O Estado de S. Paulo
Até aqui tem-se, unicamente, um amontoado de lugares comuns sobre tributação e assustadoras ameaças federativas e operacionais
A Emenda Constitucional da reforma
tributária institui um Imposto sobre Valor Agregado, o IVA, com regime dual: um
na competência da União, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que
substituirá as atuais Cofins e PIS; e o outro atribuído aos Estados e
municípios, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o ICMS
(estadual) e o ISS (municipal). Propõese, ainda, a instituição de um imposto
federal seletivo (monofásico), com finalidade extrafiscal para gravar bens ou
serviços com externalidade negativa.
Festeja-se, finalmente, a solução mágica para todos os problemas tributários do País. O novo modelo supostamente atenderá a todos os princípios que devem nortear um bom sistema de tributação do consumo: simplicidade, não cumulatividade, neutralidade, justiça fiscal, segurança jurídica, etc. Tudo isso, prometem, sem aumento de carga tributária e com ganhos de arrecadação de todos os entes federados.
A impossibilidade do alcance simultâneo de
todos esses objetivos, no entanto, é explicitada de forma indelével no texto
aprovado na Câmara dos Deputados e nas linhas e entrelinhas do debate sobre a
nova votação, agora, no Senado Federal e, também, na Lei Complementar que deve
dar operacionalidade ao novo sistema. Até aqui tem-se, unicamente, um amontoado
de lugares comuns sobre tributação e assustadoras ameaças federativas e
operacionais. A definição do mecanismo de alocação da receita do IBS dos
Estados e municípios exportadores líquidos para os Estados e municípios
consumidores, bem como a alíquota necessária do IBS – questões centrais para a
análise do modelo – são, ainda, um mistério.
A ideia da simplificação do modelo derrete
a cada rodada de negociação, enquanto a lista de exceções à tributação uniforme
aumenta a cada grito setorial. Já foram aquinhoados um sem-número de setores
como saúde, educação, transporte público coletivo urbano, cesta básica, aviação
regional, produção rural e por aí vai. A autonomia dos 26 Estados, do Distrito
Federal e dos 5.568 municípios será preservada com competência para que cada um
defina a própria alíquota. Some-se a isso, potencialmente, mais 5.597 cotas de
IBS. O discurso da alíquota única é, meramente, um discurso.
Outra extravagância conceitual é a
implementação do IVA na competência municipal. Não há no mundo experiência semelhante.
Impostos de valor agregado têm natureza nacional e são geridos pelos governos
centrais no mundo todo, com as notáveis exceções do IVA subnacional do Brasil,
Canadá e Índia. Além disso, com a previsão da adoção do princípio de destino
com cobrança na origem, o contribuinte, nas remessas interestaduais ou
intermunicipais, deve aplicar na operação a alíquota adotada pelo Estado e pelo
município de destino. Serão 5.568 possibilidades de taxas municipais e outras
27 estaduais. Além do setor de serviços, que sofrerá óbvio aumento de carga
tributária (serviços são majoritariamente consumidos por ricos, argumentam os
formuladores), o setor rural, alavanca do PIB brasileiro, não ficará em boa
situação: o enorme descompasso temporal entre a compra dos insumos agrícolas –
tributados – e a venda da safra deixará estocado no celeiro enorme volume de
saldo credor de IBS.
A cereja do bolo nesta confusão tributária
foi a inclusão da competência para os Estados instituírem contribuição sobre
produtos primários. As principais distorções do atual sistema tributário são
mantidas intactas. O parecer garante os benefícios fiscais da Zona Franca de
Manaus até 2073, por meio de repasses da União. O Simples Nacional, outro
aleijão do sistema tributário, também seguirá intacto.
A emenda aprovada prevê – corretamente – a
adoção do princípio de destino do IBS, de forma que a totalidade da receita do
imposto pertencerá ao Estado e ao município onde a mercadoria ou o serviço for
consumido. Para tanto, é indispensável a mensuração instantânea do saldo
líquido das balanças comerciais interestaduais e intermunicipais para a
alocação da receita dos entes exportadores líquidos para os correspondentes
entes consumidores. Essa tarefa, operacionalmente impossível, será executada
por um Conselho Federativo, um simulacro de Governo Central, que coletará a
totalidade da receita dos Estados e dos municípios e fará a partilha a partir
do monitoramento da totalidade das operações interestaduais e intermunicipais.
Percebe-se, aqui, a insanidade da proposta e o tamanho da ameaça ao equilíbrio
federativo. Esse conselho, quarto poder da República (ou primeiro poder), será
composto, sabese lá por quais critérios, por 54 conselheiros, sendo 27
estaduais e outros 27 municipais, e arrecadará, gerirá e distribuirá receita
tributária equivalente a 9% do PIB e quase um terço da carga tributária do
País.
As administrações tributárias estaduais e
municipais passarão a ter a função meramente burocrática de auditoria dos
livros fiscais dos contribuintes, tendo estes de submeter sua escrita fiscal a
duas diferentes administrações tributárias, que auditarão os mesmos fatos
geradores. Certamente, essa não é uma boa ideia.
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