O Globo
O brasileiro que vive na extrema pobreza
sente uma força irresistível puxando-o para baixo
Buracos negros são algumas das estruturas
mais fascinantes do Universo, sobre as quais a ciência ainda tem muito a
descobrir. Sabemos que eles têm um campo gravitacional tão poderoso que nada
escapa de sua atração, nem mesmo a luz. Daí que um buraco negro apareceria a um
hipotético observador como uma enorme bola de escuridão perdida na infinitude
do Cosmo.
No universo social, o barraco da favela
funciona como um buraco negro em miniatura. A comparação pode parecer
dramática, mas desconheço imagem mais adequada para fazer com que nossas elites
entendam o poder paralisante que a extrema pobreza tem sobre a vida de um
indivíduo.
Quando entramos na favela, deparamos com
moradias precárias, construídas pelos próprios moradores com materiais que
conseguiram juntar: tábuas e restos de caixotes, lonas, telhas. Material
recolhido das ruas, das caçambas de entulho, dos lixões e dos terrenos baldios.
Os barracos são pequenos, insalubres, sem ventilação. Alguns têm chão de terra batida. Vários estão em áreas de risco, ocupadas clandestinamente e sujeitas a enchentes ou deslizamentos.
Quando perguntamos ao morador se há ali um
banheiro, muitas vezes ele aponta para os fundos do barraco, onde encontramos
um simples buraco no chão. Nas construções que milhares de brasileiros chamam
de lar, falta saneamento, falta água potável, falta segurança — falta o mínimo.
Essa é a situação que encontrávamos na
Favela dos Sonhos, em Ferraz de
Vasconcelos (SP), antes de começarmos a implantar o programa Favela
3D. Como esperar que uma história de sucesso saia de um desses barracos?
Por isso falo de buracos negros. O
brasileiro que vive na extrema pobreza sente uma força irresistível puxando-o
para baixo, não importa o tamanho de seu esforço — e digo por experiência
própria que não há povo mais esforçado e batalhador que o povo da favela.
Quem nasce e cresce em condições dignas tem
o direito de sonhar — e não trato aqui somente dos filhos da elite, mas também
de brasileiros simples, que contam com um mínimo de infraestrutura urbana, de
serviços públicos e de renda para tocar sua vida. Mas como esperar que a
criança nascida num barraco sem banheiro tenha sonhos?
Claro que há exceções, histórias de gente
que saiu da pobreza mais abjeta e construiu uma carreira brilhante, mas todas
elas têm algo em comum: antes de começarem sua jornada de sucesso, essas
pessoas receberam ajuda para sair do buraco negro, tiveram condições mínimas de
alimentação, moradia, saúde. Elas puderam enxergar um fiapo de luz, a que se
apegaram e, a partir daí, provaram seu valor. Elas tiveram, em suma, uma oportunidade.
É isso que atores como a Gerando Falcões
querem fazer. Quando olho para a Favela dos Sonhos reurbanizada, com
eletricidade, água encanada, biossaneamento, pavimentação, espaços de cultura e
lazer, vejo o impossível se concretizar: vejo luz dentro do buraco negro.
Quando os velhos barracos são substituídos
por moradias dignas, construídas em parceria com a Mangalo, a Teto, a Favila,
sinto que aquela força temerária, que arrasta os brasileiros mais pobres sempre
para dentro da escuridão, está cada vez mais fraca.
Gente demais já sucumbiu a essa força. É
hora de darmos um basta. Nossa responsabilidade social é garantir que as
próximas gerações não sejam engolidas pelo buraco negro da pobreza.
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