Valor Econômico
ALC pode entrar pela porta da frente e não
apenas como fornecedor de commodities verdes
À medida que o mundo considera formas mais sustentáveis de crescimento econômico, países e empresas estão se posicionando para a emergente economia verde desde diferentes perspectivas. Uma delas é a manufatura. Para se cumprir o compromisso do net-zero em 2050, será necessário implementar a mais profunda e rápida mudança de estrutura econômica da história para converter a produção de aço em aço verde, a de plástico em plástico verde e por aí vai. Estima-se que serão necessários investimentos anuais até 2050 de pelo menos US$ 3,3 trilhões para se promover aquela conversão. Para esverdear a manufatura, vários fatores habilitadores deverão estar postos, sendo o mais crucial a disponibilidade de energia verde, segura, barata e abundante para uso nas cadeias de produção.
A manufatura verde está alinhada com
regulamentações ambientais cada vez mais rigorosas e metas de sustentabilidade
estabelecidas por vários governos e organizações internacionais. Ao atender a
esses requisitos, os fabricantes garantem conformidade regulatória e obtêm
acesso mais fácil a mercados, expandindo oportunidades de novos negócios. Os
fabricantes que investem em tecnologias sustentáveis têm acesso a equipamentos
de ponta, sistemas de controle avançados e ferramentas de otimização de processos,
o que resulta em maior eficiência operacional, redução do desperdício e aumento
da produtividade. O uso de energia limpa também reduz o custo energético num
contexto em que a energia renovável já é mais barata que a fóssil. E tudo isto
se transforma em vantagem competitiva.
Mas a manufatura sustentável vai além do
compliance e da eficiência operacional - as tecnologias que devem ser adotadas
capacitam as empresas a serem ambientalmente responsáveis, economicamente
resilientes e socialmente conscientes. A produção sustentável também eleva a
reputação da marca e o engajamento das partes interessadas da empresa. No
final, tudo isto leva à ocupação de novos espaços de mercado. Ali estaria a
razão principal da feroz corrida global pela liderança da manufatura verde, com
o emprego até de uma espécie de “vale-tudo”, tal como representado por
legislações recentemente aprovadas pelos Estados Unidos e Europa, que promovem
um sem precedentes conjunto de subsídios, discriminação e protecionismo em
favor da manufatura verde.
A mudança em direção à manufatura verde
apresenta uma oportunidade para vários países se estabelecerem como líderes em
práticas e tecnologias sustentáveis. Dentre estes, a China se destaca como
forte concorrente em razão de suas capacidades já estabelecidas e comprovadas
na manufatura e ambiciosas metas de energia renovável. Mas a China enfrenta
desafios, incluindo a necessidade de ainda fazer uma ampla conversão da matriz
elétrica e de ter que enfrentar temas geopolíticos complexos que impactam o
comércio e o acesso a mercados.
Já os Estados Unidos e a Europa perseguem
políticas industriais altamente ambiciosas para se estabelecerem na manufatura
verde. Mas, em linha com a China, ambos ainda têm que enfrentar uma longa e
custosa jornada para esverdear a matriz elétrica, estão expostos a temas
geopolíticos e partem de uma situação de desvantagem em termos de tamanho e
integração do parque fabril, já que há muito a manufatura já não ocupa espaço
importante nas respectivas economias.
A América Latina e o Caribe (ALC) também
poderia contestar parcela da manufatura verde e a razão principal é a enorme
disponibilidade de energia verde. De fato, vários países da região já têm
matrizes elétricas majoritariamente verdes e deverão esverdeá-la ainda mais nos
próximos poucos anos. Esta condição dá à região uma grande vantagem de tempo e
de custo de investimentos e permite que, desde já, possam brindar as cadeias de
valor com a possibilidade de produção com baixa emissão, uma vantagem
competitiva única. É disto que trata o powershoring. Agregue-se que a região
está protegida de temas geopolíticos complexos, tem localização privilegiada e
deverá fazer parte da nova geografia global dos investimentos, que busca
diversificar a localização das plantas industriais por um tema de resiliência.
Mas os benefícios que a região oferece vão
muito além. Vários países contam com muita disponibilidade de água, imensas
reservas de minerais críticos, como o lítio, níquel, cobre, terras raras e
minério de ferro de alto teor, e biodiversidade especialmente rica e que pode
ter papel distintivo para a manufatura sustentável e para o mercado de carbono.
Contam, ainda, com vastas florestas e terras agrícolas que oferecem amplas
oportunidades para o abastecimento de importantes matérias-primas industriais.
A região também está se engajando em compromissos com a preservação ambiental,
o que é fundamental para atrair investidores e consumidores que priorizam a
produção responsável. Tudo isto posiciona a região como fornecedora confiável
de produtos manufaturados sustentáveis.
Liderar a fabricação sustentável requer, no
entanto, uma abordagem abrangente e proativa, incluindo estabelecer um forte
compromisso com a sustentabilidade; identificar fontes de financiamento;
concentrar-se no desenvolvimento de produtos verdes; garantir a expansão da
energia limpa; implementar medidas de eficiência energética; promover o mercado
de carbono; otimizar a eficiência no uso dos recursos; fomentar uma cultura de
inovação; colaborar e envolver os stakeholders; investir em treinamento e
educação profissional com os conhecimentos e habilidades necessários para a
economia verde; e comunicar as iniciativas sustentáveis. Será também importante
demonstrar consistentemente a liderança ambiental e assumir um papel de
destaque para um futuro sustentável.
É provável que testemunharemos uma
alteração no cenário atual da manufatura global. Muitos setores incumbentes de
países com vantagens comparativas e competitivas poderão se atrasar na
conversão para o verde, os custos de conversão poderão ser proibitivos, ou
ainda, não terão à disposição muitos dos requerimentos para lograr êxito,
sugerindo que poderão perder espaço de mercado. Tudo isso contribui para que a
ALC possa ambicionar participar da economia verde pela porta da frente, e não
apenas como fornecedor de commodities verdes, o que a permitirá transformar a
sua economia e resolver de uma vez as suas maiores chagas, que são a pobreza e
a desigualdade. Mas, para isto, será necessária muita ambição, determinação,
objetividade e capacidade de coordenação, execução e implementação de
políticas.
*Jorge Arbache é vice-presidente de setor privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina
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