segunda-feira, 24 de julho de 2023

Bruno Carazza* - Militares marcham lentamente aos quartéis


Valor Econômico

Ainda falta muito para Lula cumprir a promessa de desmilitarizar o governo

Quando a campanha do ano passado começou a esquentar, Lula disse num comício na Uerj: “Exército não serve para política; ele deve servir para proteger a fronteira e o país de ameaças externas”. Uma semana depois, ele subiu o tom: “Nós vamos ter que começar o governo sabendo que vamos ter que tirar quase 8 mil militares que estão em cargos de pessoas que não prestaram concursos”. Em meados de 2020, segundo os cientistas políticos Octávio Amorim Netto e Igor Acácio, 11 dos 26 ministros de Bolsonaro eram militares ou tinham vergado farda no passado. Para os pesquisadores, a cúpula das Forças Armadas decidiu embarcar no governo do ex-capitão de péssima reputação no meio militar pela oportunidade de voltar a ter protagonismo nos destinos do país, mas também vislumbrando melhorias orçamentárias e remuneratórias.

Bolsonaro, por sua vez, dependia da experiência de reservistas, oficiais e praças para governar. O TCU calculou que em 2020 havia 6.157 militares da ativa e da reserva atuando em funções civis. Já a pesquisadora do Ipea Flávia Schmidt, utilizando dados da folha de pagamento do governo federal, identificou que o número de fardados ocupando postos de comando em estatais, agências reguladoras e ministérios subiu de 638 em 2018 para 1.085 em 2021 - um incremento de 70% desde que Bolsonaro assumiu.

Durante seu mandato, milhares de reservistas das Forças Armadas foram convocados para tentar diminuir a fila de processos no INSS. Também foram abertas vagas de trabalho nas polêmicas escolas cívico-militares. Em muitos casos a falta de preparo de integrantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica levou a tragédias, como aconteceu no Ministério da Saúde sob a “gestão” do general Pazuello na pandemia.

Se Lula dizia na campanha que mandar os militares de volta aos quartéis seria uma de suas prioridades, a missão se tornou urgente após o 08 de janeiro, quando ficaram flagrantes a ação ou a omissão do comando das três Forças e de militares do GSI e da guarda do Palácio do Planalto durante a invasão.

Esse processo de desmilitarização do governo Lula, entretanto, vem acontecendo de forma “lenta, gradual e segura”, parafraseando o slogan da abertura política empreendida pelo general Ernesto Geisel na ditadura.

Utilizando dados do Portal da Transparência, eu cruzei os dados da folha de pagamentos do Poder Executivo federal com os cadastros de militares da ativa e da reserva. Como pode ser visto no gráfico, o número de militares requisitados e ocupando cargos e funções civis caiu de 3.688 para 2.779 no último ano do governo Bolsonaro, em razão basicamente do fim da força-tarefa de reservistas no INSS.

Nos primeiros cinco meses de mandato, Lula cortou apenas 19,4% do contingente de militares ocupando cargos civis - uma taxa ainda tímida para quem prometia enviá-los para vigiar as fronteiras.

Dos 2.248 militares que ainda ocupam cargos no governo, quase a metade (1.050) está em exercício na Presidência da República.

Outros 907 militares trabalham no Ministério da Defesa - órgão que idealmente deveria ser conduzido apenas por civis.

Conta-se, a propósito, que ao despachar recentemente com José Múcio, chefe da pasta, Lula teria dito: “Múcio, soube que você tem ainda três bolsonaristas na cúpula do ministério”. O ministro que tem sob sua responsabilidade a gestão das Forças Armadas teria respondido: “Presidente, o senhor está mal informado. Bolsonaristas são todos.”

*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”. 

 

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