Valor Econômico
Presidente da Câmara, Arthur Lira, quer
discutir a relação entre Legislativo e Executivo direto com Lula
A semana começa em ebulição com a
tonitruante entrevista do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
(PP-AL), alertando que a relação do governo com o Congresso não é de
“satisfação boa”. Sem rodeios, ele acrescentou que a articulação política está
desorganizada, e que embora integrantes da base aliada estejam à frente de
ministérios, o que interessa mesmo aos parlamentares são as emendas.
Lê-se a política nas entrelinhas, mas poucas vezes um presidente da Câmara mandou recados claros como o céu de Brasília em maio. A consequência foi imediata: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve se reunir com Lira já nesta terça-feira para tratarem dos ruídos na relação.
Se a reunião não ocorrer hoje, aliados
pressionam para que Lula não embarque para Londres, onde acompanhará a coroação
do rei Charles, sem a conversa prévia com o presidente da Câmara.
Petistas não escondem o desconforto com o
ritmo frenético das viagens de Lula ao exterior. Nestes primeiros quatro meses,
ele visitou Argentina, Uruguai, China, Emirados Árabes, Portugal e Espanha.
Embarca na noite na noite de quinta-feira (4) para o Reino Unido. No fim de maio,
vai ao Japão como convidado da cúpula do G7, que reúne os países mais ricos do
mundo. Em junho, pretende aterrissar no Congo.
Nos bastidores, aliados chegam a compará-lo
ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que dedicou boa parte do segundo
mandato às viagens internacionais, e, ganhou o apelido de “Viajando Henrique
Cardoso”.
Em geral, aliados concordam que o
mandatário acerta ao se dedicar a recompor as relações diplomáticas do Brasil
com os principais chefes de Estado e de governo, numa conjuntura em que a
imagem do país saiu chamuscada após a gestão Jair Bolsonaro, particularmente,
em relação ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável.
Mas não bastassem as incursões ao exterior,
Lula quer mais agendas fora de Brasília: nesta quarta-feira, anunciará
políticas para a educação ao lado do ministro Camilo Santana (PT) no Ceará.
Num cenário de instabilidade no Congresso,
em que a base governista ainda é gelatinosa, e o presidente da Câmara vai a
público declarar que a relação com o governo não está boa, aliados cobram de
Lula que fique mais tempo na capital federal, e tome as rédeas da articulação
política.
Não se contesta a experiência do trio de
articuladores principais de Lula. O ministro das Relações Institucionais,
Alexandre Padilha (PT), e o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA),
foram ministros de Lula e Dilma Rousseff. O líder governista na Câmara, José
Guimarães (PT-CE), está no quinto mandato, e foi líder sob Dilma.
Contudo, ao contrário de Dilma, que pela
falta de traquejo aceitou convocar o então vice-presidente Michel Temer para
assumir a interlocução com o Legislativo - e o desfecho em 2016 é conhecido de
todos - Lula é um gigante da articulação e do diálogo. Por isso, lideranças da
estatura de Arthur Lira cobram a interlocução com Lula. É nesse contexto que
Lira disparou sobre Padilha: “um sujeito fino e educado, mas que tem tido
dificuldades”, disse a O Globo.
Não se exigem olhos de lince para
compreender que a relação do Executivo com a Câmara é de turbulência faz tempo.
O governo mal havia digerido a CPI mista dos atos golpistas de 8 de janeiro,
quando Lira anunciou que instalaria não uma, mas três comissões parlamentares
de inquérito na Casa para investigar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
(MST), a dívida bilionária das Lojas Americanas e as apostas esportivas.
Com a CPI mista dos atos golpistas, serão
quatro colegiados com munição para atrasar votações cruciais como o projeto da
nova regra fiscal, e a reforma tributária, e tumultuar os trabalhos
legislativos nos próximos seis meses.
Interlocutores de Lira junto ao governo
alegam que a relação com o presidente da Câmara desgastou-se porque o Palácio
do Planalto cutucou a onça com vara curta. Primeiro negou pleito de Lira para
indicar o ministro da Saúde. (Lira refuta o pedido).
Simultaneamente, Lula negou ao principal
aliado de Lira, o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), o cargo de
ministro da Integração Regional, que foi para Waldez Góes, indicado de Davi
Alcolumbre (União-AP).
Para agravar, o cobiçado Ministério dos
Transportes foi para o ex-governador de Alagoas Renan Filho (MDB-AL), filho de
Renan Calheiros (MDB-AL), adversário figadal de Lira.
Outro gesto que irritou Lira foi o estímulo
do governo à formação do bloco PSD, MDB, Republicanos, Podemos e PSC, com 142
deputados. Em reação, Lira saiu-se com o bloco União, PP, PDT, PSB, Avante,
Solidariedade, Patriota, PSDB e Cidadania, com 173 deputados.
Agora o MST quer afastar do cargo o
superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)
em Alagoas, apadrinhado de Lira. Em reação, o MST virou alvo de CPI.
Lira flertou com a ironia ao afirmar que
quer “dar tranquilidade ao Brasil” após autorizar três CPIs, quando se aguarda
a votação da nova regra fiscal e da reforma tributária. A declaração sobre “não
sacanear o governo” faz parte do jogo político, que tem regras, trapaças e CPIs
fumegantes.
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