quinta-feira, 18 de maio de 2023

Maria Cristina Fernandes - Ao cassar Dallagnol, TSE aduba lavajatismo

Valor Econômico

Cassação de Dallagnol mostrou que lavajatismo não morreu

Deltan Dallagnol colocou o Ministério Público Federal no modo guerrilha e o país num frenesi jurídico-político do qual não saiu até hoje. Transformou-se, assim, num dos principais cabos eleitorais do ex-presidente Jair Bolsonaro. Apesar disso, ou melhor, em grande parte por causa disso, recebeu o voto de 344 mil paranaenses para chegar à Câmara dos Deputados e se dedicar à política, vocação que não foi capaz de sublimar durante seu mandato como procurador da República.

O TSE foi o grande dique de contenção do golpismo que ameaçou inundar a democracia, mas, ao cassar o mandato de Dallagnol, não contribui para devolver o país à normalidade institucional. O lavajatismo de Dallagnol ajudou a derrubar Dilma Rousseff. Com o lavajatismo que tem guiado decisões como a da noite desta terça-feira, o TSE, supostamente, sai em socorro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas pode ajudar a minar sua legitimidade.

Nas 24 horas que se seguiram à decisão, Lula foi identificado por Dallagnol e por sua audiência, agora ampliada nas redes sociais, como o principal responsável por sua cassação. Isso acontece num momento em que o presidente havia sido convencido a conter a verve incendiária e focar nos resultados do seu governo. A decisão preocupa colaboradores próximos. E há razões para isso. Como Lula bem sabe, a política paga um preço quando se faz gato e sapato do direito. As Forças Armadas foram enquadradas mas não o anseio por uma moderação que exerça a autoridade que o Judiciário perde ao extrapolar seu poder.

Impõe-se, para demonstrá-lo, comparar a decisão do TSE com outra, da mesma Corte, de seis meses atrás. A composição era a mesma, salvo pela saída do ministro Ricardo Lewandowski e a entrada do ministro Kassio Nunes. Na presidência, lá e cá permanece o plenipotenciário ministro Alexandre de Moraes.

Na cassação de Dallagnol o argumento que acabou por prevalecer foi aquele do relator, o ministro Benedito Gonçalves, de que o deputado incorreu nas infrações da Lei da Ficha Limpa. Ele sustentou que Dellagnol antecipou sua exoneração do MPF porque havia 15 procedimentos administrativos correndo contra si no Conselho Nacional do Ministério Público.

A diferença entre “procedimento” e “processo” não é firula. A Ficha Limpa diz que são inelegíveis por oito anos os magistrados e membros do MP que tenham pedido exoneração na pendência de processo administrativo disciplinar.

O vice-procurador geral eleitoral, Paulo Gonet, se manifestou pela improcedência da ação porque não identificou processos, mas procedimentos - reclamações disciplinares, sindicâncias e pedidos de providências, que são atos monocráticos sem garantia de contraditório e ampla defesa, ao contrário de um processo administrativo disciplinar, que é colegiado.

E isso foi exatamente o que foi chancelado em decisão do TSE, de dezembro de 2022, que manteve o mandato de Moro. O relator de então, ministro Raul Araújo, manteve o entendimento de que “não é qualquer espécie de procedimento disciplinar que leva à aplicação de penalidades (...) o que se tem é tão somente a existência de procedimentos destituídos de caráter penalizante, por serem, no máximo, de eventual ordem preparatória”. Foi este voto que arrancou a unanimidade dos pares seis meses atrás.

Moro pediu exoneração para ser ministro de Bolsonaro, o grande beneficiário de suas arbitrariedades, enquanto Dallagnol o fez 11 meses antes da eleição, por ocasião da punição de um colega da Lava-jato. Foi isso que levou à alegação de fraude do relator. O 8 de janeiro justifica a mudança de posição dos ministros? Como o julgamento durou um minuto, sem votos individuais, fica difícil saber das motivações, mas pelo menos um ministro, Carlos Horbach, foi exposto, a partir da quebra de sigilo de assessores de Bolsonaro, num encontro sigiloso no Palácio do Planalto.

Dallagnol já disse que vai recorrer da decisão. No Twitter, o advogado eleitoral Horácio Neiva citou um voto do ministro Luis Roberto Barroso, que sugere acolhimento: “É entendimento pacífico desta Corte Superior que o direito à elegibilidade é direito fundamental. Como resultado, de um lado, intérprete deverá, sempre que possível, privilegiar a linha interpretativa que amplie o gozo de tal direito”.

Com a decisão, porém, o TSE já deu a Dallagnol um tamanho maior do que seu rudimentar desempenho como parlamentar possibilitou até aqui. Chegou a dizer que o projeto das Fake News censurava a bíblia e foi obrigado a ouvir uma aula de direito de Flavio Dino quando o acusou de ter feito acordo com o crime para entrar no Complexo da Maré, no Rio, e o ministro o desafiou a prová-lo.

O desempenho parecia dar razão a Lula, que, nas entrevistas concedidas em Curitiba, disse esperar que tanto Dallagnol quanto Moro entrassem na política para serem por ela derrotados. Mas não parece ser este o entendimento do TSE. E não apenas aquele tribunal. Os ventos do lavajatismo sopram também na sua nativa Curitiba, onde o juiz da 13ª Vara Federal, que substituiu Sergio Moro, deu uma decisão, nesta quarta-feira, que pode comprometer os acordos de leniência com as empreiteiras da Lava-jato.

Ao levantar o sigilo da leniência da Odebrecht, que é garantido por lei, o juiz Eduardo Fernando Appio disse que “há um intenso interesse público nas informações nele contidas”. Foi o mesmo argumento que Moro usou para abrir o sigilo das conversas entre Lula e Dilma às vésperas do impeachment.

 

 

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Aqui se faz,aqui se paga.O varejo,o atacado fica sempre para a próxima encarnação.