O Estado de S. Paulo
Sob gigantesca sombra de equívocos e arrastando correntes de obsolescências, marchamos rumo ao futuro de costas para ele
Em sua clássica reflexão sobre o tempo,
Santo Agostinho concluiu que, nas sucessivas durações finitas que compõem o
existir, temos apenas o presente, formulando que “talvez fosse próprio dizer
que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das presentes,
presente das futuras”.
O recurso a Santo Agostinho e seu avassalador conceito sobre a temporalidade humana aqui se faz especificamente para nos referirmos à encruzilhada em que se teima aprisionar o Brasil: com olhos no retrovisor, no mapa da polarização reinante, lamentavelmente, muitos dos rumos apontam para retrocessos. Ou seja, tanto a “visão presente das coisas presentes quanto a esperança presente das coisas futuras” estão de alguma sorte amarradas à “lembrança presente das coisas passadas”.
O que passou deve ser visto como fonte
riquíssima em qualquer civilização, seja para conhecimento, seja principalmente
para aprendizados. Isso, à luz de um horizonte que, muito antes de repetir o
que já foi, esteja o mais distante possível de seus equívocos e descaminhos.
Assim, o passado que se tenta impor à conversação sobre o nosso presente e
nosso futuro, antes de inspirar, deveria mesmo nos educar como nação acerca do
que se deve evitar, principalmente no campo da política e da economia. A
verdade é que não há paraíso perdido a recuperar, seja ele passado A ou B,
recente ou distante.
Além disso, nestes novos tempos, a
sociedade se transmuta vertiginosamente a partir de sua base sociotécnica, o
que dificulta ancorar propósitos em mitologias pretéritas. Afinal, a atualidade
demonstra que, sem eficácia administrativa, com planejamento sólido e boas
equipes, um Estado, por si só, pouco ajuda, ou, antes, pode muito atrapalhar.
Assim, sob gigantesca sombra de equívocos e
arrastando correntes de obsolescências, marchamos rumo ao futuro de costas para
ele, sendo guiados por rastros, em vez de inspirados por aprendizados,
observações e escutas sobre o que se passa e das possibilidades que se abrem.
Com este quadro, é fundamental que a
sociedade civil e lideranças dos mais diversos campos, conjugando razão e
emoção, coloquem-se ativamente no circuito dos debates nacionais,
oxigenando-os.
Essa agenda, que tenho chamado de “novo
início”, só deslancha com a realização de reformas estruturantes. Não dá para
seguirmos com um sistema tributário caótico, que impõe uma letargia intolerável
e incompatível com as nossas possibilidades econômicas. A máquina governativa
deve deixar de ser nicho de patrimonialismos e seara de ação corporativista, a
fim de adequar-se aos padrões da era digital.
É urgente investir na educação básica,
incluindo tempo integral na escola e formação técnico-profissionalizante no
ensino médio. Pela relevância do Sistema Único de Saúde (SUS) na pandemia,
ficou claro que é preciso reforçar o sistema público da saúde, especialmente
nos aspectos gerenciais. A segurança pública é assunto urgente, que precisa de
ação conjunta entre União, Estados e municípios. Pesquisa científica e inovação
devem ser impulsionadas, de modo a dinamizar a economia. É preciso
reorganização completa das políticas assistenciais para que contribuam,
efetivamente, à ação de superação da vergonhosa realidade de concentração de
renda no País.
A proteção e a preservação do meio
ambiente, em especial da Amazônia, devem compor políticas públicas vigorosas e
que impulsionem a geração de renda e valor para a população local, diante de
inaceitável contingente vivendo abaixo da linha da pobreza.
Por causa da baixa capacidade de
investimento público, a iniciativa privada deve ser atraída para parcerias que
possibilitarão o desenvolvimento. Cabe ao Estado garantir agências regulatórias
profissionalizadas e marcos institucionais claros e confiáveis, ou seja,
ambiente de negócio com segurança jurídica e atratividade.
Essa organização dará fôlego para o País
aproveitar as possibilidades oferecidas pela digitalidade e pelas demandas por
infraestrutura, como portos, ferrovias, dados/5G, rodovias, energia,
saneamento, entre outras. Olhando para além de nossas fronteiras, é
completamente factível ampliar as interfaces econômicas do Brasil com o mundo,
especialmente neste momento de reorganização das cadeias globais de
suprimentos.
Temos de colocar a economia verde no centro
de nossa estratégia. Hoje, por exemplo, já alimentamos 10% da população mundial
e temos condições de avançar como provedor de comida e fibras, sem a
necessidade de derrubar florestas nativas, uma vez que há mais de 80 milhões de
hectares de terras degradadas em nosso território. Além disso, 45% da nossa
matriz energética já provêm de fontes renováveis, e ainda contamos com enorme
potencial para evoluir em geração de energia limpa, como eólica, solar e de
biomassa.
Enfim, como se percebe, é preciso focar nas
superações que temos de cumprir e nas enormes oportunidades que não podemos
deixar escapar. Meu profundo desejo, que norteia minha militância, é por um
Brasil contemporâneo do nosso tempo, atento às transformações da sociedade e de
olho no futuro, que pode nos auxiliar a legar o País próspero que seu povo
merece. Vamos juntos redesenhar o que está sendo e formatar o que virá.
*Economista, presidente-executivo da IBÁ, membro do Conselho Consultivo do Renovabr, foi governador do Estado do Espírito Santo (2003-2010/2015-2018)
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