, geralmente com custos de curto prazo para parte ou mesmo toda a sociedade - “maldades”. A aprovação dessas propostas costuma contar com a boa vontade dos parlamentares no 1º ano da nova legislatura. A janela para tramitação dessas medidas diminui já no 2º ano do mandato, por conta do desgaste no relacionamento parlamentar e da realização de eleições municipais em outubro. Assim, os últimos anos são mais dedicados às concessões de benefícios - “bondades”, muito mais fáceis de serem aprovadas.

Diferentemente do padrão usual, os primeiros três meses do governo Lula têm sido marcados pela distribuição de “bondades” em muitas frentes, com poucas contrapartidas em termos de corte de despesas ou de aumento das receitas, como, respectivamente, o corte do subsídio sobre os preços de combustíveis e a imposição temporária de imposto de exportação no óleo cru.

- Ampliação do Bolsa Família: pagamento mensal de, no mínimo, R$ 600 para famílias beneficiadas, R$ 150 para crianças de até seis anos e R$ 50 para grávidas e jovens de sete a 18 anos.

- Nova correção do salário-mínimo: maior reajuste em termos reais, com alta dos R$ 1.302 previstos no orçamento para R$ 1.320.

- Aumento do limite de isenção do IRPF para renda inferior a dois salários mínimos para beneficiar os trabalhadores com carteira assinada de menor renda.

- Desenrola: redução do endividamento das famílias com renda de até dois salários-mínimos, através da renegociação de dívidas vencidas, com a oferta pelos bancos de novos empréstimos a juros menores e garantidos pelo Tesouro.

- Elevação do valor das bolsas de pós-graduação: após quase 10 anos de estabilidade, concessão de reajustes de até 40%.

- Aumento salarial para o funcionalismo: apesar de os rendimentos da maioria dos servidores não terem sido revisados formalmente, muitas categorias incorporaram ganhos nos últimos anos. As restrições fiscais e a comprovação de que parte relevante do funcionalismo já tem renda superior ao do setor privado sugerem que o correto seria conceder reajustes apenas aos grupos que não tiveram elevação dos seus rendimentos nos últimos anos.

- Privilégios monetários para várias categorias do serviço público: os benefícios de diversas categorias foram ampliados nos últimos anos. Ainda que não tenha sido decidida pelo Executivo, a concessão de um dia adicional de folga para cada três dias trabalhados ou o provento de R$ 11 mil por mês para grande parte da elite do Judiciário - sem fazer parte do teto remuneratório - é um exemplo recente dessas “bondades”.

- Significativa alocação de recursos para parlamentares: após a decisão do STF de acabar com o orçamento secreto, o Legislativo e o Executivo direcionaram as verbas originalmente alocadas dessa forma para emendas individuais e de comissão decididas por parlamentares com mandato até 2022. Além disso, os 218 congressistas em 1º mandato também terão direito ao direcionamento de verbas do orçamento de 2023.

- Alteração da Lei das Estatais: redução da quarentena para que ex-ocupantes de posições no governo, em partidos políticos ou no Congresso possam assumir cargos de comando em empresas estatais de forma mais célere.

- Compensação aos entes regionais por perda de arrecadação: o governo federal compensará os Estados e municípios pelos prejuízos causados com a aprovação da LC 194/22 que limitou a 18% a cobrança de ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e transportes.

- Destinação de mais subsídios no âmbito do Minha Casa Minha Vida para a camada da população de menor renda.

- Direcionamento emergencial de verbas para atenuar a crise humanitária do povo Yanomami e para recuperação dos bons índices de vacinação do país.

A despeito de algumas dessas medidas serem totalmente justificáveis, o crescimento dos gastos públicos para a distribuição de “bondades”, em um ambiente de contas públicas desajustadas, introduz riscos adicionais à obtenção de um equilíbrio fiscal permanente.

A Reforma Tributária ganha, assim, maior importância sob a esperança de que o aumento da eficiência do sistema tributário reduza as distorções, estimule a poupança e eleve o consumo e os investimentos. Não obstante, há muitos obstáculos.

A calibração do sistema não será fácil, ainda mais em função de promessas de que não haverá alta da carga tributária. Grupos de interesse e parlamentares de diversas correntes políticas já se movimentam para garantir a preservação ou mesmo a ampliação das renúncias tributárias, como as associadas ao Simples e à Zona Franca de Manaus. A despeito das evidências comprovando que muitas dessas vantagens não trouxeram quase nenhum dos ganhos prometidos em termos de emprego, produtividade e exportações, membros do governo continuam sensíveis ao discurso vazio que protegeu esses privilégios nas últimas décadas.

Em outra frente, a fantasia de que o corte de juros resulta sempre em maior crescimento econômico - sem pressionar a inflação e reequilibrando as contas públicas por meio do aumento da arrecadação - tem colocado sob lupa a gestão monetária e a meta de inflação. O clamor de que é possível reverter o aperto monetário e reduzir sacrifícios exagerados demandados da sociedade com a simples elevação da meta de inflação pode até soar bem para muitos, mas a história ensina que essa proposta não tem nenhuma sustentação à luz das evidências, como atestam as experiências da Argentina e da Turquia.

Infelizmente, não há atalhos para elevar o crescimento potencial do país. Apesar de doces, as promessas sopradas por alguns grupos são inalcançáveis. O governo precisa se convencer de que não é possível continuar com a promoção de “bondades” sem impor “maldades” no curto prazo. Nesse sentido, o Executivo e o Legislativo precisam promover ajustes duros, como o aumento de impostos sobre os mais ricos e a redução ou eliminação de renúncias tributárias que trouxeram pouquíssimos benefícios para os mais pobres.

*Nilson Teixeira, Ph.D. em economia.

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