Revista Veja
“Somos campeões de futebol porque temos uma motivação em comum. E porque a bola é redonda para qualquer brasileiro”
A população brasileira não se conforma em
perder a Copa do Mundo de futebol a cada quatro anos, mas não se constrange em
ficar todo ano entre os últimos colocados na avaliação dos sistemas
educacionais feita pela Unesco. Felizmente, começamos a perceber a falência do
nosso projeto escolar e a entender as consequências para o progresso do país e
o bem-estar de cada cidadão quando condenamos milhões de pessoas ao
“analfabetismo para a contemporaneidade”, desperdiçando o potencial de cada uma
delas para a construção do futuro.
A realidade mostra que os recursos aportados e os programas adotados nas últimas décadas produziram ligeiras melhorias na qualidade escolar, mas sem evitar que continuemos com uma educação deficiente e desigual.
A superação do atraso não está em mais
recursos financeiros nem em mudanças homeopáticas. Exige esforço para um salto
nas arcaicas e frágeis estruturas municipais. Porém falta ambição para
equiparar nosso sistema escolar aos melhores do mundo e para assegurar a mesma
qualidade de ensino a todos os alunos. Um programa recente do governo federal
se propõe a alfabetizar as crianças antes dos 8 anos, quando já deveríamos ter
estratégias para que fossem também alfabetizadas em pelo menos um idioma estrangeiro,
como as famílias abastadas proporcionam aos filhos.
Não há, entre nós, uma consciência de que a
educação é o alicerce de uma economia eficiente e de uma sociedade justa. Nem
de que o sistema está esclerosado e viciado na própria esclerose, exigindo um
novo modelo. Um modelo com professores selecionados entre os mais brilhantes
jovens da nação, com novas perspectivas de carreira, formação, remuneração,
avaliação e responsabilização. Todos trabalhando em edificações confortáveis e
equipadas com os mais modernos métodos e ferramentas da pedagogia. Com todas as
escolas em horário integral adotando um currículo adaptado às exigências de
hoje. E todos os alunos recebendo o apoio necessário para que possam frequentar
as aulas até o final do ensino médio. Alfabetizados para a contemporaneidade.
A tragédia educacional brasileira
continuará se arrastando em seus pequenos avanços até que um plano ambicioso
permita ao país ter escolas com a máxima qualidade, dentro de um sistema único
reunindo os setores público e privado. A maior dificuldade para o
cumprimento dessa ideia está na falta de ambição em como a educação é tratada.
A qualidade escolar nunca foi objeto de desejo central para eleitores e
eleitos.
Depois de 350 anos de escravidão e mais de
um século de apartação social, soa estranha a ideia de oferecer educação de
mesmo nível a despeito de renda e endereço. Carece a percepção de que o
potencial de cada cérebro não aproveitado representa uma perda para a nação.
Não temos sentimento coletivo que nos faça sofrer com o fracasso educacional e
sonhar que todos os alunos tenham a chance de serem campeões do conhecimento.
Fomos campeões de futebol porque todos temos essa motivação em comum. E porque
a bola é redonda, em qualquer lugar e para qualquer brasileiro. O campeonato do
progresso exige uma mania por educação capaz de redondear também nossas
escolas.
Publicado em VEJA de 12 de julho de
2023, edição nº
2849
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