quinta-feira, 18 de maio de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Petrobras joga fora o mecanismo que a fez sobreviver

O Globo

Teste da nova política de preços acontecerá quando barril de petróleo e dólar voltarem a subir

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a cumprir a promessa de “abrasileirar” o preço dos combustíveis. Se o significado da expressão era uma incógnita na campanha eleitoral, continua sendo depois do anúncio de que a Petrobras abandonará a política de Preço de Paridade de Importação (PPI) para estabelecer quanto cobra por gasolina, diesel e gás de cozinha. “Nos alforriamos do PPI para executar uma política de preços a partir das nossas capacidades competitivas”, disse o presidente da estatal, Jean Paul Prates.

Apesar de as ações da Petrobras terem subido, ninguém entendeu direito a nova política. O certo é que ela procura não transferir a volatilidade das cotações internacionais do petróleo aos preços internos. Em termos vagos, a estatal informou que seus preços variarão de acordo com as condições locais de cada refinaria, para oferecer “a melhor alternativa acessível aos clientes”. De imediato, Prates anunciou a queda dos preços cobrados nas refinarias pela gasolina, pelo diesel e pelo botijão de gás. O governo celebrou, mas as ameaças para o futuro são evidentes.

A medida foi adotada num momento de pouco risco, quando o barril de petróleo está cotado a menos de US$ 80, e o dólar caiu abaixo dos R$ 5. Ficou subentendido que a política será agressiva para manter os preços baixos, com interesse obviamente político (a popularidade de nenhum governo se beneficia com alta no gás e na gasolina). Num mercado competitivo, contudo, esse tipo de manipulação costuma criar problema. “Eles na verdade continuam a seguir o PPI na baixa, quero ver quando vier a alta”, diz um analista do setor.

A Petrobras praticamente domina o mercado brasileiro. Entre as refinarias menores, há apenas uma concorrente de peso, a Landulpho Alves, na Bahia. Mas, juntas, elas detêm 20% das vendas, e o Cade certamente será acionado caso a redução de preços configure prática anticompetitiva. Fora isso, o domínio de uma gigante como a Petrobras forçando preços baixos poderá tornar inviável o negócio das pequenas exploradoras (junior oils), que têm feito reviver a extração em áreas abandonadas e prometem investimentos bilionários.

Para o consumidor, o risco da queda artificial de preços é faltar produto. Se a Petrobras começar a vender barato demais na alta, as distribuidoras — que pagam a cotação internacional — pararão de importar. O caso mais sensível é o diesel. Pelos dados do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), 41% do mercado interno foi suprido por importações em dezembro, 22% em janeiro e 38% em fevereiro. Sem paridade com os preços internacionais, é certa a crise de desabastecimento.

O PPI foi instituído em 2016, quando a Petrobras se recuperava das dificuldades causadas pelo congelamento imposto pela presidente Dilma Rousseff. Atingida pela corrupção e por projetos inviáveis engendrados no Planalto, passou a subsidiar os combustíveis. Os equívocos resultaram na então maior dívida corporativa do mundo, US$ 100 bilhões. Foi a orientação para a realidade imposta com o PPI que recuperou a estatal. A atual gestão decidiu abandoná-lo por interesse político. No anúncio do fim do PPI não faltaram menções à “função social” da Petrobras. A expressão deveria preocupar seus milhares de acionistas, dentro e fora do país. O maior deles, não custa lembrar, é o governo. Na certa o contribuinte será convocado a cobrir qualquer rombo gerado pela nova política de preços.

Interpretação da lei traz argumentos contra cassação de Deltan Dallagnol

O Globo

STF precisa esclarecer se ícone da Lava-Jato perdeu mandato por leitura equivocada da Lei da Ficha Limpa

Será salutar para a democracia brasileira se o Supremo Tribunal Federal (STF) analisar a decisão tomada por unanimidade no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cancelando o registro de candidatura do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR). Ao saber do veredito, que acarreta perda de mandato imediata, o ex-procurador da Operação Lava-Jato em Curitiba disse que “344.917 vozes paranaenses” tinham sido caladas. Mas políticos eleitos, por mais votos que recebam, estão sujeitos à cassação. O melhor argumento em favor de Dallagnol é a interpretação da Lei da Ficha Limpa usada para condená-lo.

O ministro Benedito Gonçalves, relator do caso, considerou que Dallagnol pediu exoneração do cargo de procurador em novembro de 2021, 11 meses antes da eleição, para evitar uma punição administrativa. Pela Lei da Ficha Limpa, ficam inelegíveis por oito anos integrantes do Ministério Público (MP) que pedirem “exoneração ou aposentadoria voluntária” enquanto submetidos a Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Em seu voto, Gonçalves afirmou que Dallagnol “agiu para fraudar a lei, uma vez que praticou, de forma capciosa e deliberada, uma série de atos para obstar processos administrativos disciplinares contra si e, portanto, elidir a inelegibilidade”.

Só que Dallagnol não era alvo de nenhum PAD no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) quando pediu desligamento. Ele já fora condenado em dois PADs, sem perda do cargo, e estavam em andamento apenas procedimentos preliminares. Juristas argumentam que não cabe à Justiça Eleitoral arbitrar se, no momento do desligamento, sindicâncias ou reclamações administrativas em fase inicial pareciam caminhar para um PAD. Para esse grupo, a inelegibilidade, medida extrema numa democracia, deve acontecer apenas a partir de uma exoneração com um PAD em andamento. É, literalmente, o que diz a lei.

Outros juristas defendem a decisão do TSE. Afirmam que ela se inspira na jurisprudência do tribunal sobre fraudes. Para eles, a exoneração ocorreu para evitar um PAD e a consequente inelegibilidade. Argumentam ainda que Dallagnol esperava decisão do STF sobre dois PADs que o puniram com censura e advertência. Mas, mesmo se confirmadas, tais punições não o enquadrariam na Lei da Ficha Limpa.

O pedido de cancelamento do registro de candidatura foi apresentado pela federação PT, PCdoB e PV e pelo PMN. Assim que o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná rejeitou o pleito, os partidos recorreram ao TSE. Depois da cassação, próceres do PT e aliados festejaram. A presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann, usou uma rede social para chamar Dallagnol de “ficha suja”. É esperado que o agora ex-procurador e ex-deputado recorra ao STF. Caso isso aconteça, a Corte precisa esclarecer se a cassação de Dallagnol partiu de uma leitura equivocada da lei. Em jogo não está apenas o mandato do deputado federal mais votado no Paraná em outubro. O pior para o Brasil é esse tipo de decisão variar de acordo com a circunstância política e o governo de turno.

Atritos com o campo

Folha de S. Paulo

Complacência com métodos do MST pode fortalecer oposição a pautas meritórias

Dois eventos recentes marcaram o desgaste das relações entre o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a poderosa bancada defensora dos interesses do agronegócio no Congresso Nacional.

O primeiro, no início deste mês de maio, foi a Agrishow, principal feira de tecnologia agrícola da América Latina, para a qual foi convidado o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) —o que levou o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), a cancelar sua participação.

Bolsonaro, hoje cercado por diferentes investigações jurídico-policiais, aproveitou a rara oportunidade para discursar a um público de apoiadores entusiasmados. O governo chegou a cogitar a retirada do patrocínio do Banco do Brasil à Agrishow, mas não levou a cabo a retaliação pouco republicana.

Lula, entretanto, não deixou de acusar em discurso "alguns fascistas, alguns negacionistas" de terem desconvidado Fávaro.

Poucos dias depois houve a feira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) —agremiação que há muito não faz jus ao nome e, embora mantenha o ritual de invasão de propriedades, hoje pode exibir produtos cultivados nas áreas da reforma agrária.

Ministros de Lula, entre eles o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), titular da pasta do Desenvolvimento, prestigiaram a festividade, o que foi encarado por ruralistas como um gesto de apoio do governo federal ao MST, cujas ligações com o PT são notórias.

É evidente que nem toda a bancada da agropecuária —que, a depender do tema, pode conseguir maiorias congressuais— é hostil ao Planalto. No entanto os setores mais retrógrados e, não por acaso, mais ligados ao bolsonarismo podem aproveitar a situação para atravancar pautas importantes.

Entre elas, a preservação ambiental e a regularização de terras indígenas, desprezadas no governo anterior, e a complexa reforma tributária, que tende a onerar segmentos do agronegócio.
Lula acerta ao manter os canais de diálogo com o setor, seja na escolha de Fávaro para o ministério, seja no convite a lideranças para compor o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, vulgo Conselhão.

Uma delas, a presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Teresa Vendramini, disse à Folha que as maiores preocupações do campo são com segurança jurídica e direito à propriedade. Daí se tem uma ideia dos danos que o MST pode provocar para a agenda governista.

O movimento será alvo de uma CPI, o que sempre pode causar tumulto legislativo. Mais do que isso, a insistência em métodos ilegais pode fortalecer a oposição a um governo que já não tem uma base de apoio das mais sólidas.

Sem palavras

Folha de S. Paulo

Má colocação em exame de leitura mostra atraso do Brasil em alfabetização

O Brasil se saiu mal no Pirls, a prova internacional que avalia o desempenho da alfabetização em alunos do 4º ou do 5º ano do ensino fundamental (crianças de 9 ou 10 anos), etapa em que a capacidade de leitura e interpretação de textos já deveria estar consolidada.

Foi a primeira vez que o país participou do exame, que congrega 65 nações. Com 419 pontos, ficamos à frente apenas de Irã, Jordânia, Egito, Marrocos e África do Sul —enquanto os campeões Singapura, Irlanda e Hong Kong obtiveram mais de 570 pontos.

Nossos alunos só foram capazes de compreender textos fáceis. Em questões mais sofisticadas, fracassaram. As desigualdades de sempre também se mostraram presentes. Crianças de famílias mais ricas se saem melhor do que as de estratos pobres, assim como meninas em relação a meninos, e brancos e amarelos ante negros e pardos.

A prova, que no Brasil envolveu uma amostra de 4.941 estudantes do 4º ano de escolas públicas e privadas, foi realizada em 2021, o segundo ano da pandemia, o que obviamente influiu nos resultados. Mas a Covid-19, ainda que em graus variados, afetou todos os países.

O fato é que, com grande atraso, o Brasil universalizou o acesso ao ensino fundamental, e os avanços qualitativos verificados nas duas últimas décadas estão concentrados nos primeiros anos dessa etapa da educação. Deixamos muito a desejar em aprendizado.

Os dados do Pirls mostram que, mesmo na faixa em que estamos melhor, o desempenho brasileiro ainda é ruim quando comparado ao de outras nações, incluindo aquelas que não se destacam exatamente pela qualidade na educação. Há muito, portanto, a fazer. E a ciência pode ajudar.

Estudos apontam que, quanto antes a criança entrar em contato com o processo de ensino, melhor tende a ser seu futuro acadêmico e profissional. O Brasil vem dando passos nesse sentido —entre 2005 e 2022, a taxa de crianças de 0 a 3 anos matriculadas em creches teve alta de 17% para 36%.

Outra área que merece destaque é a dos métodos de alfabetização. Nos últimos 20 anos, houve uma pequena revolução na compreensão de como crianças aprendem a ler. A conclusão inequívoca é a de que é necessário ensinar explicitamente as correspondências entre grafemas (letras) e fonemas (sons). Os métodos usados aqui ainda não exploram como deveriam esse achado da ciência.

Marcha à ré

O Estado de S. Paulo

Volta do carro popular é o oposto do que o País precisa para crescer. Além do alto custo, incentivos ao transporte individual são incoerentes com agenda verde que o País pretende liderar

Em comemoração ao Dia da Indústria, em 25 de maio, o governo corre contra o tempo para lançar um pacote de medidas que proporcione o retorno do “carro popular”. A meta inicial era que o mercado voltasse a oferecer veículos com preço entre R$ 45 mil e R$ 50 mil, mas, convencido pelo setor automotivo, o governo teria chegado à conclusão de que esse objetivo é inviável e ajustado suas expectativas para um valor em torno de R$ 55 mil.

A condução do debate sobre o programa apresenta equívocos de origem. Em primeiro lugar, o preço do carro popular parece ser uma simples conta de chegada, sem nenhuma base a justificá-lo que não o marketing, o que revela o nível de improviso com que o tema tem sido tratado. A efeméride do Dia da Indústria, por sua vez, agregou um senso de urgência que favorece a adoção de soluções simplórias para problemas complexos, o que nunca é um bom caminho em se tratando de políticas públicas que se pretendem consistentes.

Os problemas do setor automotivo não são recentes. Produção e vendas estão estagnadas há anos. Com o aumento dos custos dos insumos durante a pandemia, novos critérios para reduzir as emissões e requisitos mínimos de segurança veicular, os carros mais baratos ofertados no País são vendidos por R$ 69 mil, valor inacessível para a maioria da população. O custo dos financiamentos subiu acompanhando a elevação da taxa básica de juros, enquanto a renda do trabalhador, corroída por uma inflação resiliente, não cresce há dez anos. É uma combinação trágica para um setor que tem excesso de capacidade instalada no País e que precisa de escala para se manter.

Para evitar demissões e fechamento de unidades, a estratégia da indústria tem sido adotar férias coletivas, cortar turnos e suspender a produção. Pátios de montadoras lotados são uma pressão adicional para o presidente Lula, sensível às demandas do setor que o projetou como líder político e em busca de uma agenda positiva para reconquistar o apoio de uma classe média empobrecida, endividada e impaciente. A pergunta que ninguém no governo ousa fazer é como o retorno do carro popular se tornou a resposta para esses problemas, quando ele representa o oposto do que o País precisa para crescer e de desenvolver de forma sustentável.

Ao que tudo indica, relançar o carro popular demandará uma nova rodada de desonerações, como se o setor não acumulasse privilégios tributários há décadas. A mais recente medida que entrou na mesa de negociações é a retomada da cobrança de Imposto de Importação de carros elétricos – aparentemente, há quem acredite que a isenção explica a falta de investimentos na produção desse tipo de veículo em território nacional. Mas é estarrecedor que, para reduzir o custo de aquisição do produto, o governo cogite ir além: autorizar o uso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como garantia dos financiamentos e retirar itens básicos relacionados a emissões e de segurança dos veículos.

Desde que se instalou no País, há cerca de 70 anos, o setor vive de permanentes subsídios fiscais e de proteção contra a concorrência estrangeira. A indústria automotiva tem todo o direito de fazer lobby junto ao governo para manter esses benefícios, mas cabe ao Executivo distinguir interesses privados de interesses públicos. Afinal, toda intervenção governamental em qualquer setor deve ter uma justificativa, pois ela gera custos e consequências de curto, médio e longo prazos.

Antes de propor mais uma política pública atrelada ao passado, o governo faria bem se avaliasse com coragem e realismo os resultados que programas anteriores, como o Inovar-Auto, do governo Dilma Rousseff, e o Rota 2030, de Michel Temer, trouxeram ao País em termos de eficiência, produtividade, inovação e crescimento. Somam-se a esse contexto as ações do governo com vistas à transição energética, uma agenda que o País tem todas as condições de liderar em termos mundiais. Nesse sentido, qualquer incentivo à aquisição de veículos e ao transporte individual, além do alto custo, representa, no mínimo, uma incoerência.

Incompetência não tem ideologia

O Estado de S. Paulo

Estudo mostra que custo Brasil não caiu significativamente nem num governo declaradamente liberal, como era o de Bolsonaro e Guedes; baixa qualificação da mão de obra é o maior entrave

As empresas no Brasil continuam pagando muito mais do que suas concorrentes em outros países para fazer negócios. E, apesar do discurso a favor da livre-iniciativa do governo de Jair Bolsonaro, sobretudo de seu superministro da Economia, Paulo Guedes, não houve redução nos entraves que oneram o mundo corporativo nos últimos quatro anos, como mostra estudo do Movimento Brasil Competitivo, entidade criada e liderada por empresários para promover a bandeira da necessidade de melhorar a competitividade das empresas no País.

Logo no início do governo Bolsonaro, Guedes foi taxativo ao criticar o emaranhado burocrático para abrir uma empresa no País, dizendo que o processo demorava oito ou nove meses. O governo, afirmou, estava empenhado em reformas importantes que provocassem mudanças conceituais no País a favor de maior liberdade de abertura de negócios, que seria, nas suas palavras, “caminho para a prosperidade”.

O cenário de dificuldades para ser empreendedor no Brasil, porém, pouco mudou, como evidencia o levantamento do Movimento Brasil Competitivo. A dúvida, agora, é se o novo governo, de Lula da Silva, será capaz de promover alguma melhora no panorama. Algumas manifestações, inclusive do presidente, assustam o empresariado, por sugerirem reversão de reformas e excessiva interferência estatal. Em abril, por exemplo, Lula comparou a reforma trabalhista a um “tratamento do tempo da escravidão”. E tanto a proposta de âncora fiscal como a reforma tributária não parecem encontrar entusiastas no governo, com exceção da equipe econômica.

O chamado “custo Brasil”, segundo o estudo, atingiu R$ 1,7 trilhão, valor que representa as despesas adicionais que as companhias têm para produzir por aqui em comparação com a média de custos nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O levantamento foi feito em parceria com a Fundação Getulio Vargas e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e leva em consideração o ciclo de vida de uma empresa, analisando-se indicadores em 12 áreas importantes para a competitividade empresarial.

Ao ser medido pela primeira vez, em 2019, chegou ao valor de R$ 1,5 trilhão, ou 22% do Produto Interno Bruto (PIB). Em termos nominais, houve uma melhora, porque o custo Brasil apurado agora corresponde a 19,5% do PIB, mas o próprio estudo do Movimento Brasil Competitivo alerta que é preciso levar em consideração a inflação do período e que, portanto, se considera que houve estabilidade entre os dois indicadores. Não piorou, mas também não melhorou.

O detalhamento do estudo deixa claro que um dos maiores custos para o setor empresarial continua sendo o emprego de mão de obra, que inclui qualificação do trabalhador, encargos e processos trabalhistas. E isso, apesar do impacto da reforma trabalhista, que tinha como objetivo baixar o custo de contratação de pessoas e facilitar esse processo. Para os autores do trabalho, a baixa qualificação da mão de obra brasileira segue como o fator de maior peso na composição do custo Brasil, chegando a 8% do total.

Também chamam a atenção os cálculos de quanto as empresas gastam com os impostos cobrados no País pelas várias esferas governamentais. No caso, o estudo identificou que, por causa da complexidade tributária brasileira, as empresas precisam gastar aproximadamente 62 dias e meio com a preparação para pagamento dos impostos. A média das nações que fazem parte da OCDE é de seis dias. Talvez haja esperança de mudanças nessa área específica, com a possibilidade de reforma tributária, em debate no Congresso Nacional.

O estudo mostrou um aumento nos custos de financiamento das empresas – o que seria mesmo de esperar porque as taxas de juros no Brasil subiram muito nos últimos quatro anos como política do Banco Central no combate à inflação.

Reduzir os custos de produção no Brasil não é uma questão ideológica, de governos mais à esquerda ou mais à direita. É uma questão de competência para enfrentar os problemas pela raiz e de forma permanente. Como em tantas outras questões, nesta também o País tem pressa.

Avança a PEC da sem-vergonhice

O Estado de S. Paulo

Anistia a partidos aprovada pela CCJ da Câmara afronta a Constituição e tem de ser barrada pelo STF

No dia 16 passado, entre a deliberação sobre um projeto que torna o forró uma manifestação cultural nacional e outro para que a conta de luz passe a notificar sobre audiências públicas, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara encaixou um golpe contra a Constituição de 1988. Mais especificamente, contra o caput do artigo 5.º da Lei Maior, princípio basilar da República: a igualdade de todos perante a lei.

Por 45 votos a 10, o colegiado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que concede anistia aos partidos políticos – a quarta em 30 anos – que violaram a lei que dispõe sobre as regras de distribuição dos recursos do fundo eleitoral, além de estabelecer cotas para candidaturas de mulheres e negros. As dez maiores bancadas na Câmara têm contas a prestar à Justiça Eleitoral, o que explica esse placar, expressão da solidariedade na desfaçatez.

A audácia dessa PEC é tanta que, a um só tempo, se faz letra morta da isonomia inscrita no texto constitucional, dificulta-se o acesso de grupos sub-representados ao Congresso e, como se não bastasse, afrontase o Supremo Tribunal Federal (STF) ao autorizar que partidos políticos peçam dinheiro a empresas para quitar dívidas contraídas até 2015, ano em que o STF proibiu a doação de pessoas jurídicas para legendas e candidatos.

Caso seja aprovada pelo plenário da Câmara e, ao final do processo, a PEC da sem-vergonhice seja promulgada pelo Congresso, partidos políticos tornar-seão entidades acima do bem e do mal no Brasil. A nenhuma outra organização privada é dado afrontar as leis e a Constituição de forma tão descarada e inconsequente – o que Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e articulista do Estadão, chamou, com razão, de “autoproclamação da anarquia”.

Em qualquer país democrático no mundo, que cidadão ou empresa pode arrogar para si o estupendo poder da autoanistia? Essa PEC, mais que um escárnio, é uma evidente demonstração de que a maioria dos membros da CCJ da Câmara considerou que o Brasil é uma republiqueta de idiotas, formada por uma massa ignara que nem sequer é capaz de dimensionar a barbaridade que foi cometida por alguns de seus representantes eleitos.

Contra essa violência, primeiro, a sociedade civil precisa se insurgir e mostrar que está atenta à ação insidiosa de parlamentares que agiram não em seu nome, mas em nome dos interesses privados das organizações às quais pertencem. Além disso, o STF, evidentemente, não pode deixar de intervir nesse caso. Fez bem a deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP), membro da CCJ, ao impetrar mandado de segurança para que a tramitação da PEC da sem-vergonhice seja interrompida. A judicialização da política, como este jornal já sustentou não poucas vezes, é quase sempre indesejável. Não é incomum que o Judiciário seja visto como valhacouto de derrotados em debates que devem estar circunscritos ao Legislativo. Todavia, a quem recorrer senão ao guardião maior da Constituição quando nada menos que a CCJ da Câmara rasga um dispositivo constitucional de forma tão desabrida?

 Petrobras cria enorme margem de manobra nos preços

Valor Econômico

Se a nostalgia do passado se apossar da nova direção, reduzir os preços com objetivos políticos levará ao mesmo resultado visto antes: o desastre

A nova política de preços da Petrobras estreou no mesmo dia em que os preços do diesel, gasolina e gás de cozinha foram reduzidos na casa dos dois dígitos. O comunicado da alteração pela estatal foi genérico, de manual de economia: serão levados em conta para a fixação dos preços os interesses dos clientes (custos alternativos), os da empresa (custo marginal) e, claro, de alguma maneira não definida, os preços internacionais. Com a mudança, enterra-se o modelo execrado pelo PT, o da Paridade de Preços de Importação, que atrelava a variação dos preços de venda dos combustíveis no mercado doméstico à das cotações internacionais, com defasagens discricionárias.

A primeira rodada de substancial redução de preços foi avalizada pela queda dos preços externos: gasolina, -12,6%, diesel. -12,8% e gás de cozinha, -21,3%. “Vocês estão lembrados que nós iríamos abrasileirar os preços da Petrobras, e começou a acontecer”, saudou o presidente Lula.

O presidente da Petrobras, o ex-senador petista Jean Paul Prates, não usou a palavra “abrasileirar” ao explicar a nova política comercial de sua gestão, talvez não por acaso. Ele disse que a fórmula “vai maximizar as vantagens competitivas” da empresa e definiu sua linha de conduta com a de mover-se entre duas necessidades: elevar preços sem perder fatias de mercado e reduzir preços sem ter prejuízo.

A mudança terá de ser julgada por sua execução, já que no curto prazo a diferença entre a nova e a velha política pode não ser perceptível. Sua recepção nos mercados foi positiva, com os investidores respirando aliviados porque as diretrizes não trouxeram um temido “cavalo de pau”, uma guinada radical que poria em xeque o futuro da companhia. As falas de Prates, macias e vagas, não escondem o fato de que ele não é um executivo qualquer, mas um escolhido a dedo para aplicar a política que o Executivo determinar para a estatal. Afinal, a nova orientação genericamente desenhada lhe dá, e a seu acionista majoritário, tudo aquilo de que precisam: uma grande margem de manobra sobre os preços. Os parâmetros imprecisos em relação à fórmula anterior lhes permite grande arbítrio, ao mesmo tempo em que reduzem margens a cobranças.

Prates recebeu uma missão à frente da Petrobras, na qual parte da nova direção assumiu contrariando o estatuto da empresa e a Lei das Estatais. Não se sabe quais serão seus próximos passos, mas boa parte do que o ex-senador pensa está consubstanciado em projeto de lei de sua autoria, aprovado pelo Senado e engavetado na Câmara dos Deputados. A primazia dos custos internos e o não alinhamento automático com os externos estão lá, junto com mais coisas, como um fundo de estabilização, cuja formação envolveria, por exemplo, a criação de imposto de exportação sobre combustíveis, em escala que variava de 0 a 20%, a depender das cotações do produto no mercado externo. Esse ponto foi o primeiro a ser fulminado pelo Senado.

Um dos objetivos que permeavam o projeto, apoiado pelo PT, é a redução da dependência externa, apesar dela ser diminuta (25% do diesel e 12,5% da gasolina). A política para o petróleo que Prates tinha na cabeça, e não se sabe se executará, conduz à volta do monopólio da Petrobras, o oposto do modelo anterior, que também tinha falhas.

A PPI veio junto com a desmobilização de ativos da estatal, sua concentração na exploração e sua saída de todos os segmentos fora da produção. A BR Distribuidora foi vendida e um acordo com o Cade previa a venda de refinarias, que o governo petista agora sustou. Sem ter quase aonde investir, a gestão no governo anterior distribuiu dividendos altíssimos. O caminho dos concorrentes internacionais foi ampliar seu raio de ação para se tornarem empresas de energia e ganharem dinheiro na transição energética. O futuro da Petrobras estava ligado só ao do petróleo e chegaria ao fim com o fim da era dos combustíveis fósseis.

Já o modelo do PT para o setor tende a espelhar um passado de erros, aparelhamento, enormes desperdícios e corrupção. Se a Petrobras vender produtos abaixo dos preços internacionais, eliminará os importadores e se tornará monopólio puro. Haverá mais investimento em refinarias velhas e, talvez, nas novas. O presidente Lula defende que a Petrobras ressuscite seu apoio à indústria naval - a quarta tentativa na história, que possivelmente repetirá o fracasso das anteriores - para a construção das plataformas. Até a retomada da BR ou a recriação de uma distribuidora é cogitada.

Vista em si, a nova política de preços será testada, como qualquer outra, pelos resultados que produzir. Para “abrasileirar” preços, a Petrobras tem um espaço que vai de seus custos de produção, de US$ 14 o barril no pré-sal, até os US$ 73 o barril das cotações externas de ontem. Será preciso fazer muita coisa errada para se chegar ao prejuízo. Mas se a nostalgia do passado se apossar da nova direção, reduzir os preços com objetivos políticos e ainda realizar investimentos na vasta gama de setores que a imaginação petista acha que pode e deve abarcar, levarão ao mesmo resultado visto antes: o desastre.

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