segunda-feira, 1 de maio de 2023

Edu Lyra - Luz na escuridão das favelas

O Globo

O brasileiro que vive na extrema pobreza sente uma força irresistível puxando-o para baixo

Buracos negros são algumas das estruturas mais fascinantes do Universo, sobre as quais a ciência ainda tem muito a descobrir. Sabemos que eles têm um campo gravitacional tão poderoso que nada escapa de sua atração, nem mesmo a luz. Daí que um buraco negro apareceria a um hipotético observador como uma enorme bola de escuridão perdida na infinitude do Cosmo.

No universo social, o barraco da favela funciona como um buraco negro em miniatura. A comparação pode parecer dramática, mas desconheço imagem mais adequada para fazer com que nossas elites entendam o poder paralisante que a extrema pobreza tem sobre a vida de um indivíduo.

Quando entramos na favela, deparamos com moradias precárias, construídas pelos próprios moradores com materiais que conseguiram juntar: tábuas e restos de caixotes, lonas, telhas. Material recolhido das ruas, das caçambas de entulho, dos lixões e dos terrenos baldios.

Os barracos são pequenos, insalubres, sem ventilação. Alguns têm chão de terra batida. Vários estão em áreas de risco, ocupadas clandestinamente e sujeitas a enchentes ou deslizamentos.

Quando perguntamos ao morador se há ali um banheiro, muitas vezes ele aponta para os fundos do barraco, onde encontramos um simples buraco no chão. Nas construções que milhares de brasileiros chamam de lar, falta saneamento, falta água potável, falta segurança — falta o mínimo.

Essa é a situação que encontrávamos na Favela dos Sonhos, em Ferraz de Vasconcelos (SP), antes de começarmos a implantar o programa Favela 3D. Como esperar que uma história de sucesso saia de um desses barracos?

Por isso falo de buracos negros. O brasileiro que vive na extrema pobreza sente uma força irresistível puxando-o para baixo, não importa o tamanho de seu esforço — e digo por experiência própria que não há povo mais esforçado e batalhador que o povo da favela.

Quem nasce e cresce em condições dignas tem o direito de sonhar — e não trato aqui somente dos filhos da elite, mas também de brasileiros simples, que contam com um mínimo de infraestrutura urbana, de serviços públicos e de renda para tocar sua vida. Mas como esperar que a criança nascida num barraco sem banheiro tenha sonhos?

Claro que há exceções, histórias de gente que saiu da pobreza mais abjeta e construiu uma carreira brilhante, mas todas elas têm algo em comum: antes de começarem sua jornada de sucesso, essas pessoas receberam ajuda para sair do buraco negro, tiveram condições mínimas de alimentação, moradia, saúde. Elas puderam enxergar um fiapo de luz, a que se apegaram e, a partir daí, provaram seu valor. Elas tiveram, em suma, uma oportunidade.

É isso que atores como a Gerando Falcões querem fazer. Quando olho para a Favela dos Sonhos reurbanizada, com eletricidade, água encanada, biossaneamento, pavimentação, espaços de cultura e lazer, vejo o impossível se concretizar: vejo luz dentro do buraco negro.

Quando os velhos barracos são substituídos por moradias dignas, construídas em parceria com a Mangalo, a Teto, a Favila, sinto que aquela força temerária, que arrasta os brasileiros mais pobres sempre para dentro da escuridão, está cada vez mais fraca.

Gente demais já sucumbiu a essa força. É hora de darmos um basta. Nossa responsabilidade social é garantir que as próximas gerações não sejam engolidas pelo buraco negro da pobreza.

 

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