sexta-feira, 28 de julho de 2023

Claudia Safatle - A distância entre discurso e prática no governo Lula

Valor Econômico

Faltam pouco mais de 20 bilhões para fechar as contas com déficit zero em 2024

Há uma notável distância entre o discurso e a prática do governo Lula. A prática tem vindo em uma dimensão mais contida do que o discurso e essa percepção ajudou a agência de rating Fitch a melhorar a nota do Brasil, salientam fontes da área econômica, que citam como exemplo a medida de incentivo à compra de automóveis, que custou R$ 650 milhões e vendeu 125 mil veículos. O papel do BNDES também é parte de uma visão mais contida, principalmente se confrontado com o que foi feito no segundo mandato de Lula, quando o Tesouro Nacional se endividou para repassar somas bilionárias para o BNDES emprestar a taxas de juros favorecidas.

A agência avalia que o governo Lula defende um afastamento da agenda econômica liberal dos governos anteriores. Mas, mesmo assim, espera-se que “o pragmatismo e contrapesos institucionais evitem desvios radicais de políticas macro ou micro”, diz a Fitch em seu comunicado divulgado na quarta-feira, a pouco mais de um mês após a Standard and Poor’s, outra agência de classificação de risco, ter melhorado a perspectiva da nota do país.

O comunicado da Fitch ressalta o avanço da agenda de reformas, não só as propostas pela gestão Lula, mas as ocorridas nos últimos anos, tais como a da Previdência e a autonomia do Banco Central (contra a qual Lula se insurgiu), aprovadas no governo de Jair Bolsonaro, e destaca progressos importantes no arcabouço fiscal e na reforma tributária.

Sobre o arcabouço, a Fitch entende que ele deve ajudar a conter os gastos como proporção do PIB, mas aponta para a necessidade de um grande esforço de arrecadação para que as metas fiscais sejam atingidas.

Técnicos da área econômica do governo informam que a meta de déficit primário de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) tem grande chance de ser atingida este ano e sustentam que faltam somente uns R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões para garantir a meta de zerar o déficit no ano que vem. Isto, considerando que as medidas que estão no Congresso, como a do Carf, da taxação de jogos pela internet e dos preços de transferência, serão aprovadas. Tem, ainda, um pacote de iniciativas que devem acompanhar a proposta orçamentária para 2024, que terá que ser encaminhada ao Congresso até o fim de agosto. Desse pacote constam a taxação dos fundos exclusivos e o fim do mecanismo dos juros sobre capital próprio, dentre outras.

O grau de investimento que o Brasil perdeu em 2015 poderá ser recuperado no futuro, dependendo da disposição do governo em seguir com as reformas. Ao comentar a sinalização dada pela Fitch, o governo arriscou uma data para recuperar o grau de investimento: 2026. Técnicos oficiais consideraram ter isso em mente algo muito bom, pois “ajuda o governo a tomar as decisões corretas”.

Com as metas fiscais apontando para zerar o déficit primário no ano que vem, fontes da área econômica não consideram que há limitação para a queda da taxa de juros por parte do Banco Central.

Na medida em que for ficando claro que o objetivo de zerar o déficit no próximo ano - o que deverá constar do projeto de lei do orçamento para 2024 - é factível, a taxa de inflação vai se aproximar da meta e os juros vão poder cair mais.

Por enquanto, há uma diferença entre os prognósticos do governo e as expectativas do mercado, retratadas na pesquisa Focus, do Banco Central: o governo trabalha com o déficit zero, e a dívida se estabiliza como proporção do PIB; já o mercado considera um déficit primário de 0,8% do PIB no próximo exercício. Nesse caso, a dívida continuará crescendo e pode assumir uma trajetória explosiva.

Conta de precatórios

O ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, deixou uma conta de R$ 199,9 bilhões em precatórios que vence em 2027 para a qual se tem poucas alternativas: ou o governo paga e retira esses quase R$ 200 bilhões dos limites do arcabouço fiscal e da conta de resultado primário; ou resolve pagar um quinto por ano, durante cinco anos, também retirando os valores do teto de gastos permitido pelo arcabouço; ou, ainda, pedala essa despesa por mais alguns anos, o que não é uma opção considerada pelos técnicos oficiais.

As soluções imaginadas pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios - que eram usar os recursos para quitar dívidas tributárias ou para dar lances em leilões de concessão ou de privatização, ou, ainda, receber com um desconto de 40%, não decolaram. “Todo mundo sabia que as concessões não seriam, nem de longe, suficientes para absorver os valores dos precatórios”, comentou um técnico do governo.

 

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