O Estado de S. Paulo
Sem Bolsonaro e, eventualmente, sem Lula, quem conseguiria liderar um projeto político de repercussão na sociedade brasileira?
Desde antes do julgamento do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) que definiu a inelegibilidade do ex-presidente Jair
Bolsonaro, analistas políticos têm refletido sobre o futuro do cenário político
(ou especificamente da direita) nacional nos próximos anos, sem Bolsonaro.
A pergunta é pertinente e pode ser levada
para o lado esquerdo do espectro político. Seu grande líder, o presidente Lula,
já tem 77 anos. Além disso, sem Bolsonaro no páreo, uma nova candidatura Lula
não se ancoraria, como em 2022, na garantia do regime democrático. Poderia até
ser vista, ao contrário, como um obstáculo à renovação dos quadros políticos da
(centro-)esquerda.
Sem Bolsonaro e, eventualmente, sem Lula, quem conseguiria liderar um projeto político de repercussão na sociedade brasileira?
Alguns nomes têm emergido especialmente à
direita, diante da ausência certa de Bolsonaro. Os nomes fazem todo sentido
neste momento: os governadores Tarcísio de Freitas e Romeu Zema, por exemplo,
defendem pautas associadas à direita e ocupam posições políticas privilegiadas.
Mas a pergunta por novos líderes suscita considerações prévias que podem
desestabilizar nossas projeções, afinal, o surgimento de novas lideranças
políticas depende de fatores diversos e indeterminados, como o contexto social,
econômico e político do País nos próximos anos.
Esse é um ponto importante, pois é sobre
este amplo contexto que o futuro líder vai atuar. É difícil prever, no entanto,
como estará o Brasil – ou o Brasil e o mundo – dentro de três anos. Estaremos à
procura de um salvador, como em 2015-2018? Se sim, nosso líder provavelmente
terá de ser capaz de representar (ou de interpretar e, depois, representar) as
visões e sentimentos presentes na sociedade, para assim orientar seu projeto
salvacionista. Ou será que teremos, daqui a alguns anos, uma economia
reerguida, pobreza decrescente, instituições dando mostras de bom
funcionamento? Nesse caso, precisaremos menos de um líder inovador e mais de um
que aparente saber nos manter neste rumo promissor. Como se vê, uma liderança
política emerge não só em decorrência de atributos da pessoa do líder, como
conhecimento, empatia, autenticidade, oratória, etc.; o nascimento do líder
político, via de regra, é indissociável da situação da comunidade que pretende
liderar.
É indissociável, também, de seus potenciais
liderados. Mas como estará o antipetismo daqui a três anos? E o
antibolsonarismo? Não sabemos qual será a visão do eleitorado evangélico, que
deu amplo apoio a Bolsonaro na eleição de 2022, nem a dos mais pobres, que
sustentaram a vitória de Lula na mesma eleição. A mentalidade que culminou no 8
de janeiro ainda estará viva em segmentos da população (e do jornalismo)? Não é
fácil de prever, até mesmo, como temas de inegável importância (preservação do
meio ambiente, combate ao racismo) estarão sendo valorizados pela sociedade
daqui a alguns anos.
Por outro lado, é interessante observar que
a conquista da liderança política pode conferir ao líder uma ampla margem de
atuação, a ponto de contar com o apoio dos seus liderados mesmo quando as políticas
dele contrariam a visão ideológica deles. É o que indicam alguns estudos sobre
o tema. Em Follow the Leader?, Gabriel Lenz conclui que, no campo das
políticas, são os eleitores que seguem os políticos, não o contrário. Primeiro,
os eleitores decidem qual político apoiar e, então, adotam as políticas dele.
Ou seja, eles não guiam, são guiados. Daí que, ao menos naquele campo, “a
democracia parece invertida”. Em livro deste ano, Larry Bartels vai na mesma
direção (Democracy erodes from the top).
Essas conclusões podem ser transportadas
para o Brasil. Recordemos, por exemplo, a rendição do governo Bolsonaro à
“velha política” e sua aposta num substituto para o Bolsa Família, o Auxílio
Brasil. Essas ações contrariavam não só itens de destaque da plataforma
política do ex-presidente, como conhecidas declarações dele (Bolsonaro se
elegeu em nome do combate à “velha política” e dizia que o Bolsa Família tirava
dinheiro de quem produzia para entregar a quem não trabalhava). Tais
contradições, contudo, foram recebidas em silêncio ou mesmo justificadas pela
grande maioria dos adeptos do ex-presidente. Algo parecido se viu recentemente,
agora em relação a Lula, com a escolha de Cristiano Zanin para o Supremo
Tribunal Federal (STF).
Essas constatações a respeito da força do
líder (e seu grupo) sobre o convencimento dos seus liderados nos remetem de
volta aos nomes que vêm sendo cogitados na imprensa para nos liderar no futuro
próximo. Mas nos remetem, também, a novas perguntas: Tarcísio de Freitas terá
sua gestão em São Paulo reconhecida pela responsabilidade, eficiência e
sobriedade ou preferirá ações de picadeiro, como as marteladas no leilão do
Rodoanel e a infame homenagem a Erasmo Dias? Fará motociata? À esquerda, Haddad
terá voto, visão e apoio (inclusive do próprio partido) para refazer o percurso
de FHC, do Ministério da Fazenda à Presidência da República? As especulações
são livres, as projeções especializadas são fundadas, mas lembremos que a
história corre indiferente a tudo isso.
*Doutor em Direito pela USP e pela Università Degli Studi di Torino, integrante do Instituto Norberto Bobbio, é professor da Fadi e Facamp
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