terça-feira, 2 de maio de 2023

Carlos Andreazza - Maltrata quem te adora

O Globo

“Presidente da Câmara não é um agregado. Ele é um parceiro.” Traduza-se: não é anexo; pode ser sócio.

O GLOBO de domingo trouxe entrevista com Arthur Lira. Que comunica: a forma como o governo tenta erguer coalizão não funcionará.

Para quem ainda tivesse dúvida sobre a inviabilidade do modelo de constituição de base via oferta de ministérios: “Está comprovado que não vai dar certo”.

É o presidente da Câmara quem afirma-informa, transparente como deveriam ser as distribuições do Orçamento.

“As emendas resolvem isto sem ser necessário um ministério.” Significado de “isto”: governabilidade. Elmar Nascimento, federação lirista no União Brasil, já desenhara: cargo é para cúpula, coisa de elite; o baixo clero quer dinheiro na ponta. Libere e ande uma casinha.

Lira avança: “Da forma como está, o parlamentar fica com o pires não mão, e um ministro, que não recebe votos e não faz concurso, é quem define a destinação de R$ 200 bilhões para municípios”.

Não será necessário explicar que o critério “concursado” não conta na hora de ele indicar parentes a cargos com trânsito de milhões. Tampouco, que ministro só dirige pasta sob delegação de um presidente eleito.

Importante é explanar que não há parlamentar com “pires na mão”. Especialmente se associado a Lira. O Congresso controla imensa fatia do Orçamento; e, a um ministro, o que sobra de poder estará em administrar o ritmo — o tempo — das liberações.

orçamento secreto não acabou. Os mecanismos de operação das emendas do relator foram mantidos. Pela PEC da Transição, o governo Lula topou. A Lei Orçamentária Anual é clara em declarar que a grana, outrora sob RP9, transferida para a alçada dos ministérios (RP2) continua reservada — e só o relator pode alterar esse endereço — às mesmas codevasfs conforme apontamentos dos padrinhos deputados e senadores.

É por isso que o senhorio de ministérios, pesado, lento, muito evidente, já não seduz. Parlamentar virou patrono de fundos orçamentários e votará com o governo episodicamente, depois de o Planalto negociar, por proposta, a liberação de parte dos dinheiros carimbados que — essa é a cabeça — lhe pertencem. Legado de Bolsonaro.

É margem pequena a do governo. Lira sabe disso. Finge, porém, que a fonte secou; que o fim formal da emenda do relator teve efeitos práticos: “Eu sempre disse que o orçamento é muito mais democrático se decidido por 600 parlamentares do que por dez ministros”.

Interrompa-se o presidente da Câmara para notar que jamais será democrática a gestão opaca de orçamento público, ademais se conduzida autoritariamente. O orçamento democrático, sob a capa corporativista de incluir 600, é aquele cujas distribuições são determinadas por ele, Pacheco e outros alcolumbres — em benefício de aliados. As distribuições continuam.

Lira continua, ainda sobre a morte do orçamento secreto mais vivo que nunca; e agora como se comentasse a superação de um vício: “Me elegi sem RP9 e tenho tido uma boa relação sem ela. Não interfere em nada na minha vida”.

Seria bela vitória sobre um revés, fosse verdadeiro.

Arthur Lira se reelegeu — deputado e presidente da Câmara — com a corda e a caçamba do RP9, um dos patrões da Codevasf, senhor da autarquia em Alagoas, estado ao qual designou, por meio da estatal, mais de R$ 40 milhões no ano eleitoral de 2022.

Elegeu-se com RP9 — corrija-se — e tem tido uma boa relação com a modalidade criada para driblar o Supremo e manter o sistema. As distribuições continuam.

“Não interfere em nada na minha vida” — porque nada se alterou.

“Não interfere em nada na minha vida.” Retome-se com a fantasia de superação. “Mas, na governabilidade, sim.” Em resumo: para mim, que sou o cara, muda nada; fica ruim somente para o governo. Para além da grandeza, a franqueza. “Sabemos o que os partidos querem: favorecimento de obras e serviços públicos para aumentar o seu escopo político e atender as suas bases.”

Não são os partidos que querem. Lideranças partidárias escassearam. A cultura cooperativista do União Brasil, confederação de patrimonialistas, triunfou. Solte o dinheiro apadrinhado e tenha boa chance de aprovar o projeto de interesse. Repita o processo no próximo.

“O governo precisa se organizar.”

Que organização será essa?

“Talvez a turma precise descentralizar mais, confiar mais. Se você centraliza, prende muito. Há muita dificuldade, talvez pelo tempo que o PT passou fora do poder.”

Lira informa que 2003 passou faz 20 anos. A dinâmica que produziu o mensalão está ultrapassada. A nova não é melhor.

Mas o Planalto não faz gestos ao senhor, mantendo primos seus no comando da Codevasf e do Incra de Alagoas?

“E eu também não tenho gestos para o governo? Ou sou contra eles? Tenho atuado para maltratar alguém?”

Atue para não prender muito. Faça gestos. Descentralize, com primos no meio, e confie. Maltrate a impessoalidade republicana. Jamais os parceiros.

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