Petrobras joga fora o mecanismo que a fez sobreviver
O Globo
Teste da nova política de preços acontecerá
quando barril de petróleo e dólar voltarem a subir
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva começou a cumprir a promessa de “abrasileirar” o preço dos combustíveis.
Se o significado da expressão era uma incógnita na campanha eleitoral, continua
sendo depois do anúncio de que a Petrobras
abandonará a política de Preço de Paridade de Importação (PPI) para
estabelecer quanto cobra por gasolina, diesel e gás de cozinha. “Nos
alforriamos do PPI para executar uma política de preços a partir das nossas
capacidades competitivas”, disse o presidente da estatal, Jean Paul
Prates.
Apesar de as ações da Petrobras terem subido, ninguém entendeu direito a nova política. O certo é que ela procura não transferir a volatilidade das cotações internacionais do petróleo aos preços internos. Em termos vagos, a estatal informou que seus preços variarão de acordo com as condições locais de cada refinaria, para oferecer “a melhor alternativa acessível aos clientes”. De imediato, Prates anunciou a queda dos preços cobrados nas refinarias pela gasolina, pelo diesel e pelo botijão de gás. O governo celebrou, mas as ameaças para o futuro são evidentes.
A medida foi adotada num momento de pouco
risco, quando o barril de petróleo está cotado a menos de US$ 80, e o dólar
caiu abaixo dos R$ 5. Ficou subentendido que a política será agressiva para
manter os preços baixos, com interesse obviamente político (a popularidade de
nenhum governo se beneficia com alta no gás e na gasolina). Num mercado
competitivo, contudo, esse tipo de manipulação costuma criar problema. “Eles na
verdade continuam a seguir o PPI na baixa, quero ver quando vier a alta”, diz
um analista do setor.
A Petrobras praticamente domina o mercado
brasileiro. Entre as refinarias menores, há apenas uma concorrente de peso, a
Landulpho Alves, na Bahia. Mas, juntas, elas detêm 20% das vendas, e o Cade
certamente será acionado caso a redução de preços configure prática
anticompetitiva. Fora isso, o domínio de uma gigante como a Petrobras forçando
preços baixos poderá tornar inviável o negócio das pequenas exploradoras (junior
oils), que têm feito reviver a extração em áreas abandonadas e prometem
investimentos bilionários.
Para o consumidor, o risco da queda
artificial de preços é faltar produto. Se a Petrobras começar a vender barato
demais na alta, as distribuidoras — que pagam a cotação internacional — pararão
de importar. O caso mais sensível é o diesel. Pelos dados do Instituto
Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), 41% do mercado interno foi suprido por
importações em dezembro, 22% em janeiro e 38% em fevereiro. Sem paridade com os
preços internacionais, é certa a crise de desabastecimento.
O PPI foi instituído em 2016, quando a
Petrobras se recuperava das dificuldades causadas pelo congelamento imposto
pela presidente Dilma Rousseff. Atingida pela corrupção e por projetos
inviáveis engendrados no Planalto, passou a subsidiar os combustíveis. Os
equívocos resultaram na então maior dívida corporativa do mundo, US$ 100
bilhões. Foi a orientação para a realidade imposta com o PPI que recuperou a
estatal. A atual gestão decidiu abandoná-lo por interesse político. No anúncio
do fim do PPI não faltaram menções à “função social” da Petrobras. A expressão
deveria preocupar seus milhares de acionistas, dentro e fora do país. O maior
deles, não custa lembrar, é o governo. Na certa o contribuinte será convocado a
cobrir qualquer rombo gerado pela nova política de preços.
Interpretação da lei traz argumentos contra
cassação de Deltan Dallagnol
O Globo
STF precisa esclarecer se ícone da
Lava-Jato perdeu mandato por leitura equivocada da Lei da Ficha Limpa
Será salutar para a democracia brasileira
se o Supremo Tribunal Federal (STF) analisar a decisão tomada por unanimidade
no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cancelando o
registro de candidatura do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR).
Ao saber do veredito, que acarreta perda de mandato imediata, o ex-procurador
da Operação Lava-Jato em Curitiba disse que “344.917 vozes paranaenses” tinham
sido caladas. Mas políticos eleitos, por mais votos que recebam, estão sujeitos
à cassação. O melhor argumento em favor de Dallagnol é a interpretação da Lei
da Ficha Limpa usada para condená-lo.
O ministro Benedito Gonçalves, relator do
caso, considerou que Dallagnol pediu exoneração do cargo de procurador em
novembro de 2021, 11 meses antes da eleição, para evitar uma punição
administrativa. Pela Lei da Ficha Limpa, ficam inelegíveis por oito anos
integrantes do Ministério Público (MP) que pedirem “exoneração ou aposentadoria
voluntária” enquanto submetidos a Processo Administrativo Disciplinar (PAD). Em
seu voto, Gonçalves afirmou que Dallagnol “agiu para fraudar a lei, uma vez que
praticou, de forma capciosa e deliberada, uma série de atos para obstar
processos administrativos disciplinares contra si e, portanto, elidir a
inelegibilidade”.
Só que Dallagnol não era alvo de nenhum PAD
no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) quando pediu desligamento.
Ele já fora condenado em dois PADs, sem perda do cargo, e estavam em andamento
apenas procedimentos preliminares. Juristas argumentam que não cabe à Justiça
Eleitoral arbitrar se, no momento do desligamento, sindicâncias ou reclamações
administrativas em fase inicial pareciam caminhar para um PAD. Para esse grupo,
a inelegibilidade, medida extrema numa democracia, deve acontecer apenas a
partir de uma exoneração com um PAD em andamento. É, literalmente, o que diz a
lei.
Outros juristas defendem a decisão do TSE.
Afirmam que ela se inspira na jurisprudência do tribunal sobre fraudes. Para
eles, a exoneração ocorreu para evitar um PAD e a consequente inelegibilidade.
Argumentam ainda que Dallagnol esperava decisão do STF sobre dois PADs que o
puniram com censura e advertência. Mas, mesmo se confirmadas, tais punições não
o enquadrariam na Lei da Ficha Limpa.
O pedido de cancelamento do registro de
candidatura foi apresentado pela federação PT, PCdoB e PV e pelo PMN. Assim que
o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná rejeitou o pleito, os partidos
recorreram ao TSE. Depois da cassação, próceres do PT e aliados festejaram. A
presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann, usou uma rede social para
chamar Dallagnol de “ficha suja”. É esperado que o agora ex-procurador e
ex-deputado recorra ao STF. Caso isso aconteça, a Corte precisa esclarecer se a
cassação de Dallagnol partiu de uma leitura equivocada da lei. Em jogo não está
apenas o mandato do deputado federal mais votado no Paraná em outubro. O pior
para o Brasil é esse tipo de decisão variar de acordo com a circunstância
política e o governo de turno.
Atritos com o campo
Folha de S. Paulo
Complacência com métodos do MST pode
fortalecer oposição a pautas meritórias
Dois eventos recentes marcaram o desgaste
das relações entre o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a poderosa
bancada defensora dos interesses do agronegócio no Congresso Nacional.
O primeiro, no início deste mês de maio,
foi a Agrishow, principal feira de tecnologia agrícola da América Latina, para
a qual foi convidado o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) —o que levou o
ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), a cancelar sua participação.
Bolsonaro, hoje cercado por diferentes
investigações jurídico-policiais, aproveitou a rara oportunidade para discursar
a um público de apoiadores entusiasmados. O governo chegou a cogitar a retirada
do patrocínio do Banco do Brasil à Agrishow, mas não levou a cabo a retaliação
pouco republicana.
Lula, entretanto, não deixou de acusar em
discurso "alguns fascistas, alguns negacionistas" de terem
desconvidado Fávaro.
Poucos dias depois houve a feira do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) —agremiação que há muito não
faz jus ao nome e, embora mantenha o ritual de invasão de propriedades, hoje pode
exibir produtos cultivados nas áreas da reforma agrária.
Ministros de Lula, entre eles o
vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), titular da pasta do Desenvolvimento,
prestigiaram a festividade, o que foi encarado por
ruralistas como um gesto de apoio do governo federal ao MST, cujas
ligações com o PT são notórias.
É evidente que nem toda a bancada da
agropecuária —que, a depender do tema, pode conseguir maiorias congressuais— é
hostil ao Planalto. No entanto os setores mais retrógrados e, não por acaso,
mais ligados ao bolsonarismo podem aproveitar a situação para atravancar pautas
importantes.
Entre elas, a preservação ambiental e a
regularização de terras indígenas, desprezadas no governo anterior, e a
complexa reforma tributária, que tende a onerar segmentos do agronegócio.
Lula acerta ao manter os canais de diálogo com o setor, seja na escolha de
Fávaro para o ministério, seja no convite a lideranças para compor o Conselho
de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, vulgo Conselhão.
Uma delas, a presidente da Sociedade Rural
Brasileira (SRB), Teresa Vendramini, disse à Folha que as maiores
preocupações do campo são com segurança jurídica e direito à propriedade. Daí
se tem uma ideia dos danos que o MST pode provocar para a agenda governista.
O movimento será alvo de uma CPI, o que
sempre pode causar tumulto legislativo. Mais do que isso, a insistência em
métodos ilegais pode fortalecer a oposição a um governo que já não tem uma base
de apoio das mais sólidas.
Sem palavras
Folha de S. Paulo
Má colocação em exame de leitura mostra
atraso do Brasil em alfabetização
O Brasil se saiu mal no Pirls, a prova
internacional que avalia o desempenho da alfabetização em alunos do 4º ou do 5º
ano do ensino fundamental (crianças de 9 ou 10 anos), etapa em que a capacidade
de leitura e interpretação de textos já deveria estar consolidada.
Foi a primeira vez que o país participou do
exame, que congrega 65 nações. Com 419
pontos, ficamos à frente apenas de Irã, Jordânia, Egito, Marrocos e África do
Sul —enquanto os campeões Singapura, Irlanda e Hong Kong
obtiveram mais de 570 pontos.
Nossos alunos só foram capazes de
compreender textos fáceis. Em questões mais sofisticadas, fracassaram. As
desigualdades de sempre também se mostraram presentes. Crianças de famílias
mais ricas se saem melhor do que as de estratos pobres, assim como meninas em
relação a meninos, e brancos e amarelos ante negros e pardos.
A prova, que no Brasil envolveu uma amostra
de 4.941 estudantes do 4º ano de escolas públicas e privadas, foi realizada em
2021, o segundo ano da pandemia, o que obviamente influiu nos resultados. Mas a
Covid-19, ainda que em graus variados, afetou todos os países.
O fato é que, com grande atraso, o Brasil
universalizou o acesso ao ensino fundamental, e os avanços qualitativos
verificados nas duas últimas décadas estão concentrados nos primeiros anos
dessa etapa da educação. Deixamos muito a desejar em aprendizado.
Os dados do Pirls mostram que, mesmo na
faixa em que estamos melhor, o desempenho brasileiro ainda é ruim quando
comparado ao de outras nações, incluindo aquelas que não se destacam exatamente
pela qualidade na educação. Há muito, portanto, a fazer. E a ciência pode ajudar.
Estudos apontam que, quanto antes a criança
entrar em contato com o processo de ensino, melhor tende a ser seu futuro
acadêmico e profissional. O Brasil vem dando passos nesse sentido —entre 2005 e
2022, a taxa de
crianças de 0 a 3 anos matriculadas em creches teve alta de 17% para 36%.
Outra área que merece destaque é a dos métodos de alfabetização. Nos últimos 20 anos, houve uma pequena revolução na compreensão de como crianças aprendem a ler. A conclusão inequívoca é a de que é necessário ensinar explicitamente as correspondências entre grafemas (letras) e fonemas (sons). Os métodos usados aqui ainda não exploram como deveriam esse achado da ciência.
Marcha à ré
O Estado de S. Paulo
Volta do carro popular é o oposto do que o
País precisa para crescer. Além do alto custo, incentivos ao transporte
individual são incoerentes com agenda verde que o País pretende liderar
Em comemoração ao Dia da Indústria, em 25
de maio, o governo corre contra o tempo para lançar um pacote de medidas que
proporcione o retorno do “carro popular”. A meta inicial era que o mercado
voltasse a oferecer veículos com preço entre R$ 45 mil e R$ 50 mil, mas,
convencido pelo setor automotivo, o governo teria chegado à conclusão de que
esse objetivo é inviável e ajustado suas expectativas para um valor em torno de
R$ 55 mil.
A condução do debate sobre o programa
apresenta equívocos de origem. Em primeiro lugar, o preço do carro popular
parece ser uma simples conta de chegada, sem nenhuma base a justificá-lo que
não o marketing, o que revela o nível de improviso com que o tema tem sido
tratado. A efeméride do Dia da Indústria, por sua vez, agregou um senso de
urgência que favorece a adoção de soluções simplórias para problemas complexos,
o que nunca é um bom caminho em se tratando de políticas públicas que se
pretendem consistentes.
Os problemas do setor automotivo não são
recentes. Produção e vendas estão estagnadas há anos. Com o aumento dos custos
dos insumos durante a pandemia, novos critérios para reduzir as emissões e
requisitos mínimos de segurança veicular, os carros mais baratos ofertados no
País são vendidos por R$ 69 mil, valor inacessível para a maioria da população.
O custo dos financiamentos subiu acompanhando a elevação da taxa básica de
juros, enquanto a renda do trabalhador, corroída por uma inflação resiliente,
não cresce há dez anos. É uma combinação trágica para um setor que tem excesso
de capacidade instalada no País e que precisa de escala para se manter.
Para evitar demissões e fechamento de
unidades, a estratégia da indústria tem sido adotar férias coletivas, cortar
turnos e suspender a produção. Pátios de montadoras lotados são uma pressão
adicional para o presidente Lula, sensível às demandas do setor que o projetou
como líder político e em busca de uma agenda positiva para reconquistar o apoio
de uma classe média empobrecida, endividada e impaciente. A pergunta que
ninguém no governo ousa fazer é como o retorno do carro popular se tornou a
resposta para esses problemas, quando ele representa o oposto do que o País
precisa para crescer e de desenvolver de forma sustentável.
Ao que tudo indica, relançar o carro
popular demandará uma nova rodada de desonerações, como se o setor não
acumulasse privilégios tributários há décadas. A mais recente medida que entrou
na mesa de negociações é a retomada da cobrança de Imposto de Importação de
carros elétricos – aparentemente, há quem acredite que a isenção explica a
falta de investimentos na produção desse tipo de veículo em território
nacional. Mas é estarrecedor que, para reduzir o custo de aquisição do produto,
o governo cogite ir além: autorizar o uso do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS) como garantia dos financiamentos e retirar itens básicos
relacionados a emissões e de segurança dos veículos.
Desde que se instalou no País, há cerca de
70 anos, o setor vive de permanentes subsídios fiscais e de proteção contra a
concorrência estrangeira. A indústria automotiva tem todo o direito de fazer
lobby junto ao governo para manter esses benefícios, mas cabe ao Executivo
distinguir interesses privados de interesses públicos. Afinal, toda intervenção
governamental em qualquer setor deve ter uma justificativa, pois ela gera
custos e consequências de curto, médio e longo prazos.
Antes de propor mais uma política pública
atrelada ao passado, o governo faria bem se avaliasse com coragem e realismo os
resultados que programas anteriores, como o Inovar-Auto, do governo Dilma
Rousseff, e o Rota 2030, de Michel Temer, trouxeram ao País em termos de
eficiência, produtividade, inovação e crescimento. Somam-se a esse contexto as
ações do governo com vistas à transição energética, uma agenda que o País tem
todas as condições de liderar em termos mundiais. Nesse sentido, qualquer
incentivo à aquisição de veículos e ao transporte individual, além do alto
custo, representa, no mínimo, uma incoerência.
Incompetência não tem ideologia
O Estado de S. Paulo
Estudo mostra que custo Brasil não caiu
significativamente nem num governo declaradamente liberal, como era o de
Bolsonaro e Guedes; baixa qualificação da mão de obra é o maior entrave
As empresas no Brasil continuam pagando
muito mais do que suas concorrentes em outros países para fazer negócios. E,
apesar do discurso a favor da livre-iniciativa do governo de Jair Bolsonaro,
sobretudo de seu superministro da Economia, Paulo Guedes, não houve redução nos
entraves que oneram o mundo corporativo nos últimos quatro anos, como mostra
estudo do Movimento Brasil Competitivo, entidade criada e liderada por
empresários para promover a bandeira da necessidade de melhorar a
competitividade das empresas no País.
Logo no início do governo Bolsonaro, Guedes
foi taxativo ao criticar o emaranhado burocrático para abrir uma empresa no
País, dizendo que o processo demorava oito ou nove meses. O governo, afirmou,
estava empenhado em reformas importantes que provocassem mudanças conceituais
no País a favor de maior liberdade de abertura de negócios, que seria, nas suas
palavras, “caminho para a prosperidade”.
O cenário de dificuldades para ser
empreendedor no Brasil, porém, pouco mudou, como evidencia o levantamento do
Movimento Brasil Competitivo. A dúvida, agora, é se o novo governo, de Lula da
Silva, será capaz de promover alguma melhora no panorama. Algumas
manifestações, inclusive do presidente, assustam o empresariado, por sugerirem
reversão de reformas e excessiva interferência estatal. Em abril, por exemplo,
Lula comparou a reforma trabalhista a um “tratamento do tempo da escravidão”. E
tanto a proposta de âncora fiscal como a reforma tributária não parecem
encontrar entusiastas no governo, com exceção da equipe econômica.
O chamado “custo Brasil”, segundo o estudo,
atingiu R$ 1,7 trilhão, valor que representa as despesas adicionais que as
companhias têm para produzir por aqui em comparação com a média de custos nos
países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O
levantamento foi feito em parceria com a Fundação Getulio Vargas e o Ministério
do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e leva em
consideração o ciclo de vida de uma empresa, analisando-se indicadores em 12
áreas importantes para a competitividade empresarial.
Ao ser medido pela primeira vez, em 2019,
chegou ao valor de R$ 1,5 trilhão, ou 22% do Produto Interno Bruto (PIB). Em
termos nominais, houve uma melhora, porque o custo Brasil apurado agora corresponde
a 19,5% do PIB, mas o próprio estudo do Movimento Brasil Competitivo alerta que
é preciso levar em consideração a inflação do período e que, portanto, se
considera que houve estabilidade entre os dois indicadores. Não piorou, mas
também não melhorou.
O detalhamento do estudo deixa claro que um
dos maiores custos para o setor empresarial continua sendo o emprego de mão de
obra, que inclui qualificação do trabalhador, encargos e processos
trabalhistas. E isso, apesar do impacto da reforma trabalhista, que tinha como
objetivo baixar o custo de contratação de pessoas e facilitar esse processo.
Para os autores do trabalho, a baixa qualificação da mão de obra brasileira
segue como o fator de maior peso na composição do custo Brasil, chegando a 8%
do total.
Também chamam a atenção os cálculos de
quanto as empresas gastam com os impostos cobrados no País pelas várias esferas
governamentais. No caso, o estudo identificou que, por causa da complexidade
tributária brasileira, as empresas precisam gastar aproximadamente 62 dias e
meio com a preparação para pagamento dos impostos. A média das nações que fazem
parte da OCDE é de seis dias. Talvez haja esperança de mudanças nessa área
específica, com a possibilidade de reforma tributária, em debate no Congresso
Nacional.
O estudo mostrou um aumento nos custos de
financiamento das empresas – o que seria mesmo de esperar porque as taxas de
juros no Brasil subiram muito nos últimos quatro anos como política do Banco
Central no combate à inflação.
Reduzir os custos de produção no Brasil não
é uma questão ideológica, de governos mais à esquerda ou mais à direita. É uma
questão de competência para enfrentar os problemas pela raiz e de forma
permanente. Como em tantas outras questões, nesta também o País tem pressa.
Avança a PEC da sem-vergonhice
O Estado de S. Paulo
Anistia a partidos aprovada pela CCJ da
Câmara afronta a Constituição e tem de ser barrada pelo STF
No dia 16 passado, entre a deliberação
sobre um projeto que torna o forró uma manifestação cultural nacional e outro
para que a conta de luz passe a notificar sobre audiências públicas, a Comissão
de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara encaixou um golpe contra a
Constituição de 1988. Mais especificamente, contra o caput do artigo 5.º da Lei
Maior, princípio basilar da República: a igualdade de todos perante a lei.
Por 45 votos a 10, o colegiado aprovou a
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que concede anistia aos partidos
políticos – a quarta em 30 anos – que violaram a lei que dispõe sobre as regras
de distribuição dos recursos do fundo eleitoral, além de estabelecer cotas para
candidaturas de mulheres e negros. As dez maiores bancadas na Câmara têm contas
a prestar à Justiça Eleitoral, o que explica esse placar, expressão da
solidariedade na desfaçatez.
A audácia dessa PEC é tanta que, a um só tempo,
se faz letra morta da isonomia inscrita no texto constitucional, dificulta-se o
acesso de grupos sub-representados ao Congresso e, como se não bastasse,
afrontase o Supremo Tribunal Federal (STF) ao autorizar que partidos políticos
peçam dinheiro a empresas para quitar dívidas contraídas até 2015, ano em que o
STF proibiu a doação de pessoas jurídicas para legendas e candidatos.
Caso seja aprovada pelo plenário da Câmara
e, ao final do processo, a PEC da sem-vergonhice seja promulgada pelo
Congresso, partidos políticos tornar-seão entidades acima do bem e do mal no
Brasil. A nenhuma outra organização privada é dado afrontar as leis e a
Constituição de forma tão descarada e inconsequente – o que Roberto Livianu,
presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e articulista do Estadão, chamou,
com razão, de “autoproclamação da anarquia”.
Em qualquer país democrático no mundo, que
cidadão ou empresa pode arrogar para si o estupendo poder da autoanistia? Essa
PEC, mais que um escárnio, é uma evidente demonstração de que a maioria dos
membros da CCJ da Câmara considerou que o Brasil é uma republiqueta de idiotas,
formada por uma massa ignara que nem sequer é capaz de dimensionar a
barbaridade que foi cometida por alguns de seus representantes eleitos.
Contra essa violência, primeiro, a
sociedade civil precisa se insurgir e mostrar que está atenta à ação insidiosa
de parlamentares que agiram não em seu nome, mas em nome dos interesses
privados das organizações às quais pertencem. Além disso, o STF, evidentemente,
não pode deixar de intervir nesse caso. Fez bem a deputada Sâmia Bonfim
(PSOL-SP), membro da CCJ, ao impetrar mandado de segurança para que a
tramitação da PEC da sem-vergonhice seja interrompida. A judicialização da
política, como este jornal já sustentou não poucas vezes, é quase sempre
indesejável. Não é incomum que o Judiciário seja visto como valhacouto de
derrotados em debates que devem estar circunscritos ao Legislativo. Todavia, a
quem recorrer senão ao guardião maior da Constituição quando nada menos que a
CCJ da Câmara rasga um dispositivo constitucional de forma tão desabrida?
Petrobras cria enorme margem de manobra nos preços
Valor Econômico
Se a nostalgia do passado se apossar da
nova direção, reduzir os preços com objetivos políticos levará ao mesmo resultado
visto antes: o desastre
A nova política de preços da Petrobras
estreou no mesmo dia em que os preços do diesel, gasolina e gás de cozinha
foram reduzidos na casa dos dois dígitos. O comunicado da alteração pela
estatal foi genérico, de manual de economia: serão levados em conta para a fixação
dos preços os interesses dos clientes (custos alternativos), os da empresa
(custo marginal) e, claro, de alguma maneira não definida, os preços
internacionais. Com a mudança, enterra-se o modelo execrado pelo PT, o da
Paridade de Preços de Importação, que atrelava a variação dos preços de venda
dos combustíveis no mercado doméstico à das cotações internacionais, com
defasagens discricionárias.
A primeira rodada de substancial redução de
preços foi avalizada pela queda dos preços externos: gasolina, -12,6%, diesel.
-12,8% e gás de cozinha, -21,3%. “Vocês estão lembrados que nós iríamos
abrasileirar os preços da Petrobras, e começou a acontecer”, saudou o
presidente Lula.
O presidente da Petrobras, o ex-senador
petista Jean Paul Prates, não usou a palavra “abrasileirar” ao explicar a nova
política comercial de sua gestão, talvez não por acaso. Ele disse que a fórmula
“vai maximizar as vantagens competitivas” da empresa e definiu sua linha de
conduta com a de mover-se entre duas necessidades: elevar preços sem perder
fatias de mercado e reduzir preços sem ter prejuízo.
A mudança terá de ser julgada por sua
execução, já que no curto prazo a diferença entre a nova e a velha política
pode não ser perceptível. Sua recepção nos mercados foi positiva, com os
investidores respirando aliviados porque as diretrizes não trouxeram um temido
“cavalo de pau”, uma guinada radical que poria em xeque o futuro da companhia.
As falas de Prates, macias e vagas, não escondem o fato de que ele não é um
executivo qualquer, mas um escolhido a dedo para aplicar a política que o
Executivo determinar para a estatal. Afinal, a nova orientação genericamente
desenhada lhe dá, e a seu acionista majoritário, tudo aquilo de que precisam:
uma grande margem de manobra sobre os preços. Os parâmetros imprecisos em
relação à fórmula anterior lhes permite grande arbítrio, ao mesmo tempo em que
reduzem margens a cobranças.
Prates recebeu uma missão à frente da
Petrobras, na qual parte da nova direção assumiu contrariando o estatuto da
empresa e a Lei das Estatais. Não se sabe quais serão seus próximos passos, mas
boa parte do que o ex-senador pensa está consubstanciado em projeto de lei de sua
autoria, aprovado pelo Senado e engavetado na Câmara dos Deputados. A primazia
dos custos internos e o não alinhamento automático com os externos estão lá,
junto com mais coisas, como um fundo de estabilização, cuja formação
envolveria, por exemplo, a criação de imposto de exportação sobre combustíveis,
em escala que variava de 0 a 20%, a depender das cotações do produto no mercado
externo. Esse ponto foi o primeiro a ser fulminado pelo Senado.
Um dos objetivos que permeavam o projeto,
apoiado pelo PT, é a redução da dependência externa, apesar dela ser diminuta
(25% do diesel e 12,5% da gasolina). A política para o petróleo que Prates
tinha na cabeça, e não se sabe se executará, conduz à volta do monopólio da
Petrobras, o oposto do modelo anterior, que também tinha falhas.
A PPI veio junto com a desmobilização de
ativos da estatal, sua concentração na exploração e sua saída de todos os
segmentos fora da produção. A BR Distribuidora foi vendida e um acordo com o
Cade previa a venda de refinarias, que o governo petista agora sustou. Sem ter
quase aonde investir, a gestão no governo anterior distribuiu dividendos
altíssimos. O caminho dos concorrentes internacionais foi ampliar seu raio de
ação para se tornarem empresas de energia e ganharem dinheiro na transição
energética. O futuro da Petrobras estava ligado só ao do petróleo e chegaria ao
fim com o fim da era dos combustíveis fósseis.
Já o modelo do PT para o setor tende a
espelhar um passado de erros, aparelhamento, enormes desperdícios e corrupção.
Se a Petrobras vender produtos abaixo dos preços internacionais, eliminará os
importadores e se tornará monopólio puro. Haverá mais investimento em
refinarias velhas e, talvez, nas novas. O presidente Lula defende que a
Petrobras ressuscite seu apoio à indústria naval - a quarta tentativa na
história, que possivelmente repetirá o fracasso das anteriores - para a
construção das plataformas. Até a retomada da BR ou a recriação de uma
distribuidora é cogitada.
Vista em si, a nova política de preços será testada, como qualquer outra, pelos resultados que produzir. Para “abrasileirar” preços, a Petrobras tem um espaço que vai de seus custos de produção, de US$ 14 o barril no pré-sal, até os US$ 73 o barril das cotações externas de ontem. Será preciso fazer muita coisa errada para se chegar ao prejuízo. Mas se a nostalgia do passado se apossar da nova direção, reduzir os preços com objetivos políticos e ainda realizar investimentos na vasta gama de setores que a imaginação petista acha que pode e deve abarcar, levarão ao mesmo resultado visto antes: o desastre.
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